Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

O Brasil visto do exterior; No Limite e os abusos da TV

QUALIDADE NA TV

ASPAS

Edição: Luiz Antonio Magalhães

Na semana que passou, o destaque na cobertura sobre televisão ficou com a Folha de S. Paulo.

No suplemento TV Folha do último domingo (1/4), uma reportagem de Bruno Garcez, intitulada "Mundo importa Gisele e P-36, mas não Lalau e Estevão", procurava mostrar o que e como as emissoras estrangeiras noticiam o Brasil.

De acordo com a matéria, "o brasileiro que passou os últimos meses no exterior e que se manteve informado sobre seu país só assistindo ao noticiário internacional talvez não saiba que o governador Mário Covas morreu ou que o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, acusado de ter desviado R$ 169 milhões, foi preso. Em compensação, ele pôde obter dados sobre o impacto econômico do afundamento da plataforma P-36 da Petrobras, descobrir que o atacante Ronaldo jogou com Michael Schumacher no Maracanã ou saber como foi o Carnaval da modelo brasileira Gisele Bündchen".

Garcez entrevistou diversos correspondentes no Brasil de TVs internacionais, que explicaram os critérios das emissoras. Segundo eles, "temas ligados à segurança pública, como a rebelião dos presídios de São Paulo, que chegou a ser a segunda manchete de telejornais locais da BBC, ou relativos aos brasileiros que se celebrizaram no exterior, como o tenista Gustavo Kuerten ou a modelo Luciana Gimenez, costumam emplacar. Por outro lado, assuntos como a morte de Covas e a prisão de Nicolau, assim como a do ex-senador Luiz Estevão, são considerados temas locais e de difícil assimilação".

Um dos correspondentes entrevistados ? o argentino Nicolás Garcia, produtor e editor da TV Reuters, braço televisivo da agência de notícias Reuters, que vende imagens para TVs internacionais ? explicou por que a morte de Covas não interessou os estrangeiros: "?para o Brasil, a morte de Covas foi algo grandioso, mas, para o exterior, seria como noticiar a morte do governador da Província de Córdoba (na Argentina).?"

Também há quem reclame da falta de notícias "fortes" no Brasil, como o repórter free-lancer francês Philippe Guinet, colaborador da France 3 Télevision: "?Desde o fim da ditadura, não há tantas notícias fortes por aqui?, diz Guinet. ?A Colômbia, por exemplo, vive uma guerra civil e combate o narcotráfico com a controversa ajuda dos EUA. É natural que esteja em muitos telejornais?, diz (Tom) Gibb.", da britânica BBC.

"No Limite"

Outro destaque da Folha foi um artigo do colunista-cineasta Walter Salles, publicado no sábado (31/4) e intitulado "?No Limite? e a irrealidade cotidiana".

"?Ninguém gostou dessa peça, com exceção do público.?" Partindo desta frase de um crítico de teatro francês, Salles analisa o fenômeno dos ?reality shows? e do programa ?No Limite?.

De acordo com o cineasta, o programa evoca o documentário, mas na realidade não sai do campo ficcional: "estamos, portanto, no mundo do faz-de-conta. O concorrente finge que a infra-estrutura em volta dele não existe. O espectador aceita o código. Já houve momentos mais desonestos nos programas de reportagem televisiva. Até alguns anos atrás, cenas assim eram comuns: a câmera mostrava o repórter tocando a campainha de um apartamento. Cortava-se para dentro do apartamento, onde uma pessoa abria a porta. Expressão de surpresa dos dois lados. A ?mise-en-scène? pertencia ao território da ficção, mas era vendida como ?documental?. Exatamente como ?No Limite?.", escreveu ele.

"Conceda-se pelo menos isto: ?No Limite? tem o ar do tempo em que vivemos. Vota-se pela exclusão e não pela inclusão das pessoas. Incentiva-se o individualismo e a competição. Como no anúncio de cigarro dos anos 70, ganha quem leva vantagem em tudo. Programas como ?No Limite? são também uma metáfora da sociedade de informação: vigilância e monitoramento constantes do indivíduo, imposição de normas rígidas de funcionamento que não são mais estipuladas pelo Estado, espetacularização da intimidade.

Os ?reality shows? são uma expressão da era da globalização. Tudo começou na TV holandesa, em 1999, com ?Big Brother?, programa que mostrava como uma dezena de pessoas sobrevivia no mesmo espaço geográfico. Como em ?O Show de Truman?, todas as atividades eram monitoradas por dezenas de câmeras. Daí a ?Survivor?, versão ainda mais darwinista produzida nos Estados Unidos e copiada no mundo inteiro, foi um passo. É dessa matriz que vem ?No Limite?", explica Walter Salles.

Para o cineasta, os "reality shows" são expressão de uma época em que o que as esferas pública e privada vem se transformando em um única coisa. "Há no ar, por outro lado, evidências de uma patologia que não tem graça alguma. O exemplo mais aberrante talvez seja o daquelas famílias que permitem que as câmeras de televisão acompanhem a agonia de um dos seus nos hospitais, ao vivo e em cores. Como diz Daniela Thomas, chegamos a um ponto em que até a UTI virou um espaço público. Foi-se o tempo da invasão de privacidade. Bem-vindos ao século da evasão de privacidade.", escreveu Salles, completando em seguida: "os ?reality shows? marcam a erosão da fronteira entre o público e o privado, entre realidade e ficção, para melhor vender a ilusão de que o indivíduo pode fazer alguma diferença no mundo globalizado. Seguindo os preceitos da publicidade e da ordem econômica a que serve, a televisão contemporânea inventou o que se poderia chamar de ?massificação dos comportamentos individualizados?. Vem mais por aí. A TV Globo acaba de anunciar que cancelou a produção de minisséries brasileiras, mas que vai continuar com ?No Limite?."

Pimenta da Veiga e os abusos da TV

Ethevaldo Siqueira, articulista d?O Estado de S. Paulo dedicou a maior parte de sua coluna dominical (1/4) a uma análise do ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, sobre as tentativas de aumentar o nível da TV aberta no Brasil.

Ethevaldo informa que o ministro "não vê como melhorar a qualidade dos programas da televisão aberta ou como reprimir democraticamente em seu conteúdo a violência excessiva e o sexo".

"?É uma questão vizinha da censura. E censura eu não farei. Como, então, combater os excessos da TV? Pouca coisa pode ser feita por nós (governo). Se você e outros estudiosos tiverem sugestões, peço-lhes que me tragam.?", afirmou o ministro ao colunista do Estadão.

"O ministro se preocupa até com o exercício das funções dos encarregados de avaliar e classificar o conteúdo dos programas: ?O risco está no fato de eles poderem exagerar. Ou aplicar critérios excessivamente pessoais e subjetivos?."

"E a punição dos abusos a posteriori, com base na lei? O ministro acha que ?essa também pode ser uma forma de censura? e sugere que ?a melhor resposta tem de vir da sociedade?. Ele minimiza a questão do sexo ou da pornografia, que lhe parece polêmica, pois sua interpretação e efeitos podem variar de região para região, dentro do próprio Brasil. ?O que incomoda no Nordeste pode não ferir no Rio de Janeiro ou no Rio Grande do Sul?", escreveu Ethevaldo.

A falta de consenso sobre o "melhor caminho a seguir" é um grande problema e "uma das razões alegadas pelo ministro para justificar o fato de não ter enviado ao Congresso o projeto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, que poderá reduzir os problemas atuais de qualidade e de conteúdo da televisão aberta brasileira", escreveu Ethevaldo, arrematando: "um pouco decepcionado, ele diz que ?as sugestões que esperava para definir o projeto não vieram?. A rigor, o material que lhe foi encaminhado não tinha nenhuma profundidade ou importância. De qualquer modo, o ministro Pimenta da Veiga garante que ainda neste semestre enviará ao Congresso o projeto da nova lei, abrangendo, entre outros aspectos, o rádio e a televisão. Ele espera que os debates, essenciais ao aprimoramento da proposta, ocorram a partir do envio do projeto aos parlamentares. Pimenta da Veiga diz estar disposto a incentivar e a participar de seminários em todo o País".

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