Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Observatório daltônico

MÍDIA GAÚCHA

Alceu Garcia

O Observatório da Imprensa publicou com grande destaque textos indignados contra uma decisão judicial que impediu por algum tempo a revista Carta Capital e outros periódicos de publicar matéria adversa ao candidato Garotinho. Correto, corretíssimo. O Observatório da Imprensa publicou a versão oficial do governo do PT gaúcho no caso do processo criminal movido pelo governador contra jornalistas que o criticaram e, para salvar as aparências, um único artigo favorável aos jornalistas com o mínimo de destaque possível. Errado, erradíssimo? Somente se o Observatório fosse de fato o que ele diz que é: um espaço para manifestações pluralistas de jornalistas e leitores. Como ele é tudo, menos isso, a postura diferente diante de dois casos similares ? políticos poderosos intimidando jornalistas com o auxílio luxuoso de decisões injustas de magistrados ? está correta, corretíssima. O Observatório da Imprensa é na verdade o Observatório do PT, daí o natural daltonismo político que o leva a enxergar situações iguais sob cores diversas. Entre a imprensa e o PT, o Observatório da Imprensa sempre ficará com o PT.

Jornalismo e petismo são entes incompatíveis e irreconciliáveis. Jornalismo pressupõe liberdade e propriedade. Liberdade para informar e opinar e a propriedade de si mesmo e dos meios de veicular essas informações e opiniões. Assim, é evidente que as acusações assacadas contra a propriedade privada dos jornais e revistas (o "poder econômico", a "lógica do mercado") pelo petismo são fraudulentas. A propriedade privada é condição de possibilidade do jornalismo, o direito do proprietário de veicular o que lhe agradar é o mesmo para um jornal de "direita" e um de "esquerda" e a "lógica do mercado" consiste em que só será lucrativo o órgão que atrair número suficiente de consumidores interessados em pagar voluntariamente pelo produto oferecido.

O jornalismo, pois, se contrapõe necessariamente aos inimigos da liberdade e da propriedade, entre os quais se destaca o Poder Político. Acontece que o petismo, filho dileto do marxismo, é uma doutrina totalitária, visto que politiza absolutamente toda a realidade, e sua meta final só pode ser a conquista do Poder Político absoluto. Numa sociedade totalmente politizada não há espaço para a liberdade, nem para a propriedade e ipso facto muito menos para o jornalismo. Quando a propriedade é toda concentrada no Estado, o indivíduo é despojado inclusive da posse de si mesmo. Ele torna-se propriedade do Estado, que é propriedade do Partido, que é propriedade do Guia Genial de plantão.

O petismo não reconhece a dissidência, nem sequer o direito à dissidência. Quem discorda do petismo é a priori um herege e com hereges não há discussão. Há guerra. O único jornalismo que o petismo legitima é a disseminação das idéias aprovadas pelo partido e o relato dos fatos à luz dessas idéias. E se os fatos conflitarem com as idéias, pior para os fatos. Isso, é claro, não é jornalismo; é propaganda ideológica. O Observatório da Imprensa é um veículo de propaganda ideológica do PT.

A natureza petista do OI pode ser deduzida da simples leitura do periódico. Porém, para robustecer o conjunto probatório que sustenta essa conclusão, importa investigar quais são os primeiros princípios que orientam a atuação dos jornalistas desse órgão, pois é dos princípios fundamentais que todo o resto é inferido. Ninguém mais autorizado a enunciar as idéias básicas do OI do que seu editor, o renomado jornalista Alberto Dines. Em artigo publicado no próprio OI (www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd0! 80520021.htm), Dines subscreve as lições éticas do professor de jornalismo da USP Bernardo Kucinski com os mais retumbantes elogios: "Admirável o texto do professor Bernardo Kucinski publicado neste Observatório (www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da010520021.htm) sobre ética jornalística. Convocador e provocador na acepção mais nobre das palavras. Consistente, denso, articulado e, sobretudo, enriquecedor. Aula verdadeira em ambiente acadêmico e aula no sentido metafórico, rara combinação de sapiência e experiência."

Tão caloroso endosso por parte do editor nos autoriza a concluir que a ética jornalística de Kucinski é a ética jornalística do Observatório da Imprensa. Resta agora examinar mais de perto essa ética. O professor denuncia uma grave crise moral no jornalismo contemporâneo, cujo efeito seria "uma rendição generalizada aos ditames mercantilistas ou ideológicos dos proprietários dos meios de informação". Como Kucinski entende que "esse novo ambiente ético no jornalismo é adequado aos valores do neoliberalismo econômico e foi instrumental ao seu processo de implantação", vê-se que os valores do liberalismo estão fora do horizonte ético do OI. São "antivalores". O professor é duro com quem não segue religiosamente a sua ética. Nesse artigo ele relata o pito que passou em uma classe de alunos jornalistas que não souberam ser "éticos" segundo os rígidos preceitos do professor. Aliás, essa repreensão motivou a resposta de uma aluna presente no episódio, publicada no OI (www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da260620021.htm), cujo teor é digno de piedade. A moça se prosterna diante do ídolo, garantindo que, apesar de seus erros, continua fiel à moral utópica pura do mestre. Uma pesarosa "autocrítica" pública típica dos antigos convescotes de comunistas. Deprimente.

Mas qual é afinal a ética de Kucinski? Diz ele que no início de sua carreira acreditava numa ética jornalística idealista e kantiana: "O imperativo categórico da verdade. Por esse imperativo, o jornalismo existe para socializar as verdades de interesse público, para tornar público o que grupos de interesse ou poderosos tentam manter como coisa privada". Pena que o professor acabou abandonando esse louvável imperativo categórico, pois para ele, hoje, "a luta por uma nova ética é também e acima de tudo uma luta política. E portanto essa luta tem que ser condicionada por algumas das leis da política, tais como ser referida a interesses sociais e desenvolver-se através de etapas e objetivos táticos e estratégicos bem definidos. Estar articulada às demais lutas políticas do momento." Trata-se de um retrocesso, pois o eminente professor confunde universos diferentes, o da ética e o da política. A ação política presume que o ator político se conduza segundo princípios morais que não podem obviamente ser deduzidos da própria política. Estamos diante de uma falácia. Quando Kucinski propõe lutar por uma "nova ética" no âmbito político, é claro que ele já fez sua opção moral, sua atuação política já traz com ela uma "nova ética" pronta e acabada. O passo seguinte é impor essa ética por meios políticos, ou seja, pela força. Nada a estranhar, vez que para o professor, que é marxista, a emancipação da humanidade só se concretiza coletivamente e no plano da História, de modo que tudo se reduz à política.

A ética de Kucinski ? que é a ética do Observatório da Imprensa ? exige a conquista do poder político pelo partido que representa a cosmovisão de Kucinski (e, por tabela, do OI). Esse partido é o PT e essa cosmovisão é o socialismo totalitário. Essa dedução é apoiada pelos escritos de Kucinski no próprio Observatório e em outros espaços. Em suas "Cartas Ácidas" (vide, por exemplo, www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp03072002991.htm), notas diárias sobre a conjuntura política, o professor faz efetivamente o que exige de seus colegas e pupilos, ou seja, faz do jornalismo uma luta política em nome do PT e do socialismo, interpretando tudo segundo os interesses dessa luta.

Evidentemente Kucinski tem o direito de fazer propaganda sob o rótulo de jornalismo e o OI tem o direito de se prestar ao papel de veículo oficioso de uma facção política voltada para a destruição da liberdade de imprensa. De minha parte, eu tenho o direito de tomar nota disso tudo e divulgar a minha opinião. Quem pretende ler um periódico voltado para a avaliação honesta do desempenho geral da imprensa perderá seu tempo lendo o Observatório da Imprensa. É melhor acessar o site do comunique-se (www.comunique-se.com.br), que é efetivamente pluralista, divulga opiniões de todos os quadrantes políticos sem privilégios e ainda permite ao leitor participar diretamente dos debates.

Nota do OI: O autor talvez não saiba, mas o único estado do Brasil onde o programa Observatório da Imprensa na TV não é veiculado é o Rio Grande do Sul. Lá , desde que o petista Olívio Dutra assumiu o governo, o programa foi substituído por programação local. A decisão foi unilateral e a equipe do Observatório já protestou e tentou negociar alternativas para que a transmissão fosse regularizada, sem sucesso. Não deixa de ser estranho um governo petista impedir a transmissão do "Observatório petista", como quer o autor. Sobre o pluralismo do site, a publicação dos artigos sobre MÍDIA GAÚCHA desta edição fala por si. (Luiz Antonio Magalhães)