Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Olavo de Carvalho

ÉPOCA SEM OLAVO

"Aviso: estou fora de Época", copyright Mídia Sem Máscara (www.midiasemmascara.org), 18/09/02

"Fora da época, em sentido cronológico, sempre estive, pois não há orgulho mais besta que o de ?ser um homem do seu tempo?. Expliquei isso em O Futuro do Pensamento Brasileiro e não pretendo me repetir.

Mas não é disso que estou falando. Refiro-me a Época, a revista, da qual fui sendo retirado aos poucos, por fatias, numa verdadeira operação-salame, saindo agora, por fim, a última fatia. O responsável pela decisão, Paulo Moreira Leite, não teve sequer a coragem de transmiti-la pessoalmente a mim, preferindo servir-se da intermediação de um diretor de O Globo, homem educado que sempre teve comigo as melhores relações de cortesia e que, rigorosamente, não tinha nada a ver com o caso.

Minha carreira nessa revista foi curta e previsível. Tão logo saiu da direção o Augusto Nunes e entrou em lugar dele o conhecido militante ou ex-militante trotskista, meu destino estava selado. Primeiro, veio a redução de minha coluna (uma das mais lidas da publicação) de mensal para semanal, sob a desculpa de abrir vaga para um tal de ?pluralismo?, entidade enigmática que depois descobri ser a pessoa da sra. Maria da Conceição Aquino.

Em seguida, centenas de cartas de protesto encaminhadas ao sr. Moreira – que a essa altura passei a chamar Moleira – foram escondidas não apenas dos leitores, mas do próprio articulista ali mencionado. Quantas foram, exatamente? Só sei das trezentas e tantas cujos remetentes tiveram a precaução de me enviar cópias por e-mail. Essas estão reproduzidas no meu site, www.olavodecarvalho.org. As outras desapareceram para sempre no abismo de trevas da inteligência do sr. Moleira. Por uma coincidência irônica, ou cínica, este último, logo na edição seguinte, gabando-se do grande número de cartas de cumprimentos que recebera por uma escandalosa reportagem sobre drogas, escreveu em editorial: ?As cartas não mentem jamais.? Ele escreveu isso no preciso momento em que escondia, portanto, trezentas e tantas verdades, talvez mais.

Logo a seguir, vieram as picuinhas censórias. Primeiro, o sr. Moleira podou num dos meus artigos uma frase inteira, que se seguia à afirmação de que os leitores não eram idiotas: ?Idiotas são certos chefes de redação que imaginam que, controlando um jornal ou revista, controlam a consciência do público?. Era, aliás, apenas uma sentença genérica, solta, sem provas ou exemplos. Foi o sr. Paulo Moleira que, ao suprimi-la, a exemplificou com uma eloqüência superior aos meus pobres recursos inventivos.

Depois, como eu me referisse a gays e lésbicas como ?esquisitões? — um adjetivo inocente que já apliquei até a mim mesmo –, o sr. Moleira deu prova de esquisitice maior ainda, julgando a palavra intolerável e fazendo valer sobre ela o seu poder de censura.

Como nada disso me irritasse o suficiente, a revista começou a retardar meu pagamento. O primeiro atraso veio sob a desculpa de que determinado artigo chegara tarde. Desculpa esfarrapada, é claro. O sr. Moleira é que, recebendo o texto três dias antes do prazo, resolvera retardar sua publicação. Algum tempo depois, novo atraso, de dois meses, agora sob a alegação de que meu estoque de recibos assinados tinha terminado – como se fosse coisa enormente difícil avisar-me disso umas semanas antes.

Depois dessa longa série de miúdas incomodidades, que bem dão a medida da envergadura da alma que as produziu, veio a conclusão lógica, justificada como medida de economia, uma alegação que aliás não ponho em dúvida de maneira alguma, sendo compreensível que uma editora necessite mesmo apertar os cintos quando entrega uma de suas publicações à direção de um grande espírito como o sr. Paulo Moleira.

Não estou, evidentemente, brabo com ele nem com ninguém. Apenas registro estes fatos para a eventual curiosidade dos pósteros e a possível ensinança dos contemporâneos."

 

SUPLEMENTOS CULTURAIS

"A ditadura do imbecil", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/09/02

"Já faz tempo, os cadernos que antigamente eram chamados de ?culturais?, transformaram-se em suplementos de serviço e de entretenimento dos mais banais e pueris. No lugar do debate de idéias e do confronto de opinião entre o pensamento liberal e o socialista, o conservador e o iconoclasta, por exemplo, avançam as discussões sobre o último disco da Xuxa, os 40 anos da Paula Toller e a polêmica de um filme baseado num livro tão importante quanto a edição da revistinha da Mônica.

No lugar de Cartola, Caetano. De Gilberto Freyre, Paulo Coelho. Ao invés de Antonioni, Kátia Lund. De Murnau, Carla Camuratti. Antes, Otto Maria Carpeaux e Otto Lara Resende. Agora, Arnaldo Jabor e Gerald Thomas.

Para discutir um pouco o que aconteceu com os suplementos ?culturais? dos grandes jornais brasileiros, cujo declínio, de fato, está longe de ser novidade mas continua perturbador, convidei o jornalista Andreas Adriano*, atualmente editor do site da revista Primeira Leitura.

Eu o conheci já metido em reportagens do gênero, no caso, para o então incipiente Festival de Teatro de Curitiba, no começo da década passada. De lá para cá, tomamos rumos diferentes, o dele, muito mais auspicioso, pois entre a política e a música, fico de longe com a segunda.

Sandro Guidalli – Se não estou enganado, seu envolvimento com o chamado jornalismo cultural vem desde o final dos anos 80, ainda em Curitiba. De lá pra cá, na sua opinião, o que mudou na produção de textos e reportagens dos cadernos de lazer e cultura dos grandes jornais? Costuma-se criticar muito os ?segundo cadernos? e ?Ilustradas? pela precariedade de análises, resenhas, críticas e pelo privilégio que eles dariam, de forma excessiva, para assuntos relacionados à TV e ao reality show. Ademais, este espaço dedicado ao noticiário cultural teria sido tomado pelo colunismo. Como você vê isso?

Andreas Adriano – Eu leio cadernos culturais desde o início dos anos 90. Se isso não me desqualifica, vamos lá. A resposta mais simples é: sim, a coisa piorou, significativamente. Mas analisando com mais cuidado, o que mudou é que tem mais gente consumindo cultura de massa, TV, etc. Antes, o espaço da chamada alta cultura, das coisas mais sofisticadas (o que pode ser samba de raiz, por exemplo), era proporcionalmente maior. Portanto, o nível médio, por assim dizer, ficou mais baixo. Tem muito mais espaço para TV, programas de massa, etc. Assim sendo, o nível cultural em geral dos jornalistas também é menor, seguindo a queda do nível cultural de toda a população. A verdadeira queda de qualidade é essa. Mais gente consome uma cultura de pior qualidade e os cadernos culturais dão mais espaço a isso do que às coisas mais ?alta cultura?. É o mercado…

SG – Ainda há espaço para a ?alta cultura? ou ela sumiu?

AA – Antes de te responder quero dizer que muita coisa da cultura de massa ainda é ignorada pelos cadernos culturais. Embora dediquem páginas e páginas à televisão e aos reality shows, não há, por exemplo, resenhas sobre os discos das duplas caipiras e coisas assim. Ainda bem, não? De resto, ainda há um espaço considerável para artes plásticas, ópera e música clássica, por exemplo. Se olharmos os cadernos de cultura de domingo, muitos continuam superintelectualizados, com discussões filosóficas impenetráveis.

Uma coisa um pouco chata é o chamado jornalismo de serviço, que contamina tudo. Por exemplo: infalivelmente, a capa dos cadernos culturais na sexta-feira é dedicada às estréias de cinema. Pode até ser um filme clássico ou de arte em vez de um blockbuster, mas é, sobretudo, a idéia de serviço. Embora os principais jornais tenham, também, os seus guias…

SG – Não poderia deixar de mencionar a Internet. De que maneira você analisa a produção de mídia cultural pela Web? Ainda trata-se de um meio ?marginal?? Você acredita nela como formador de uma massa de informações capaz de dar uma cara ao Brasil no que diz respeito ao jornalismo cultural?

AA – A internet não tem nada de marginal. O problema é que o alcance ainda é pequeno. Só 12% das pessoas no Brasil têm computador, e só 8% têm acesso à internet. Para quem tem e sabe usar, é uma coisa maravilhosa. De que outra forma eu poderia ler o The New York Times todo dia? Uma assinatura diária do jornal de papel custa R$ 3 mil aqui no Brasil.Pela web, eu leio de graça! Assim como uma infinidade de outraspublicações que se pode ler de graça ou pagando um preço razoável e bem mais barato do que da publicação impressa. O problema é saber usar. A internet tende a fragmentar a informação, tornar tudo rápido e ligeiro, sem contexto, sem reflexão, sem aprofundamento.Uma porção de informações desconexas despejadas nos sites. É preciso ser esperto para administrar toda a informação disponível. Dito isso, não acredito que o jornalismo cultural pela internet seja diferente do que se faz no papel só porque é pela web. Crítica de música é a mesma coisa em qualquer lugar e em qualquer meio. A diferença é de qualidade: poder ler críticas da New Yorker com dois cliques!

*Andreas Adriano é editor do site e da revista Primeira Leitura, é formado em jornalismo pela UFPR e em música pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Foi coordenador editorial da América Economia, editor de cultura de O Estado do Paraná, e repórter da Gazeta Mercantil. Colabora com Business Week, Latin CEO, Latin Finance e The Economist Intelligence Unit."