Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

O Estado de S. Paulo

SEM NOTÍCIA DE SEQÜESTROS

"Discussão ética: noticiar ou não casos de seqüestro", copyright O Estado de S. Paulo, 7/05/02

"Durante o período em que Cláudia Reali e seus filhos ficaram seqüestrados, a imprensa se dividiu na cobertura do caso. Parte dela manteve a política de respeito aos pedidos dos parentes das vítimas e não publicou o fato até que os reféns tivessem sido liberados. Alguns veículos, porém, optaram por noticiar o seqüestro, mesmo sabendo que a decisão poderia colocar em risco a vida das vítimas.

Para os profissionais que dirigem jornais e TVs, o caso abre espaço para uma discussão ética. ?Se existe qualquer possibilidade de que uma notícia vá interferir nas negociações, ninguém pode arriscar publicá-la, pois vai estar arriscando a vida de outras pessoas?, diz Fernão Lara Mesquita, diretor responsável do Jornal da Tarde e diretor de opinião de O Estado de S. Paulo.

O Estado acompanhou o seqüestro durante todo o tempo em que Cláudia e os três filhos ficaram sob a guarda dos criminosos. Mesmo assim, manteve a decisão de não noticiar o caso.

Já os jornais Diário de São Paulo e O Globo, ambos das Organizações Globo, publicaram várias notícias sobre o seqüestro. A TV Globo levou ao ar reportagens sobre o caso. ?O que motiva a divulgação é o fato de ser uma notícia de interesse público?, justifica Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. Segundo ele, a decisão da emissora de publicar casos de seqüestro foi tomada em 1990, embasada na opinião de especialistas.

?Não há um só caso na longa história dos seqüestros no Brasil em que a divulgação tenha revertido em danos para a vítima?, diz.

Otávio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S.Paulo, discorda da política adotada pela emissora. Para ele, se há o pedido da família das vítimas para que a notícia não seja divulgada, a publicação não deve ser feita. ?A política editorial do Grupo Folha tem sido a de omitir informações sobre seqüestro sempre que a família da vítima assim solicitar?, disse.

Para Luiz Gonzaga Mineiro, diretor de jornalismo da TV Record, a decisão de publicar ou não coloca em conflito a função social dos veículos de comunicação – que é noticiar – e a preservação da vida das vítimas. ?Como jornalista, fico tentado a dar a notícia, mas não publicamos porque é perigoso para a vítima.?

Mineiro cita o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, para exemplificar o perigo da divulgação dos casos quando ainda estão em andamento. ?Acho que se ninguém tivesse noticiado, ele ainda estaria vivo.

Temos parte da responsabilidade pelo que aconteceu?, disse.

Os seqüestradores de Daniel que foram presos disseram à polícia que decidiram matá-lo quando descobriram que ele era o prefeito de Santo André.

Já o jornalista Fernando Mitre, diretor nacional de redação da Rede Bandeirantes, diz que o único caso em que a publicação de um seqüestro em andamento é justificável é quando há o pedido da família e da polícia. A Bandeirantes também tem como política não noticiar os casos até que estejam concluídos.

Silêncio – Estudioso desse tipo de crime, o tenente-coronel Wanderley Mascarenhas de Souza, da Polícia Militar, acredita que a imprensa deve se manter em silêncio enquanto as vítimas ainda estão em cativeiro. ?Sem notícias sobre o caso, os seqüestradores se sentem correndo menos risco?, observa. ?E, quanto mais seguros se sentirem, isso se refletirá no tratamento ao refém.?

Na opinião do oficial, a morte do prefeito de Santo André é um exemplo de como a divulgação de um seqüestro pode desencadear o assassinato do refém:

?Tudo indica que os criminosos não souberam administrar o fato de estar com uma pessoa importante e, ao saberem que toda a polícia foi mobilizada para encontrar o prefeito seqüestrado, resolveram se desfazer da vítima.?"