TV PAGA
Nelson Hoineff (*)
Várias grandes novidades serão anunciadas nas próximas semanas no mercado de TV por assinatura no país. É uma tentativa desesperada de aumentar a base de assinantes e ao mesmo tempo tornar o mercado mais realista. Decorre da criação de vários grupos de trabalho pela ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), que reúne os principais operadores do país e das conclusões que estes grupos começam agora a apresentar.
Entre as mudanças está a flexibilização dos pacotes. Hoje no Brasil nenhum assinante escolhe os canais que deseja assinar. É a operadora que escolhe por ele, impondo dezenas de canais indesejáveis para cada canal que ele deseje de fato assistir. O resultado é que o consumidor está assinando o sistema para ver quatro ou cinco canais, e pagando por 70 ou 80. Em decorrência, os pacotes básicos custam em torno de 90 reais (sem os canais premium ou o pay-per-view), o que representa quase a metade de um salário mínimo. Não é uma boa estratégia para conquistar as classes C e D, que constituem a maior parte da população e que são no momento o principal target do mercado. Os operadores já se deram conta há muito tempo de que não podem viver apenas da classe A, que já assinou o que tinha que assinar e não garante a sobrevivência de ninguém. Mas não há como baratear o preço das assinaturas com tantas contas a pagar.
Do outro lado do balcão, a rede instalada de cabo no Brasil passa por mais de 15 milhões de residências, e não tem nem 1,4 milhão de assinantes. Não há como obter resultados dessa maneira. Pelas novas regras, os pacotes começarão a um preço muito baixo, em torno de 25 reais, trazendo um lineup básico muito pequeno (as emissoras abertas e algumas redes de TV por assinatura). O consumidor poderá ir fazendo vários tipos de upgrades, escolhendo pacotes que contemplem os canais a que ele de fato pretende assistir, e pagando um extra por cada um deles. Espera-se que assim a base de assinantes consiga sair da estagnação em que se encontra há cerca de três anos ? e é a partir dessa base que tanto as operadoras quanto as programadoras (que hoje, com tão poucos assinantes, não têm faturamento nem das assinaturas nem das agencias de propaganda) poderão pensar em se desenvolver.
Desenho equivocado
Outra novidade é a queda da exclusividade. O anacrônico sistema de exclusividade entre algumas programadoras e os operadores não trouxe qualquer benefício para nenhuma das partes, e ainda inibiu o desenvolvimento de redes locais de TV por assinatura, que é, de todos, o maior crime que o desenho atual cometeu contra a população e a identidade brasileiras. Limitada à TVA como operador terrestre e à DirecTV como operador satelital, por exemplo, a HBO não atinge uma parcela mínima do seu potencial. Ao mesmo tempo, as relações entre Globosat e NET, particularmente no que diz respeito à exclusividade dos canais de esportes, são uma pedra no sapato de todo o mercado de TV por assinatura, e configuram uma situação que não seria aceita em qualquer outro lugar do mundo. Tornou-se viável no Brasil graças à hegemonia particularíssima da Globo na TV aberta, que transbordou daí para as operações de TV por assinatura e, o que é pior ainda, para a sua programação. Mas o imenso sangradouro em que se transformou a NET acabou comprometendo a situação econômica da rede aberta, o que há alguns anos seria impensável, fazendo com que todas as posições, inclusive a perniciosa cumplicidade entre operação e programação, pudessem ser revistas ? até porque desfazer-se da NET é hoje o sonho mais romanticamente acalentado pelo grupo.
As duas alterações anteriores resultam na terceira, de grande impacto para todo o mercado. Uma grande parte das redes de TV por assinatura hoje distribuídas no país deve simplesmente desaparecer dos lineups brasileiros. Ainda não se sabe quais serão (tem-se uma idéia, no entanto) nem em que quantidade, mas nos próximos meses o assinante já não terá acesso a tantas opções dentro de um mesmo segmento (infantis, filmes, esportes, por exemplo), e muitas programadoras que hoje contam com três ou mais canais deverão ter seu cardápio substancialmente reduzido.
Outros fatores devem ser levados em consideração para justificar todas essas mudanças, entre eles a iminente modificação nas grades das próprias emissoras abertas em decorrência da inauguração das plataformas digitais, tantas vezes adiada e das quais neste ano eleitoral pouco se fala. O ministro Juarez Quadros tem defendido a falta de pressa na escolha do padrão digital, que acabou ficando mesmo como um grande presente para o próximo governo. Segunda-feira passada, no Globo, o ministro ocupou mais de meia página simplesmente para descrever o Fust, que todo mundo já está cansado de conhecer. Nenhum fato novo que justificasse um artigo tão extenso parece sugerir que o ministério tenha mais do que se ocupar. Está tocando bola no próprio campo, esperando a troca de governo, sereno pela impossibilidade de levar um gol.
Enquanto isso, as operações de TV por assinatura no Brasil vão tomando uma goleada da realidade (com vários gols contra cometidos pelo modelo incrivelmente equivocado com que o sistema foi desenhado, há mais de 10 anos). Antes mesmo das eleições de outubro, o sistema vai sair à caça do assinante com a mesma voracidade com que o candidato sai à caça de seus votos. Pelo menos no primeiro caso, trava-se uma batalha de vida ou morte.
(*) Jornalista e produtor de TV