CENSURA TOGADA
"A bem de CartaCapital e de todos", copyright CartaCapital, 29/5/02
"A solidariedade da mídia contra a censura honra esta revista e valoriza a categoria. Depois de conseguir sustar a publicação da entrevista de Guilherme Freire na edição da semana passada, por obra de duas decisões tomadas pelo juiz Marcelo Oliveira, o presidenciável Anthony Garotinho, entrevistado em Curitiba pela Agência Estado, na segunda 20, declarou que CartaCapital, em dificuldades financeiras, tinha sido ?arrendada? por um grupo de empresários ligados ao pré-candidato do governo, José Serra.
Sugerimos que Garotinho consulte o próprio Serra. Talvez tropece no espanto do adversário. No mais, cuide de sua vida, a qual vai registrar também um processo por danos morais movido por CartaCapital. Registrará, ainda, a reportagem desta edição.
Na quarta-feira 22, ganhamos a segurança definitiva para publicar a entrevista com Freire, graças à eficaz e brilhante atuação do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, que nos representa, e à clareza do agravo de instrumento concedido pelo desembargador Jessé Torres, da 18? Câmara Cível do Rio de Janeiro, que estabeleceu o limite do que poderia ser divulgado.
Limite que exprime exatamente a intenção da revista desde o primeiro momento: o de publicar uma entrevista com o ex-colaborador de Garotinho e não a transcrição de fitas por ele gravadas, como, aparentemente, fizeram crer os advogados de Garotinho ao juiz Oliveira.
Escreve o desembargador, a respeito do pedido de CartaCapital: ?Defiro para o fim de exclusivamente autorizar a veiculação da entrevista que lhe concedeu o sr. Guilherme Freire, mantida a proibição quanto à divulgação do conteúdo da fita decorrente de interceptação telefônica supostamente ilícita. Cuidará para que, no texto da entrevista que venha a publicar, não se insiram trechos extraídos, em sua literalidade, da aludida fita?.
Na defesa de CartaCapital, os advogados Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Mônica Filgueiras Galvão argumentaram a favor da ?liberdade de expressão e o dever de informar?. ?É indiscutível que os atos praticados pelos homens públicos podem e devem ser criticados pela imprensa e por ela divulgados, discutidos e dissecados, não faltando a eles espaço na mídia em geral?, afirmam. Tese consagrada pelo despacho do desembargador Torres.
Desde a sexta-feira 17, quando a edição 190 chegou às bancas com título na capa ?Por que não votar em Garotinho?, a Editora Confiança e a revista receberam inúmeros sinais de apoio dos principais órgãos da imprensa e da mídia em geral. Na quarta-feira 22, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) fez uma defesa veemente da liberdade de imprensa. Em texto assinado pelo presidente da instituição, Francisco Mesquita Neto, e pelo vice, Mário Gusmão, a ANJ manifestou ?a sua inconformidade ante a decisão da Justiça do Rio de Janeiro que concedeu liminar ao pré-candidato? e pediu ?o restabelecimento pleno do direito de livre publicação, que tem garantia constitucional?.
Tanta e tão consistente solidariedade honra CartaCapital e sua editora, e exibe à opinião pública uma unidade que valoriza a todos. Mas não faltam motivos de preocupação quanto à atuação da Justiça, passível de ferir gravemente o princípio da liberdade de informação.
Na quinta 23, o UOL e a Folha de S.Paulo foram proibidos pela Justiça paulista de divulgar notícia relativa a processo administrativo disciplinar contra o juiz Renato Mahana Khamis. A decisão da desembargadora Zélia Maria Antunes atinge, de fato, a todos os jornais, revistas, rádios, emissoras de televisão e provedores. Censura ampla, geral e irrestrita.
Há quem diga que o Brasil é uma democracia. Mais um motivo se junta para alimentar dúvidas a respeito."
"Justiça, Imprensa, Futebol e Música", copyright O Globo, 1/6/02
"Nos dias 20 e 21 de maio foi realizado em Brasília o Primeiro Seminário de Imprensa e Dano Moral, promovido pela Associação Nacional dos Jornais e pela Escola da Magistratura do Distrito Federal e que, entre ministros do Superior Tribunal de Justiça, magistrados, juristas e jornalistas de renome, contou com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mendes de Mello.
Do debate de uma série de temas inerentes ao relacionamento entre imprensa e Justiça, surgiram importantes conclusões. A primeira, e mais importante de todas, é que a Constituição Federal proíbe, sob qualquer prisma, a censura dos meios de comunicação. A conclusão, além de uníssona entre os presentes, é ampla e abrange não só a censura legislativa, que vigorava no período autoritário, como também a censura prévia, ou, com abrigo nas palavras do jornalista José Nêumanne Pinto, censura judicial, que vem sendo imposta pelo Poder Judiciário, através das espúrias e tão noticiadas liminares que impedem a divulgação de fatos relevantes e de interesse social relacionados a pessoas públicas.
A vedação constitucional abrange também a autocensura a que vêm sendo submetidos os órgãos de imprensa nacionais, os quais, acuados em razão do crescimento avassalador da chamada indústria do dano moral, bem como de algumas condenações milionárias que, não raro, inviabilizam economicamente a própria empresa jornalística, deixam de publicar matérias de notório interesse público.
Muito se fala em irresponsabilidade dos órgãos de imprensa por publicações de notícias inverídicas e distorcidas – e em alguns casos, não sem razão. Mas o que dizer das pessoas públicas que, no afã de encobrir fatos e atos de natureza duvidosa, evocam o direito à intimidade como forma de impedir a divulgação de informações obtidas pela imprensa a seu respeito? Não devem tais pessoas, ao pretenderem ocupar cargos públicos, abdicar deste tipo de artifício? Será que a população não tem o legítimo direito de saber o que está por trás de uma carreira pública que se diz imaculada? Ou será que, para tais indivíduos, não vale o adágio ?quem tem o bônus deve suportar o ônus?? Tais perguntas, até agora, ficaram sem a adequada resposta.
Outra vergonha deflagrada no seminário diz respeito ao mecanismo processual que permite que os autores de ações judiciais, buscando indenização por danos morais, deixem de quantificar o valor pretendido a este título. Qual o resultado prático disto? Ora, o risco dos autores para ajuizamento das referidas ações se torna ínfimo. Isto porque, em caso de vitória, os autores serão beneficiários de indenização que pode alcançar valores nababescos (milhões de reais), enquanto que, em caso de derrota, sua responsabilidade se subsume a um percentual que varia entre 10% e 20% sobre o irrisório valor dado à causa.
Ao mesmo tempo, deixam os autores de estimar o valor que entendem justo para reparação de sua honra, o que mostra o absurdo de se pretender que um terceiro (o juiz) possa arbitrá-lo – quando a dignidade e a própria honra são expressões individuais – além de provar que o objetivo é de não se sujeitarem ao pagamento de custas e honorários em alto valor na hipótese de julgamento desfavorável, confirmando a tese do melhor investimento do mundo.
Assim, fica fácil de entender o verdadeiro mote da indústria das indenizações. O ajuizamento de ação de indenização por dano moral no Brasil, considerando-se o binômio risco/resultado, não é loteria, mas o melhor investimento do mundo.
Em se tratando de liberdade de imprensa, não vale o argumento de que os julgados, em sua média, têm acertado. Neste particular, a Justiça é como o goleiro no futebol: ninguém lembra de suas defesas, somente das falhas. Basta uma decisão censurando a divulgação de informações importantes para manchar a democracia. A questão ganha contornos ainda mais dramáticos quando a censura judicial beneficia pessoa que pretende ocupar o cargo máximo do Poder Executivo no país. Um verdadeiro frango em final de campeonato!
Democracia e transparência andam de mãos dadas. Uma imprensa tímida, medrosa, não cumpre seu papel fundamental. Agora, às vésperas das eleições, só nos resta torcer para que os tribunais espalhados pelo país, em vez de se lembrarem dos maus exemplos cometidos por alguns de seus congêneres, comemorem as vitórias do Brasil ao som do velho hino da democracia, com letra de Caetano Veloso e interpretação do ministro Marco Aurélio: É proibido proibir."