Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Ombudsman é avanço, não é a solução

CONTROLE E COERÊNCIA ? I

Alberto Dines

O ministro da Justiça Miguel Reale Jr. está empenhado em persuadir as emissoras da rede aberta de TV a criar o cargo de Ouvidor. Concorda com o antecessor, José Gregori, na constatação de que a programação da TV privada é um desastre ? fator de agravamento da violência ? e que as empresas devem ser convocadas urgentemente para assumir todos os seus compromissos como concessionárias de um serviço público.

Gregori é um democrata, veterano e devotado defensor da causa dos direitos humanos. Reale Jr. é um jurista respeitado com serviços e obras de grande relevância para a modernização da Justiça e a consolidação da legalidade.

A convergência comprova o que a sociedade brasileira já sabe: é preciso iniciar imediatamente o processo de controle social sobre a mídia eletrônica antes que as aberrações da programação comprometam a própria noção de democracia. Se as emissoras de TV querem mostrar que ainda lhes resta um mínimo de responsabilidade social, o caminho é este. Menos doloroso, mais didático. Não exclui outras medidas (como a classificação dos programas por horário e faixa etária), inicia novo estágio na vida brasileira e oferece uma alternativa conceitual aos impasses criados pelo absolutismo imperante: a cada poder deve corresponder um contrapoder de modo que, na sucessão de fiscalizações, seja montado um sistema capaz de garantir direitos e impor deveres.

Indispensável, porém, que a função seja adotada por todas as redes, simultaneamente, de modo a evitar que os mais ousados sejam punidos pela exposição e os menos responsáveis, premiados pelo silêncio.

Não devemos nos iludir com a figura do Ouvidor: como o nome em português o sugere, sua função é ouvir (lato sensu), sensibilizar-se com o outro lado, o destinatário (leitor, ouvinte, telespectador ou acessador da rede). Em francês ou espanhol é chamado de Defensor do Leitor e, em Portugal, como Provedor do Leitor. Dá no mesmo. Ele é pago pelo veículo, tem contrato limitado e as devidas proteções. Mas há limites, não formalizados, tácitos, sobre sua área de atuação.

Para comprovar que o Ouvidor está ouvindo, imperioso que suas avaliações ou percepções seja conhecidas e fiquem ao alcance daqueles que representa. Sua voz precisa fazer-se ouvir, não pode confinar-se aos bastidores. Razão pela qual este Observatório criou a rubrica competente ? Voz dos Ouvidores.

No caso de rede ou emissora de TV, deve garantir-se um tempo onde ocorrerá a comunicação do Ouvidor com o público interno e externo. Sem ele, frustra-se e compromete-se qualquer mérito da iniciativa. Em algum horário, dia ou brecha da programação. Sem isso o Ouvidor converte-se em figura de retórica. Peça do marketing.

Entre o defensor e o defendido, entre emissor e destinatário, deve funcionar um canal formal, fixo e definido, em duas mãos. O telespectador precisa tomar conhecimento dos juízos de seu representante e este precisa ser acionado pelos representados. A internet ajuda, pelas possibilidades de interlocução, mas deve ser complementar. Se o veículo escamoteia do seu bojo a opinião daquele que é pago para emitir opiniões sobre ele, rompe-se qualquer possibilidade de credibilidade.

Garantir ao Ouvidor o espaço e um mínimo de autonomia é um avanço, mas não basta. É preciso que o processo seja suficientemente dinâmico para evitar que a autocrítica fique confinada a algumas áreas ou editorias. A Folha de S.Paulo (o veículo melhor equipado para o diálogo com o leitor) jamais admitiria que o seu Ouvidor (qualquer um) questionasse publicamente a forma através da qual exerce o seu protagonismo político. Ao contrário, já houve casos em que o ombudsman da Folha invadiu o direito de colunistas manifestarem suas preferências políticas (caso Caio Túlio Costa vs. Paulo Francis).