Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

OESP / TNYT

CASO ENRON

"Só faltou um delator na sórdida história da Enron", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 17/02/02

"Sherron Watkins foi elogiada em Washington, na última quinta-feira. A executiva da Enron que notoriamente alertou Kenneth Lay, em agosto, de que o desleixo na contabilidade ameaçava destruir a empresa, foi saudada como uma heroína pelos mesmos membros da Câmara dos Representantes que execraram Jeffrey Skilling e Andrew Fastow na semana passada.

Billy Tauzin, presidente do Comitê de Energia e Comércio da Câmara, chegou a desejar a ela um feliz Dia dos Namorados. Essa boa acolhida foi em grande parte merecida, embora o papel de Sherron não tenha sido tão heróico como alguns chegaram a descrever.

Na verdade, em contraste com a complicada numerologia apresentada por Skilling, ex-diretor-executivo da Enron, o depoimento de Sherron ajudou a esclarecer o quanto os altos escalões da empresa estavam a par dos métodos relapsos da Enron. Instada a descrever sua reação ao depoimento de Skilling, no qual ele disse não ter conhecimento de impropriedades contábeis durante sua administração, ela mencionou uma frase de uma carta distribuída por Skilling aos empregados: ?Se não fizer sentido, não acredite?.

De acordo com a descrição feita por Sherron, a Enron era um local de trabalho opressivo, cujos empregados ficavam perturbados com os negócios incomuns feitos pela empresa com sócios privados. Esses negócios eram controlados por Fastow, o diretor financeiro, e não eram segredo para ninguém.

Ela disse que os empregados eram intimidados por Skilling e Fastow quando levantavam objeções. A própria Sherron receava perder o emprego por ter alertado sobre as transações forjadas, e chegou a temer por sua segurança pessoal. Só quando Skilling deixou abruptamente a empresa, em agosto, ela se aproximou de Lay.

O depoimento dela, tão danoso para Skilling e Fastow, trouxe algum consolo a Lay, que dois dias antes havia invocado a Quinta Emenda da Constituição americana para não depor no Senado. Alguns membros dessa Casa chegaram a compará-lo ao financista italiano Charles Ponzi (que criou uma ?pirâmide? que lesou muitos investidores) e a um porteiro de algum estabelecimento destinado a atrair incautos. Sherron disse achar que Lay tinha sido enganado e não conseguiu entender todas as implicações das encrencas contábeis que ela havia mencionado durante a reunião que mantiveram em agosto. Ela descreveu Lay como um homem bem-intencionado, observando que ele resistiu à drástica exigência de Fastow de que ela fosse demitida por levantar dúvidas sobre os negócios.

Lay ainda não apresentou a sua versão da história. Quando ele fizer isso, terá muito a explicar antes que aceitemos o seu retrato de executivo traído por subalternos espertos. O retrospecto não corresponde a tal retrato, incluindo as ligações da Enron com membros da família Lay, as suas contraditórias exortações aos empregados para que comprassem ações da empresa em agosto e setembro, e a avaliação sem sentido que ele fez das afirmações de Sherron.

Ela foi menos convincente ao ser indagada por que não levou suas preocupações sobre as manobras contábeis e possíveis fraudes à SEC (equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira), à imprensa ou no mínimo a outros diretores da Enron. Tudo o que ela disse é que não queria apressar a quebra da empresa. Na verdade, a única esperança de sobrevivência da Enron era que alguém como Sherron ou Jeffrey McMahon, o tesoureiro que também estava preocupado com a contabilidade da companhia, manifestassem suas preocupações o mais cedo possível. Isso teria dado a esta sórdida história um verdadeiro delator."

 

ISTOÉ & MOON

"O engano do reverendo", copyright IstoÉ, 18/02/02

"A vida de repórter pode proporcionar experiências fascinantes e enriquecedoras, no sentido estrito da palavra. Por dever de ofício, se conhecem lindos lugares, pessoas interessantes e culturas diferentes. Foi o que experimentaram Luiza Villaméa e Carlos Magno quando viajaram para a região da fronteira entre Paraguai e Brasil para produzir a reportagem que mereceu destaque de capa nesta edição. Nossos repórteres foram visitar as terras do polêmico reverendo Moon, que, desde 1995, vem adquirindo fazendas na região, empenhado em construir uma réplica do paraíso. Em seis anos, sua organização comprou mais de 50 fazendas no lado brasileiro, que, somadas às que tem no Paraguai, totalizam uma imensidão de 833 mil hectares. E tudo isso vem deixando as autoridades preocupadas, pelo menos as brasileiras, que estão mobilizando o Exército e a Polícia Federal por considerar o projeto do reverendo Moon uma ameaça à soberania nacional.

Uma das propriedades percorridas pelos repórteres foi o Projeto Salobra, perto da cidade de Miranda, no Mato Grosso do Sul. É uma bela fazenda que, mesmo antes de ser adquirida pelo reverendo, já contava com uma das melhores infra-estruturas hoteleiras do Estado. É lá também o quartel-general de Kim Yoon Sang, o presidente Kim, apontado como o mais qualificado representante da seita Moon no Mercosul. Preocupado em mostrar o lado positivo da organização, o presidente Kim, uma pessoa interessante, fez questão de descer o rio Salobra com os repórteres, em uma de suas lanchas, até ultrapassar o encontro com o rio Miranda. Um lindo lugar. No meio da tarde, quando os jornalistas se preparavam para deixar o hotel-fazenda, o presidente Kim ofereceu, como simpática lembrança, uma camiseta do Projeto Salobra e uma caixa de chá de ginseng.

Duzentos e quatro quilômetros depois, quando Carlos Magno desfazia sua bagagem no Hotel Vale Verde, em Campo Grande, percebeu, estupefato, que junto com a camiseta havia um envelope com R$ 1.000, em notas de R$ 50. Após conversar com a direção de ISTOÉ, os repórteres tentaram em vão entrar em contato com o Projeto Salobra por telefone. Ligaram então para o representante legal da organização no Mato Grosso do Sul, advogado Neudir Simão Ferabolli. A ele foi relatado que, junto com o simpático mimo, viera o tal envelope com o dinheiro.

Também lhe foi dito que, para a revista ISTOÉ, tal atitude ou é uma ofensa ou é um engano. Como, no caso, preferíamos ficar com a segunda hipótese, seria necessário o número da conta bancária da organização, para que se pudesse providenciar a devolução do dinheiro e desfazer o engano. Como resposta ouviu-se primeiro uma risada. ?Ah, fizeram isso com vocês? Sinto muito, não posso ajudar em nada?, respondeu o advogado. Sem as informações bancárias, os repórteres devolveram o dinheiro através do vale-postal dos Correios de número 681939737. Devido à taxa de serviço, o total do vale foi de R$ 1.020. Em seguida, foi enviado fax à propriedade contendo os mesmos termos da conversa com o advogado. Aproveite."