Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Nelson de Sá

GLOBO vs. SBT

"Da realidade à ?realidade?", copyright Folha de S. Paulo, 31/10/01

"A guerra de audiência entre SBT e Globo, de uma hora para outra, passou a chamar muito mais atenção do que a ?nova guerra? de George W. Bush e Osama bin Laden, de EUA e Afeganistão.

Os pronunciamentos de SBT e Globo, em disputa pelos direitos dos programas no gênero Big Brother, ocupam o vazio deixado pela exaustão das tragédias da guerra.

Melhor dizendo, a ?realidade? da Casa dos Artistas no SBT, que aliás não passa de encenação amadorística, substitui na preferência do telespectador brasileiro a realidade sem aspas -de americanos envenenados, crianças afegãs mortas e outros horrores da guerra.
Na passagem dos pronunciamentos de Bush e Bin Laden para os pronunciamentos de Globo e SBT, o que permaneceu foi a retórica violenta.

Para a Globo, na nota de anteontem, ?a indústria brasileira de entretenimento só pode crescer se for baseada em princípios morais?, o que estaria faltando, presume-se, à ?pirataria? praticada pelo SBT.

Acusado de não ter ?moral? nem ?ética?, o SBT respondeu à altura. ?A indústria brasileira do entretenimento só pode crescer se a TV Globo deixar?, começou ontem sua nota de resposta, num tom agressivo jamais visto na relação entre redes de televisão no país. A nota terminou no seguinte:

– O SBT, enquanto a Globo não for o único veículo, o único empregador, não for o único poder, o Big Brother que anseia ser, até esse dia, o SBT continuará trabalhando e derrotando, sem luxo, o poder, a riqueza e a prepotência, hoje disfarçados de moralistas.
Em termos de bem e de mal, de drama popular, a guerra de audiência não fica nada atrás da ?nova guerra?. Sem falar da nudez e de tudo mais que se vê, todas as noites, no SBT, na tal Casa dos Artistas.(…)"

 

"O antraz de Sílvio Santos", copyright no. (www.no.com.br), 31/10/01

"Há pouco mais de uma semana, um telefonema mudou a rotina do primogênito da família Suplicy, Eduardo Smith de Vasconcellos Suplicy, 35 anos, o Supla. Do outro lado da linha, alguém que se identificou apenas como produtor de um programa secreto do SBT disparou um convite, seguido de um listão de regras. Supla teria que se enfurnar em uma casa sem saber o endereço, ficaria na companhia de outras 11 pessoas sem nome, não poderia se comunicar com ninguém e ? o pior ? teria que cozinhar e lavar roupa. O filho da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, implorou por mais informações. Nada. Quando desligou, saiu, esbaforido, gritando pela mansão da rua Grécia, nos Jardim Europa. ?Estou louco. Mas vou entrar nessa. Se eu encher o saco, saio fora?, teria dito. Mas não deve sair, de acordo com um dos produtores da mais nova galinha dos ovos de ouro de Sílvio Santos, que pediu para não ser identificado. ?Não queremos que o Supla saia rápido. Ele é um dos favoritos do público?.

Não se sabe, no entanto, quanto tempo Supla e seus novos amigos de infância permanecerão no novo endereço. Ontem, o juiz da 4? vara de Osasco concedeu liminar tirando do ar o programa. Espera-se um recurso do SBT. Mas, mesmo que a novidade dure pouco, não terá sido em vão para o roqueiro, que adquiriu novas habilidades domésticas. Domingo, depois de um show no sambódromo, Supla chegou em casa com os cabelos oxigenados ainda mais ouriçados do que de costume. Correu para a cozinha e solicitou a ajuda da cozinheira. Aprendeu três receitinhas básicas: como fazer arroz, macarronada e peixe. Pronto. Já poderia contribuir com sua culinária básica. ?O Supla é do tipo que come cachorro quente na esquina para não mexer na cozinha?, contou uma das empregadas da casa.

Em seguida, a tarefa mais difícil. Tinha que encarar a arte de usar a máquina de lavar. O trivial doméstico foi além de suas capacidades. Se contentou em aprender a lavar camisetas e cuecas no chuveiro. Na hora de arrumar a bagagem, entupiu a mala com seus trajes espalhafatosos, incluindo cinco camisetas do seu novo CD, ?O Charada Brasileiro?. Sílvio Santos, ao apresentar os participantes, se esbaldou com a indumentária do primeiro filho da cidade. Desde que entrou no casarão do Morumbi onde está sendo feito o programa, Supla não deu mais notícias. Eduardo, o pai, assiste todo dia, orgulhoso, à performance do filhão. Marta, a mãe, tem vergonha. Mas investiga discretamente a atuação do primogênito pelo telefone.

Só no domingo, ao vivo, após o Domingo Legal, Supla conheceu os seus novos ?house-mates?, como diria ele, que fala um dialeto muitas vezes incompreensível que mistura ?paulistês? com inglês. Ali ficou sabendo também que era um dos protagonistas de um programa chamado ?Casa dos Artistas?, que desencadeou uma guerra sem precedentes entre o SBT e a Globo, como há muito não se via. O programa é mais um reality show, esta modalidade de entretenimento baseada na observação voyeurística da intimidade dos outros, e começou a ser produzido há um mês em sigilo absoluto. O diretor chama-se Rodrigo Carelli, que trabalhou até recentemente na MTV. Ficou conhecido por dirigir o acústico de Roberto Carlos. Aliás, o grande mérito de Silvio Santos foi levar para sua emissora produtores que trabalharam na MTV, que podem levantar uma produção em pouco tempo. Passo seguinte: Carelli e toda a produção assinaram contrato com uma cláusula inquebrável: bico fechado. O silêncio permanece e ninguém fala nem pode falar sobre as regras ou detalhes saborosos do que está acontecendo na mansão do Morumbi.

O casarão é um capítulo à parte. Fica parede a parede com a mansão do ?nosso colega de trabalho? e dono do SBT. Ali estão, além de Supla, Alexandre Frota, Mateus Carrieri, Patrícia Coelho, Taiguara, Marcos Mastronelli, Leandro Lehart, Nana Gouveia, Núbia Olive, Alessandra Scatenna, Mary Alexandre e Bárbara Paz. A produção e a direção se esmeraram na escolha do elenco como se pode ver pela lista do típico perfil modelo-manequim-atriz ou ator ? pelo menos metade das moças posou para Playboy e dois dos rapazes tirou a roupa para revistas de nu masculino. Os cachês, de acordo com alguns empresários, variam de R$ 20 mil a R$ 80 mil. Ricardo Junior, empresário de Nana Gouveia e da Nubia Oliveira, não revela quanto elas receberam, mas se diz otimista com o emprego conseguido por suas pupilas.

?Vejo como uma opção de mais um entretenimento na TV. É fantástico dar chance a muitos artistas bons, que estão desempregados por aí, é uma opção para eles. O SBT está crescendo, tem novela, um elenco ótimo. A questão da liderança de audiência é uma disputa que sempre existirá entre ela e a Globo?, diz o empresário. Mas o que preocupa mesmo Ricardo Junior é o processo de privação a que estão sujeitos as manequins-modelos. ?As malas da Nubia e da Nana foram revistadas antes de entrarem no programa. Tinham, apenas, uma necessaire. Como elas irão ficar lá sem chapinha para cabelos, maquiagem e secador? Nas próximas semanas estarão um desastre! Nem creme elas puderam levar! Lá elas não tem nenhuma produção, vão ficar de cara limpa mesmo?.

A estréia, domingo, 28, foi também em segredo. Só passou a ser anunciada em chamadas no próprio dia. Ás 20h30, Sílvio Santos, com fichas na mão, coisa que nunca faz, deu a largada, esclarecendo que artistas iriam participar de uma brincadeira e, que como ficariam confinados em uma casa, tinham trazido apenas uma mala. Nos bastidores, seu Sílvio havia se recusado a ensaiar sua performance, pedida pelos produtores. Pelas bagagens, o apresentador, com a platéia, decifrava de quem eram os pertences. Com todos os artistas no palco, Sílvio encerrou o primeiro bloco da atração com suspense de final de capítulo de novela. Disse que voltaria depois do Show do Milhão para mostrar o novo endereço da eclética turma. Acostumado a falar de cifrões, anunciou que gastou R$ 5 milhões para colocar o programa no ar. Todo orgulhoso.

Valeu a pena. Desde que estreou, o ?Casa dos Artistas? tem tirado o sono da direção da Globo. O programa bateu o ?Fantástico?, que pela primeira vez perde uma disputa em 29 anos de exibição. E tem superado a audiência da novela das 8h, ?O Clone?, que estreou recentemente. Sílvio Santos driblou Roberto Marinho. O ?Casa dos Artistas? é uma versão disfarçada do famoso ?Big Brother?, programa da empresa holandesa Endemol, que chegou a ser disputado pelas duas TVs. A Globo comprou os direitos da atração exibida em 17 países no final de agosto deste ano e pretendia estrear no primeiro semestre de 2002. Mas, como se vê, não levou o prêmio ganho na disputa. O SBT ainda colocou no ar o seu ?Big Brother? caseiro no mesmo dia do ‘No Limite 3?, com a mesma recompensa do reality show global para o vencedor: R$ 300 mil.

Comenta-se que o tom da briga entre Globo e SBT mudou e que há muito não se via nada parecido ? provavelmente desde o tempo em que a Globo tentou levar Gugu Liberato e não conseguiu. Uma das razões para o novo tom da disputa entre as emissoras estaria em um nome: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que teria sido convidado por Silvio Santos a se tornar sócio do SBT com 30% das ações da empresa em troca da direção geral. Outro fator é a queda do mercado de publicidade ? a Globo teria registrado a queda de 40% de seu faturamento no último mês. Um problema que a queda dos índices de audiência só faz agravar.

?Isso agora é assim mesmo, não adianta perder tranqüilidade. A época em que você tinha segurança de audiência acabou, agora é uma guerra diária. O consumidor agora muda muito rapidamente?, diz um dos principais executivos da Globo. Segundo ele, a emissora não está reagindo à perda de audiência, e sim à falta de ética do SBT. ?Você nunca viu ninguém da Globo criticar o Show do Milhão. É um bom produto. A Globo só está se manifestando porque é afrontada?. E a reação a esta afronta foi motivo de dúvidas dentro da emissora do Jardim Botânico. Em reunião da alta cúpula, discutiu-se se valeria a pena soltar uma nota dura e assim acusar o golpe pelas derrotas de audiência no domingo. O martelo sobre que atitude tomar foi batido num telefonema da diretora de operações, Marluce Dias, para o vice-presidente Roberto Irineu Marinho. Ele deu o sinal verde para a Globo partir para o ataque.

Afrontada também se sente a produtora holandesa Endemol. Com mais de 400 programas no seu portfolio e subsidiárias e joint-ventures em 20 países, seu diretor garante que nunca teve de enfrentar um plágio como esse. ?Lidamos com problemas de copyright o tempo todo, mas esta é a infração mais escandalosa que já vi?, disse a no., do escritório de Amsterdan, o porta-voz Thomas Notermas. Nem mesmo a escolha de famosos para o elenco do programa ? no original Big Brother, o programa era feito por anônimos ? diferencia a produção do SBT. ?Nós já fizemos uma versão do Big Brother com artistas, chamada Big Brother VIPs. Ela foi produzida na Holanda, Alemanha e na Argentina, pela Azul TV?. Notermas não soube confirmar as informações da Globo, de que o SBT negociou com a Endemol os direitos do Big Brother até setembro do ano passado e, depois de ter desistido do negócio, assinou um contrato comprometendo-se a não usar as informações obtidas no processo na produção de programas semelhantes. ?Não sei se isso aconteceu, mas é muito possível. Isso só reforça o nosso caso?.

Desde agosto de 2001, a Endemol ? que hoje pertence ao grupo de telecomunicações Telefonica ? se associou à Globo para formar uma joint-venture, a Endemol Globo. O acordo inicial prevê uma sociedade igualitária (50% para cada parceiro) para produção de vários programas criados pela Endemol ao longo de seis anos. A associação prevê a colaboração de executivos e criadores das duas empresas, mas ainda não saiu do papel. Quando isso acontecer, possivelmente no início do ano, os produtos serão oferecidos prioritariamente para a TV Globo, mas poderão também ser negociados com outras emissoras brasileiras (a cabo, por exemplo) e estrangeiras. ?A companhia nasce com a perspectiva de se tornar a maior produtora de conteúdo do país?, disse na época Roberto Pinheiro, representante da Globo no conselho da produtora. Agora, resta esperar qual será o contra-ataque do SBT, que certamente virá."

    
    
                     
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