Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O jornalismo como prevenção

MÍDIA & SAÚDE

Boanerges Lopes (*)

O diagnóstico, apesar de breve, não é tão difícil assim. Demonstra a dimensão do problema no país. Quando se deveria comemorar o Dia Nacional da Saúde, 5 de agosto, constatamos que ainda existem no Brasil 35 milhões de habitantes abaixo do nível de pobreza. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que 28% dos brasileiros não têm acesso a serviços adequados. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), as taxas de mortalidade materna não apresentam melhoras há 17 anos. Estima-se também algo superior a 90 mortes por 100 mil nascidos vivos. Em países como o Canadá, por exemplo, são 10 mortes para o mesmo número de nascimentos. Outro dado importante: nas áreas rurais, 32% das mulheres não realizam nenhum tipo de controle pré-natal.

Moléstias endêmicas contaminam 12 milhões de brasileiros e existem 14 milhões de hipertensos, sendo que 30% deles sequer sabem que têm a doença. Milhares de casos de dengue se espalham pelas diversas regiões e 500 mil casos de malária são registrados anualmente. Nos últimos anos foram gastos em média US$ 80 por habitante ao ano. Na Argentina são US$ 600, e nos EUA, US$ 3 mil. Um outro problema está relacionado à má distribuição entre pacientes e médicos: cerca de 65% do total dos profissionais de saúde trabalham nas capitais.

Nas três últimas décadas, a saúde pública tem sofrido tantos desmandos de sucessivos governos que uma parcela cada vez maior de brasileiros tem optado por planos de saúde privados. Os 400 grupos médicos existentes incrementaram progressivamente seus recursos na área, atendendo hoje o correspondente ao triplo da população da Suécia e equivalente à da Argentina. Ou seja, 48,5 milhões de pessoas (29% da população brasileira) recorrem aos planos e hospitais particulares, sendo que 78% dos beneficiários estão na região Sudeste. Desde janeiro de 2000, os planos de saúde são fiscalizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e se constituem na terceira maior causa de atendimento do Procon. Segundo o órgão, as principais reclamações dos usuários envolvem rescisões indevidas, substituições e reajustes abusivos.

Infelizmente, os dados desse "diagnóstico" parcial, quando divulgados, acabam fragmentados pelos principais veículos de mídia. A cobertura nesta área acaba em editorias diferentes, sem contextualização. Textos dispersos, além de manchetes, títulos, legendas e fotos alarmantes, reforçam preconceitos e mitos. As reações vão da perplexidade ao pânico. Mas, de concreto, pouco se resolve.

Imenso quebra-cabeças

A maioria dos dirigentes ainda está muito mais preocupada em negar, omitir, ocultar do que "abrir as portas". Acabam estimulando a criação de um reportariado que parece brincar o tempo todo de mocinho e bandido, mesmo que não haja nem um nem outro; mesmo que os papéis dependam de quem está "dirigindo o filme" e que acaba não assumindo sua responsabilidade pelas cenas mais dramáticas. E, nesse caso, onde entra o interesse público? Acaba perdido num emaranhado de disputa de poder envolvendo barganhas.

É preciso que se estabeleça urgentemente uma correta parceria entre profissionais de saúde e de imprensa, melhorando as práticas de comunicação entre ambos. Isto pode levar os setores público e privado a criarem novos mecanismos capazes de imprimir-lhes clareza indiscutível na divulgação das informações, evitando a prática do clientelismo e a utilização do Estado ou de grupos em benefício de interesses cartoriais. E proporcionar à mídia o cumprimento de seu papel educativo e de prestadora de serviço.

Cabe aos meios de comunicação e aos jornalistas a difusão de conhecimentos sobre temas de saúde em geral, com informações esclarecedoras e conscientes. Os cidadãos precisam ter referenciais corretos para que as filas deixem de ser "pano de fundo" dos espetáculos ocasionais mostrados em verdadeiro carnaval de imagens, sons e palavras. Aos profissionais que lidam com o setor saúde, a "receita" para superar as barreiras que os distanciam da imprensa ? e, conseqüentemente, dos cidadãos ? está na compreensão da dinâmica de funcionamento dos meios, na ampliação do diálogo e no reforço da responsabilidade pelo compromisso ético da relação com o usuário.

Neste imenso quebra-cabeças "vence" quem tiver competência e agilidade para acrescentar uma peça que garanta o direito a conquistar mais uma vida no trem-bala da história.

(*) Jornalista e professor da UFAL, doutor em Comunicação pela UFRJ