Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Muito além do Provão

AVALIAÇÃO IMPLODIDA

Marcos Marques de Oliveira (*)

Ninguém discorda de que a avaliação do sistema de ensino é necessária. A verificação do funcionamento e dos resultados produzidos pelas instituições faz parte das expectativas dos que lutam por uma sociedade democrática e eficientemente justa, ainda que em processo. A questão, portanto, não é avaliar ou não. O que deve estar em pauta é: como, para quê e com quais critérios avaliar.

Para tanto, torna-se fundamental que os que vivem o processo de ensino-aprendizagem participem da confecção desta pauta e não apenas sejam sujeitos passivos de instrumentos criados por iluminados tecnocratas. Não que eles (docentes, funcionários e alunos) devam ter exclusividade, mas que, no mínimo, tenham voz e voto neste debate.

Afinal, o combate ao "corporativismo", tão em voga na mídia atualmente, começa por colocar nas arenas de conflito todas as "corporações". E não o contrário, tentando escamotear os próprios interesses confundindo-os com o interesse "geral". Este, vale lembrar, será sempre o consenso possível, fruto não de uma conciliação dos contrários, mas de uma anistia sempre momentânea de uma luta que não cessa.

Papel do público

Porém, muito além da avaliação, a discussão que a sociedade brasileira (não a unidade imaginada, mas sua diversidade constitutiva) deve fazer é sobre qual o papel do ensino superior numa nação capitalista periférica. Para sermos didáticos, apresenta-se, hoje, duas posições.

De um lado, estão os que, na linha dos que sonham um Brasil integrado autonomamente às relações internacionais, sabem que a constituição de um sistema universitário público (gratuito, cada vez mais de acesso universal e de qualidade) é condição sine qua non para a consolidação da democracia nacional e sua maior "competitividade" na economia mundial.

De outro, os que zelam por seus próprios interesses e vêem no desmantelamento do patrimônio das universidade públicas uma oportunidade única de acumulação de riqueza e poder na área educacional, que é cada vez mais de serviço do que de direito.

Deixar o ensino superior à revelia de interesses privados num país dominado por corporações estrangeiras é abdicar da produção de pesquisas de ciência e tecnologia que venham atender aos interesses coletivos da vontade nacional-popular. Acabar com a gratuidade das universidades públicas, sob a justificativa de que ela só favorece às elites, não resolve o problema de acesso das classes populares.

Não é por que os filhos das elites ocupam mais vagas nas públicas que boa parte dos pobres não chegam lá. Eles não chegam porque não têm educação infantil, lhes é oferecido uma péssima educação básica e um ineficaz ensino médio. Surpresa seria se eles tivessem condição de competir com os filhos das camadas médias e das elites – que, por sua vez, já pagam a universidade pública com seus impostos.

Os filhos dos pobres não chegam porque o governo e a sociedade parecem ter decidido que não vale mais a pena investir no ensino público, que teve, nos últimos anos, uma queda absurda na oferta relativa do número de vagas. Enquanto isso, as privadas crescem. E crescem sob a rubrica da filantropia e da ação social, com isenção fiscal e, muitas vezes, subvenção pública. E, ainda sim, reclamam enormemente da inadimplência, solicitando ainda mais o socorro governamental. Ora, se o Estado terá dinheiro para atender aos interesses privados por quê não terá para investir no público?

Política de estado

Assim, se a avaliação deve ser vista como necessária para o bom desenvolvimento do sistema educacional, o debate sobre o seu processo de constituição tem que ser ampliado. A prioridade, entretanto, deve ser a configuração de um sistema avaliativo que defina bem o papel das instituições públicas e privadas, dando às primeiras condições objetivas e estruturais de sucesso e ampliação e às segundas a oportunidade de sobreviverem, mas não às custas dos cofres governamentais.

A avaliação, por fim, deve ter caráter punitivo somente em última instância, depois de um processo claro de análise das condições de ensino e aprendizagem. Isto porque o "fracasso" registrado pode (por quê não?) ser resultante de uma metodologia equivocada ou, quiçá, das péssimas condições que estão sendo oferecidas aos professores e alunos para o bom desenvolvimento do trabalho pedagógico – o que, no caso das universidades públicas, é culpa direta do "mantenedor" estatal.

Promover o terror não é a melhor forma de estímulo. E um sistema participativo, transparente e objetivo terá mais chances de se perpetuar como política de Estado e não mais apenas como um capricho de quem ocupa momentaneamente o governo.

Talvez este seja sim o maior problema da atual democracia brasileira.

(*) Jornalista, cientista político e doutorando em Educação Brasileira; pesquisador do Coletivo de Estudos de Política Educacional do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense

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