Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Natalie Lima

COBRAS CRIADAS

"Cobras criadas: a vida de um brilhante cascateiro", copyright Comunique-se, 27/12/01

"Ele foi um dos personagens mais controvertidos e famosos do jornalismo brasileiro. Figura principal do livro Cobras Criadas, de Luiz Maklouf, David Nasser pisou pela primeira vez em uma redação de jornal em 1934. Tinha apenas 17 anos. Foi contratado como contínuo no escritório da rua Treze de Maio, Centro do Rio. Lá funcionavam o Diário da Noite, O Jornal e a revista O Cruzeiro, dos Diários Associados. Aos poucos, o filho de uma família de pais libaneses foi se infiltrando no dia-a-dia de repórteres e editores que trabalhavam para Assis Chateaubriand. Tempos depois, já na década de 40, David Nasser saía do anonimato e, ao lado do fotógrafo Jean Manzon, tornou-se autor de matérias que fizeram história na Cruzeiro.

Para escrever o livro, Maklouf realizou 103 entrevistas com ex-colegas e familiares de Nasser, pesquisou em vários arquivos – revistas O Cruzeiro e Manchete, jornais Diário da Noite e O Globo, Arquivo Público do Rio de Janeiro, e outros lugares. Depois disso, Maklouf passou dois anos escrevendo 600 páginas sobre a trajetória de Nasser, que se mistura com a do Cruzeiro, da Manchete e, é claro, com a de figuras famosas como Juscelino Kubitshek, Pelé, Carlos Lacerda, Armando Falcão, entre outros.

Desengonçado por causa de uma meningite que teve na infância, David Nasser desde cedo manifestou gosto por escrever e contar histórias. Diz-se que só sentia conforto diante das ?pretinhas?, como chamava as teclas da máquina de escrever. Era com elas que aumentava fatos, às vezes até os criava, fazendo O Cruzeiro vender estrondosamente.

Ao longo do livro, Maklouf mostra, sem fazer juízo de valor, que as versões de Nasser sobre pequenos e grandes fatos nem sempre refletiam a realidade. Bom exemplo é a sopa dividida entre o jornalista, ainda foca do Diário da Noite, com outros três colegas – Emil Farhat,Victor Nunes Leal e Dirceu Torres Nascimento. Mal pagos, faziam as refeições numa pensão próxima à redação dos Associados. Um belo dia estavam juntos e não tinham dinheiro senão para dividir uma sopa, tomada a quatro colheres. Ao ser entrevistado por Maklouf, Farhat riu da história e disse que ?quatro colheres e um prato só nunca aconteceu?.

Em 1936, Nasser foi contratado pelo Globo, já sob o comando de Roberto Marinho. Ficou lá até 1943. Um dos motivos de sua saída teria sido o anonimato a que a direção do jornal o confinava. Quase não lhe era permitido assinar matérias nem trabalhar em pautas importantes. Segundo Maklouf, as únicas de que Nasser se orgulhava ?merecem o selo da dúvida?. Ele afirmava que escreveu matérias sobre a polícia torturadora do Estado Novo, comandada pelo chefe de polícia, Filinto Muller. O autor de Cobras Criadas questiona a existência dessas reportagens: ?Vivia-se, à época, a censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e não é crível que essa cacetada em Filinto Muller tenha passado incólume, ainda mais com Alves Pinheiro dando as cartas (Nota de Comunique-se: na redação de O Globo)?.

Era uma época em que o jornalismo era feito de dentro para fora da redação. Ou seja, os fatos não nasciam necessariamente nas ruas. Foi assim que, na revista O Cruzeiro, Nasser e Manzon – chegado ao Brasil em 1940 – construíram histórias fantásticas como ?Morreu Jean Manzon?, uma reportagem em que Nasser e o fotógrafo fizeram uma brincadeira de mau gosto sobre a suposta morte do francês. Outra foi a que Manzon, ao tentar fazer uma matéria com monges que se recusaram a ser fotografados, arranjou dois conhecidos, vestiu-lhes com batas, e lá estava a matéria.

Após ter inovado o fotojornalismo brasileiro, até então obtuso e pouco criativo, Manzon passou alguns anos como diretor de fotografia e cinema do DIP, recebendo salários ?acima do padrão?. Lá ele conquistou o apreço de Getúlio Vargas, que adorava ver fotos suas publicadas em jornais internacionais. E do DIP foi para a revista Cruzeiro. Novos enquadramentos, ?closes de arrepiar? e ângulos antes nunca imaginados iam conquistando os leitores. Estava certo de que precisava de um homem de texto com quem pudesse atuar lado a lado. Esse homem era Nasser.

Juntos, o francês e o descendente de libaneses marcaram época entre 1943 e 1951 com reportagens reveladoras como a que provocou a cassação do mandato do deputado federal Barreto Pinto, fotografado em fraque e cuecas. Batizada de ?Barreto Pinto sem máscara?. Outra grande matéria foi a entrevista feita com o retraído médium Chico Xavier, figura avessa à exposição pública. O título era ?Chico Xavier, detetive do além?.

Nasser deixou O Cruzeiro em 1975, após sofrer pressões para que deixasse de escrever sua coluna e passasse a produzir matérias com pautas previamente aprovadas pela direção da revista. Não aceitou. Nessa época, o jornalista já tinha enriquecido e se tornado uma figura influente nos bastidores da ditadura militar. Chegou a pedir ajuda a Armando Falcão, então ministro da Justiça do governo Ernesto Geisel, para que o processo que moveu contra os Diários não empacasse em nenhum juiz.

Seu desligamento da empresa foi publicado pelos principais jornais do país. Semanas depois, Nasser escreve uma carta intitulada ?Por que deixei o velho barco?, com ataques públicos a João Calmon, então diretor dos Diários Associados. Quem formalizou o convite para que fosse trabalhar em Manchete foi Arnaldo Niskier. Em fevereiro de 1976, lá estava ele. Escreveu inúmeros artigos atacando João Calmon.

David Nasser morreu em 1980, aos 63 anos. Sofria de diabetes e também um câncer no pâncreas. Seu corpo foi velado no saguão da revista Manchete. Lá estavam presentes Carlos Heitor Cony, Austregésilo de Atahyde, Roberto Marinho, Gilberto Chateaubriand, Adolpho Bloch, Jean Manzon, entre outros."

ANA MARIA BRAGA

"Boa entrevista de Gabi com Ana Maria Braga", copyright Jornal da Tarde, 27/12/01

"Informativa e emocionada a entrevista de Ana Maria Braga feita por Marília Gabriela para o GNT, transmitida na terça-feira, Natal, e que deve ir ao ar novamente no próximo sábado. Gabi exata, calorosa, sempre atenta aos melhores rumos da entrevista e, no entanto, delicada. ?Se isso te faz sofrer, podemos falar de outra coisa?, disse Gabi, diante das lágrimas de Ana Maria. Mas Ana queria falar, sobretudo da sua doença. O que dói, o que não dói, o que parece e não é, a bobeada, tratamentos, como funciona a quimioterapia, os incômodos paralelos, a intenção de informar o número maior possível de pessoas, a necessidade de todos ficarem atentos à linguagem do próprio corpo, a nova atitude perante a vida que a pessoa adquire, as coisas que perdem importância e as que ganham… Em certo momento, a entrevistada disse que quer divulgar tudo isso – ?estou escrevendo um livro?. Que revela essa frase de uma pessoa que trabalha no meio de divulgação mais poderoso que existe? Revela seu conhecimento da transitoriedade da televisão e uma necessidade de deixar gravada sua mensagem em um veículo que trata os assuntos com maior profundidade.

Uma excelente história

O GNT está reapresentando um excelente documentário sobre Nova York, nas suas ?Grandes Séries?. A cidade é tratada como uma personagem, o documentário é estruturado como uma biografia de gente famosa.

Personalidades da cidade depõem, textos antigos reforçam imagens, fundadores são evocados, velhas imagens testemunham. A especial arquitetura da cidade é encarada como expressão coletiva. Tem-se uma interpretação da opção pelos altos edifícios como uma consciência de que se estava estabelecendo um novo padrão, uma mudança nas características da civilização. O orgulho provocava um duelo de arquitetos e de grandes corporações para superar o recorde precedente. O espisódio ?Cosmópolis?, que ainda se pode ver hoje, às 15 h, mostra a construção de dois grandes símbolos da cidade, o Empire State Building e o Chrysler Building, mostra a Primeira Guerra Mundial, a crise da Bolsa, os botecos de bebida contrabandeada durante a Lei Seca, a era do jazz. O episódio anterior, ?O poder e o povo?, apresentou as grandes imigrações, a mistura de culturas, o amontoado de gente que transformou prédios do East Sul em verdadeiros pardieiros, hoje valorizados. Mostrou a exploração do trabalho dos imigrantes, a grande greve das costureiras de 1909, o incêndio do prédio de confecções da Triangle, no ano seguinte, em que morreram 141 operárias, e que provocou mudanças na legislação trabalhista nos EUA. A tradução para o português comete deslizes, como chamar a capital do estado de Nova York, Albany, de Albânia, criando confusão na cabeça do telespectador. A série continua hoje e amanhã com dois episódios chamados ?A Cidade do Amanhã?. Vale a pena.

Outros leitores atentos

Um escreve-me para dizer que dei importância demais ao documentário ?Filho de Deus?. Será que dei? Não era essa a idéia. Nem acho o trabalho tão bom assim. Gostei foi do tema. O documentário em si fica em cima do muro, nem adota posição científica nem religiosa, não separa bem as coisas.

Outro escreve para dizer que critiquei injustamente o apresentador de ?Brasil Urgente?, Roberto Cabrini, por ele ter perguntado a um cientista se um objeto fotografado era disco voador. Diz o leitor, estudante de Jornalismo, que a pergunta era jornalística. Concordo, mas, na forma, pressupunha a existência de disco voador. Como se, diante de um cabrito morto no pasto, o repórter perguntasse ao veterinário-legista: ?Foi o chupa-cabra??

Programas bom de ver

Hoje tem muita coisa boa na tevê paga. O já citado documentário sobre Nova York, os filmes ?O Pagamento Final?, do Brian de Palma (de manhã, no Telecine Action), ?Tempestade de Gelo?, do Ang Lee (no Emotion, de manhã), ?Uma Janela para o Amor?, do James Ivory (à noitinha, no Emotion), ?Uma Mulher Descasada?, feminista gostosinho do final dos anos 70 (canal Emotion, na madrugada); ?Noivo Neurótico, Noiva Nervosa?, um dos bons de Woody Allen (à tarde, no Telecine Happy) e ainda a biografia da estrela Marlene Dietrich (às 22h30, no GNT)."