Thursday, 10 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

"No Ar", copyright Folha de S. Paulo

"23/04/02 – Irmãos em armas

As explicações povoaram os canais de notícias, internacionais e nacionais, também eles em estado de ?choque, horror e incredulidade? -como a CNN tratou a reação de parte da França.

Jean-Marie Le Pen chegou ao segundo turno porque açambarcou o discurso contra a criminalidade, porque as esquerdas se dividiram, porque Lionel Jospin é um antipático, porque centro-esquerda e centro-direita ficaram iguais e alienaram os eleitores críticos.

E mais: o neofascista não tem chance no segundo turno.

Devem ser todas versões da verdade, mas a extrema direita, nos mesmos canais, reagia de modo muito diverso.

Le Pen dizia ter chance, sim, no segundo turno. Seus partidários, na CNN, deliravam:

– Aqui no quartel-general, atrás de mim, os correligionários saudaram Le Pen absolutamente, delirantemente felizes. Ele disse a eles para continuar a sonhar o sonho.

Para o canal, a ?onda do sucesso de Le Pen está se espalhando pela Europa, ganhando força nos outros países?.

Por exemplo, acrescentou a BBC, o belga Vlams Blok, que ontem chamou Le Pen de ?irmão em armas?.

Outro exemplo, o austríaco Jörg Haider, que disse que o êxito de Le Pen foi um voto de desconfiança da França na política tradicional. Outro exemplo, o russo Vladimir Jirinovski:

– As pessoas estão cansadas da democracia frágil, que abre caminho para a criminalidade e a imigração.

A extrema direita parecia não ter fim em seu júbilo, ontem na TV, passando ainda pelo italiano Gianfranco Fini, por dinamarqueses, holandeses.

Nos canais daqui, ninguém se lembrou de falar com Enéas. Ele já nem é citado pela TV, nas pesquisas, mas prossegue lá, persistente, na intenção de voto dos brasileiros.

Para a BBC, Jospin fez uma campanha ?sem inspiração?. Para a CNN, fez ?uma campanha insípida?.

Nada bom, para um presidenciável brasileiro que andou em campanha com o socialista francês. Lula, que já não podia se mostrar com Hugo Chávez, perdeu as externas gravadas em Paris, com Jospin.

Questionado se se acha pé-frio, garantiu que não.

Garotinho, para quem a vitória de Le Pen sobre Jospin mostrou que Lula pode nem chegar ao segundo turno, foi um dos candidatos que ressurgiram ontem com comerciais centrados na criminalidade.

O outro foi Paulo Maluf.

24/04/02 ? Um certo espanto

FHC voltou a elogiar o PFL, em discurso. E a dizer que não queria o partido fora do governo.

De seu lado, o pefelista Jorge Bornhausen saiu defendendo liberar as alianças estaduais, ?causando um certo espanto?, comentou a Globo.

Espanto porque liberar alianças é levar o PFL para a campanha de José Serra.

Além de Jaime Lerner no Paraná e de Siqueira Campos no Tocantins, mais falantes no apoio ao tucano, ontem foi a vez de Cesar Maia no Rio e até de José Reinaldo Tavares, governador do Maranhão, prometerem ?palanque ao Serra?.

Em São Paulo, os pefelistas voltaram a afirmar, na Globo, que apóiam o tucano Geraldo Alckmin. Sem esquecer a notícia do dia, no JN.

– A Câmara aprovou a prorrogação da CPMF.

Não demorou muito e o líder antitucano Inocêncio Oliveira, em reação, falou à Band:

– No PFL, são muito bem-vistos, pela ordem, Ciro Gomes, Garotinho e Lula. Menos José Serra.

Não demorou e o governador maranhense também teve que voltar atrás. Não demorou e entrou um novo comercial do PFL, questionando ?o governo? por aumentar impostos.

Mas era tarde. O governismo do PFL já está em movimento.

Se o PFL se reaproxima do governo e de Serra, o PMDB ameaça se afastar.

– Começa um novo problema para o governo.

Era a Globo, relatando que Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado, ?ameaça obstruir a votação de medidas provisórias?.

E relatando que o presidente do Senado, o peemedebista Ramez Tebet, quer a votação da CPMF no prazo de sempre, de até dois meses.

Lula saltou para 39% no Vox Populi -o que o diretor do instituto, Marcos Coimbra, tentou explicar na CBN dizendo ser tudo efeito da propaganda petista na televisão.

Duda Mendonça iniciou a campanha petista com o talento conhecido, mas não é capaz disso tudo. De qualquer maneira, é o que todos já acreditam. Por exemplo, o líder do PT na Câmara, João Paulo:

– Nós temos acertado muito na nossa propaganda.

Outro exemplo, o líder do PSDB, Jutahi Jr., que vai ganhando ares de porta-voz tucano nos telejornais:

– Vamos ter um programa no dia 6 e novamente o Serra crescerá. O que está valendo na pré-campanha são as inserções e os programas.

25/04/02 ? Superprodução

Duda Mendonça, que já venceu a pouca resistência enfrentada no PT, quer fazer da campanha de Lula um espetáculo de externas.

Filma Lula pelo mundo, Lula no Planalto Central, Lula no São Francisco.

É uma ?superprodução?, diz a Record. E é tudo para daqui a duas semanas, quando o petista volta ao horário nobre para saltar uma vez mais nas pesquisas -e assustar uma vez mais os adversários.

Se amedronta José Serra e Garotinho, Lula parece não incomodar mais as maiores lideranças empresariais.

Em lugar de ameaçar com uma revoada de 800 mil empresários, o presidente da Fiesp, Horário Lafer Piva, dá entrevistas dizendo que o setor já não teme a ascensão de Lula -que mostrou não representar mais uma ?ruptura?.

Piva divulgou uma pesquisa da Fiesp com 400 empresários que indica, segundo ele, que a economia está descolada da campanha.

Outra liderança empresarial, o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Fernando Bezerra, vem de divulgar outra pesquisa, esta de intenção de voto, em que Lula ficou a um ponto dos 40%.

E vem de dizer, também ele, Bezerra, que a reação dos empresários brasileiros a Lula é hoje bem mais fraca.

Duda Mendonça, o diretor do novo Lula da TV, vai assim se estabelecendo mais e mais -e vai ganhando mãos livres sobre o personagem.

O pefelista Inocêncio Oliveira segue em sua defesa do apoio a Ciro Gomes, de preferência -ou de quem quer que não seja José Serra.

A novidade, que Inocêncio assinalou na Globo, é que ele e seu grupo querem o apoio a Ciro só no segundo turno.

É mais um sinal do avanço do governo sobre o PFL, que acuou o grupo antitucano. Outro sinal é que o preferido Ciro Gomes perdeu de novo o controle sobre as palavras.

Ao mesmo tempo em que se negava a comentar a aproximação de PFL e PSDB, que qualificou de uma ?especulação?, ele partiu para a agressão verbal -chamando Serra de pessoa ?sem escrúpulos? e com ?problemas de caráter?.

Se a grosseria reflete a tensão nos bastidores de campanha, não é bom sinal de como anda a articulação de Ciro.

Da Globo, sobre a última pesquisa do Ibope:

– O nome do pré-candidato do Prona, Enéas, não foi incluído na pesquisa.

Não disse por quê.

26/04/02 ? Saudável

Agora foi o vice-presidente da Fiesp quem surgiu na Jovem Pan para reiterar que a resistência dos empresários a Lula acabou. Para dizer mais: que a alternância é ?saudável? e leva os eleitos a aceitar melhor as exigências sociais.

Embalado por empresários e pelas novas pesquisas, Lula mal consegue conter a felicidade, em sua marcha publicitária pelo país de Duda Mendonça.

Ontem, passou por Salvador, onde conclamou os bancos a acompanhar o setor industrial e cerrar fileiras com o PT. E onde prosseguiu com o esforço de se afastar do MST, em pleno dia da prisão de José Rainha por porte ilegal de arma.

Enquanto o líder sem-terra argumentava que ?a arma não era dele?, segundo a Globo, Lula prometia ?uma reforma agrária apenas em terras ociosas, sem mortes?, segundo a Record. E acrescentava:

– O MST sabe disso.

Se Lula está em seu melhor momento nas pesquisas, o outro cliente petista de Duda Mendonça, José Genoino, se debate num atoleiro.

Fez uma divulgação mal explicada, no site do PT, da pesquisa que sua campanha encomendou ao Vox Populi -apontando percentuais menores do que os apurados para o tucano Geraldo Alckmin.

Depois anunciou que, sem Luiza Erundina na pesquisa, Paulo Maluf e Alckmin passavam para 31% e 30%, respectivamente. E ele, Genoino, não passava dos 8%.

Para piorar, no rádio, argumentava que a pesquisa é prova de que só tem a crescer.

Alckmin não deve esperar uma campanha mais fácil, por conta da pesquisa.

O SPTV passou a semana apontando ?números de guerra? para a violência em São Paulo, nas escolas. Uma mãe surgiu dizendo, irada:

– Meu filho não vai mais para a escola este ano. Enquanto o governo não colocar segurança, ele não vai.

Como se não bastasse, o petista Hélio Bicudo ganhou longo tempo, no Jornal Nacional, para denunciar uma ?execução? da polícia de Alckmin.

Mas o que mais chamou a atenção no SPTV não foi a violência. Foi o bate-boca entre Marta Suplicy e o ministro Paulo Renato, sobre as ?escolas de lata?. Primeiro ele:

– Eu fiz um apelo a você. Eu não critiquei.

– Eu adoraria que tivesse criticado quando era o (Celso) Pitta. Você já era ministro.

Longe da prefeita, o ministro disse que ela foi ?mal-educada?."