Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

O provão em questão

JORNAL DA UFRJ

Mario Grangeia (*)

Em seus quatro anos de existência, o Provão de Jornalismo tem sido sinônimo de muita controvérsia no meio universitário. As críticas são muitas e os protestos contra o exame, freqüentes. Uma das críticas diz respeito à qualidade das questões da prova, que, na opinião de alguns alunos e professores, é incapaz de avaliar o estudante em final de curso.

Para saber como o Provão é visto fora do meio acadêmico, foram ouvidos três jornalistas habituados a lidar com estagiários e com os processos de seleção que levam esses universitários às redações de três grandes jornais brasileiros. Além de opinar sobre a última edição do exame, Luiz Garcia, Ana Estela de Sousa e Alexandre Freeland comentam um pouco o processo de seleção do Globo, da Folha de S. Paulo e do Dia, respectivamente.

Luiz Garcia, O Globo

O editor de Opinião do Globo, Luiz Garcia, que durante muitos anos foi responsável pela seleção de estagiários do jornal, faz elogios ao último Provão, mas critica o tempo oferecido para sua resolução. "Considero boa a escolha dos quesitos, que requerem uma boa formação. Mas a prova é longa e quatro horas não são suficientes para o aluno dar boas respostas", afirma. "Se eu tivesse elaborado essa prova, pediria ao aluno que respondesse a sete das 10 questões. A pressão do tempo prejudica a avaliação."

Na opinião do jornalista, um acerto do Provão é seu conteúdo variado, que permite que estudantes com inclinações diferentes sejam avaliados. Garcia destaca que esse propósito é diferente da seleção do Globo. "Na nossa prova, queremos detectar entre os estudantes aqueles cujas áreas de talento nos interessam."

Luiz Garcia observa outras diferenças entre o Provão e a seleção do Globo. "A prova do jornal tem critérios elásticos de avaliação, logo não tem nota. Através dela, buscamos pessoas com domínio da língua, preocupação ética, curiosidade e bem informadas sobre o Brasil e o mundo contemporâneo", diz.

Ana Estela, Folha de S. Paulo

A editora de Treinamento da Folha de S. Paulo, Ana Estela de Sousa Pinto, acredita que o Provão, de modo geral, avalia suficientemente bem se os estudantes de Jornalismo estão preparados para começar a trabalhar nos meios de comunicação. "As questões são, em sua maioria, técnicas (o que é positivo), mas exigem também articulação, raciocínio, conhecimento histórico e criatividade", opina, por e-mail. "Mesmo as poucas questões mais teóricas, como a 8 (sobre críticas à Escola de Frankfurt) ou a 9 (diferença entre editoriais, colunas e críticas), envolvem uma bagagem cultural e uma familiaridade com estilos jornalísticos necessários a um bom jornalista."

A pior questão, para a jornalista, é a terceira, porque se propõe a discutir princípios éticos sem fornecer todos os elementos do problema, como os textos criticados pelo ombudsman e citados no enunciado da questão. "Responder sobre ética em geral é inútil; o interessante ? e o mais difícil ? seria discutir os casos específicos, desde que fornecidos todos os elementos." A primeira questão também tem um problema, segundo a jornalista. "Por tratar de futebol, privilegia os estudantes homens, muito mais familiarizados com o tema (inclusive com a cobertura que o rádio faz do assunto), e pode assustar algumas estudantes mulheres."

Ana Estela ressalta que a Folha não pretende usar o resultado no Provão como critério de seleção. Ela aponta três motivos para isso: "O jornal tem um sistema próprio de seleção, adotado há mais de 10 anos, e que nos tem satisfeito; o jornal seleciona estudantes e profissionais de outras áreas que não jornalismo; não há controle do jornal sobre a realização da prova e sobre sua correção."

Folha não tem estágio

A editora de Treinamento da Folha de S. Paulo resumiu como são os testes aplicados no jornal. Ana Estela chamou atenção para o fato de que a Folha não tem estágio, mas um Programa de Treinamento. A outra forma de ingressar no quadro do jornal é pelos testes para as vagas que ocasionalmente abertas na redação.

"Os testes para o treinamento têm perguntas técnicas semelhantes às do Provão (no que se refere a textos para jornal), mas a maioria das questões envolve conhecimentos gerais, cultura geral e acompanhamento do noticiário. Inclui também questões de matemática e de interpretação de inglês e espanhol.

"Os testes para vagas, além das perguntas de conhecimentos gerais, abordam temas específicos da editoria ou do cargo pretendido pelo candidato. Por exemplo, um candidato a redator de Ciência pode ser convidado a produzir um texto a partir de um artigo da Nature, ou um candidato a repórter de Economia pode ter que demonstrar seus conhecimentos específicos sobre macroeconomia."

Alexandre Freeland, O Dia

O editor-executivo do Dia Alexandre Freeland, coordenador dos estagiários da redação, ficou surpreso com o nível das perguntas do último Provão de Jornalismo, mas ainda assim faz algumas críticas ao exame. Na sua opinião, a prova apresenta acertos, como a atualidade e a diversidade dos tópicos abordados, mas também erra quando, por exemplo, tenta discutir ética.

Freeland elogia a questão que trata a internet como ferramenta de trabalho ("O impacto da disseminação da internet nas redações é tão grande que não deve mesmo ficar fora do exame"), mas critica a tentativa de simular um planejamento de cobertura na segunda pergunta ("Esta questão, pelo menos, é chute puro. Vai por conta da imaginação do universitário").

Embora aponte como acerto a decisão de abordar novas situações que colocam o jornalista no papel de comunicador-apresentador-animador, o jornalista julga o Provão incapaz de propor reflexões sobre essa condição. Assim como seus colegas, Freeland descarta a possibilidade de o exame do MEC ser adotado no processo de seleção de seu jornal.

(*) Editor do jornal-laboratório dos estudantes de Jornalismo da UFRJ. Endereço na web: <www.ephoca.hpg.ig.com.br/comunicacao_provao.htm>