Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O joio e o trigo na cobertura da imprensa

MÍDIA & MST

Helton Ribeiro (*)

"O jornalismo é a arte de separar o joio do trigo… e publicar o joio", já dizia Mark Twain. A frase se aplica muito bem à cobertura recente da questão agrária no Brasil. Ações espetaculares do MST e declarações bombásticas parecem ofuscar jornalistas mais interessados em manchetes do que em informação clara e fidedigna. Não me proponho, no entanto, apenas ao exercício fácil da crítica. Gostaria, sim, de apontar algumas lacunas que precisam ser preenchidas no noticiário nacional.

O epicentro da questão agrária no Brasil atualmente é o Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Todo brasileiro razoavelmente bem-informado sabe, hoje em dia, que lá está o maior acampamento de sem-terra do país, organizado por José Rainha Jr. Mas há muita coisa que a maioria das pessoas não sabe e a imprensa não se preocupa em informar. Por exemplo: de quem é, afinal, a competência para promover assentamentos no Pontal? Do Incra ou do governo do estado?

Informação de verdade

Essa não é uma questão política, é uma questão técnica e jurídica. Basta deixar claro quais são as características das terras em disputa no Pontal. Ou seja, terras devolutas, terras públicas do Estado que foram griladas no passado. Existe uma legislação específica que versa sobre a utilização dessas terras. Mas a imprensa prefere cavar uma queda de braço entre governo do estado e governo federal, jogando declarações de um contra declarações do outro. A estratégia é boa para colocar políticos em saia justa, mas será que contribui para arrefecer o clima de tensão na região?

Também é impossível para qualquer cidadão que não esteja em retiro espiritual no Tibete deixar de conhecer os resultados positivos na balança comercial brasileira advindos do bom desempenho do agronegócio, ou seja, da agricultura patronal. Imagens de colheitadeiras ultramodernas e silos transbordantes são constantes no noticiário. Assim como imagens de maltrapilhos produtores assentados. Qual a conclusão? Óbvia: a reforma agrária é um contra-senso diante de um modelo de agricultura muito mais rentável e importante para o país.

O que a imprensa também não informa é que a agricultura familiar, na qual os assentamentos rurais estão inseridos, é responsável por 40% do valor bruto da agropecuária nacional, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Também é responsável por 77% dos empregos no campo, segundo dados do Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser).

Boa parte dos alimentos que estão na cesta básica e na mesa do brasileiro vem da agricultura familiar. O povo brasileiro pode até não comer lá muito bem, mas certamente não é soja, cana ou algodão que o sustenta. E se, em algum momento, o Programa Fome Zero decolar, não será o agronegócio que o abastecerá. Por que insistir em contrapor, portanto, a agricultura familiar à agricultura patronal? Este, sim, é o contra-senso.

Não faz muito tempo, em entrevista com o ministro Miguel Rossetto, o jornalista Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, questionou a viabilidade dos assentamentos rurais tendo em vista os índices de inadimplência verificados entre os produtores assentados. Mas e as dívidas dos grandes proprietários rurais, que correspondem a valores astronômicos e são roladas ad infinitum? Dívida não é exclusividade de assentados, que, aliás, têm enorme dificuldade de acesso a crédito, se comparados aos grandes produtores. E nem por isso se diz que a inadimplência inviabiliza outros setores da economia.

É claro que os movimentos sociais não têm colaborado muito nesse debate. Mas a imprensa tem a obrigação de separar o que é mero bate-boca do que é informação de verdade. Ainda que publique os dois, mas deixando claro o que é joio e o que é trigo.

(*) Jornalista