Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os cinco segundos da morte

Marcos Santarrita

 

A

lguém precisa urgentemente recomendar ao estreante governador Anthony Garotinho que retire sua polícia das proximidades de bancos, carros fortes, casas de milionários, grandes lojas e locais onde costumam ocorrer assaltos a motoristas, passantes e turistas. Os dedicados profissionais que se dedicam à nobre arte de assaltar, seqüestrar e matar podem se sentir justificadamente provocados em sua omertà com a acintosa presença de uniformes e passar a atirar neles, com risco para quem estiver passando por perto. Afinal, que há de mais num assaltinho ou seqüestrinho, mesmo com mortes?

Ou será que o Sr. Governador e seus assessores não lêem a imprensa carioca? Todos os dias há uma grita nos jornais porque seus homens da lei frustraram assaltos, prenderam e mataram bandidos, e ao fazer isso puseram em pânico a pacífica população, que nada mais quer do que ser assaltada, seqüestrada e assassinada em paz. A polícia, e não os bandidos, é que deve ser presa, ou pelo menos confinada aos quartéis. Abaixo a repressão! Liberdade para os bandidos!

A verdade é que a imprensa, ainda ressabiada, quase duas dezenas de anos depois, com o estado policialesco em que vivemos durante trinta anos, continua achando que toda autoridade é autoritarismo, e que toda ação policial é repressão indevida. E vive num irresponsável clima de adolescente, para quem o negócio é zoar, bagunçar, hay gobierno soy contra. Afinal, para que pôr homens armados na rua, se eles não podem usar suas armas, mas apenas ficar como alvos parados para os bandidos praticarem tiro?

Vêem-se coisas que só se vêem numa pátria éxotique como o Brasil. Somos talvez o único país do mundo onde os bandidos atacam a polícia; nos outros, no máximo, eles se defendem quando se vêem acuados. Na célebre cena em que um sargento da PM matou na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, num verdadeiro duelo do faroeste, dois bandidos que haviam acabado de assaltar um banco, o espertinho que se fez senhor de uma coisa chamada “Ama Rio”, se não me engano, propôs na televisão as seguintes perguntas: “Precisava atirar para matar? Precisava matar o segundo?” E, com um profundo ar filosófico, respondeu ele mesmo, balançando a cabeça: “Eu não sei, não. Eu não sei, não.”

Para um homem que se diz dedicado a combater a violência, a ignorância do que combate é espantosa. Qualquer aprendiz de tiro sabe que uma pessoa com uma arma de fogo na mão, bandido ou não, mesmo mortalmente ferida, ainda tem pelo menos cinco segundos para matar quem o baleou; são os famosos “cinco segundos da morte”. São coisas desagradáveis de dizer, e mais ainda de escrever, mas o único meio certo de paralisá-la é um tiro no centro da testa. Assim, quando se atira em alguém que está com uma arma de fogo na mão, é preciso atirar para matar. Quanto ao segundo bandido, que estava na garupa da moto do primeiro, como iria o sargento, com sua vida em jogo, saber que, depois de assaltar um banco, ele estaria desarmado?

Não se trata, aqui, de defender nenhuma lei Sivuca – que numa sociedade mais primitiva melhor seria se aplicada a ele próprio: “O único Sivuca bom é o Sivuca morto.” (Nada tem a ver com o nosso glorioso músico, pelo amor de Deus.) Nem deixar de reconhecer que nossa polícia é particularmente brutal. Mas é plenamente aceitável, em qualquer lugar do mundo, a máxima que outro delegado expôs também na televisão: ‘Bandido apanhado de arma na mão vai pra vala.” Além do fato de que só estar armado desse jeito, sem para isso ter autorização, já é um crime, acrescenta-se o conceito de bom senso de que alguém com um revólver, pistola ou metralhadora pode atirar quando menos se espera, numa fração de segundos; e o policial não pode pagar para ver.

É uma máxima primária do direito que a lei não se destina tanto a punir como a servir de exemplo, desestimular o crime. Onde há impunidade – como há no Brasil, em todos os escalões – as pessoas se tornam mais ousadas, e algumas que não teriam coragem de juntar-se às hostes criminosas acabam, ao ver outras se darem bem, aderindo. Quanto mais assaltos frustrados, menos bandidos potenciais se atreverão a arriscar.

Mas a imprensa, atabalhoada, não vê isso; está obcecada com a repressão. Há alguns anos, quando o exército tentou intervir na criminalidade nos morros do Rio, que há muito passara dos limites do tolerável, a Folha de S. Paulo obteve e publicou todo o plano de campanha do estado-maior, dando a estratégia, as táticas, e até os pontos que seriam controlados e os nomes e patentes dos principais comandantes. A quem servia isso, senão aos bandidos? Em tempos de guerra, os autores desse “furo” seriam julgados por alta traição.

Mas a coisa não ficou por aí. Iniciada a operação, os jornais e televisões mostraram cenas de crianças do morro com as mãos na cabeça, sugerindo maldosamente a famosa foto do menino judeu preso por soldados nazistas na Segunda Guerra Mundial – como se o Exército brasileiro estivesse ali para maltratar aquelas crianças. Quer dizer, ainda continuam a julgar nosso Exército como força ocupante – o que de fato foi, na ditadura, sob outros chefes (bem, não exatamente outros, mas em outras circunstâncias).

É uma confusão dos diabos. Dificilmente terá havido na história das sociedades civilizadas um espetáculo tão ridículo como aquele que deu origem, ou pelo menos exposição, ao tal “Ama Rio”: centenas de pessoas vestidas de branco, dando-se as mãos na Cinelândia, num pacto contra a violência. Vendo-se tal palhaçada, o que logo vinha à mente era a famosa pergunta de Garrincha, quando o técnico expunha sua estratégia infalível para a seleção brasileira num jogo contra a Rússia, na Copa do Mundo: “Vocês já combinaram com os russos?” No caso, “Já combinaram com os bandidos?”

Pelo que se sabe, nenhum bandido entrou naquele chamado pacto contra a violência; e jamais se soube de pacto em que não entrassem os vários lados de um conflito. Em compensação, hoje, sem qualquer mandato eletivo, o esperto cidadão que organizou a “manifestação” lida com verbas milionárias de governos e fundações estrangeiros, atua como interlocutor de governos e diz aquelas besteiras sonoras com ar de sábio na televisão.

Alguém deve urgentemente sugerir ao Sr. Garotinho que o convoque para controlar a polícia, e não o crime, no Rio de Janeiro, com todas as bênçãos de nossa gloriosa imprensa.

 


Repórter Frustrado (*)

 

Com a permissão de Alberto Dines, gostaria de expor minha total incapacidade para resolver um dilema que se refere à vala existente entre a teoria e a prática do jornalismo.

Durante algum tempo trabalhei em uma sucursal de um jornal de circulação nacional. Como leitor do OBSERVATÓRIO, não pude deixar de me sentir desiludido, neste período, ao me enquadrar algumas vezes nos exemplos de jornalismo chinfrim apresentados por vocês. O meu pior pesadelo era cair nas garras inexoráveis dos críticos do OBSERVATÓRIO. Não que eu me considere ruim, acho que fico na média de todo mundo que aí está, mas é que visualizo no jornalismo atual um cruel destino tanto para jornalistas investigativos como para não investigativos.

Explico: foi para mim simplesmente impossível fazer todo o tempo jornalismo investigativo, e isso deveria ser caso de excomunhão, ou, no mínimo, de algumas chibatadas.

Dou exemplo de um dia, no começo deste mês. Ao chegar à redação era comum já encontrar três ou quatro pautas do dia rosnando para mim. Nesse dia havia três – uma de cidades, uma de esportes e outra de economia. Só que eu fiquei sabendo pelo rádio que bebês prematuros haviam morrido em decorrência da falta de leitos. Ou seja, quatro matérias. Ora, a recomendação de vocês – corretíssima, por sinal – é que tudo deve ser feito de maneira investigativa, contextualizando os fatos. Mas como fazer tudo isso até as 18h? É impossível você ser um repórter investigativo – que é o que eu, juro, tento ser – se a empresa jornalística não lhe dá condições para isso.

Resultado: ou você segue sua consciência, vai para a rua, faz uma ou duas matérias decentes, ou você dá descarga nos escrúpulos, faz a deus nos acuda as quatro matérias por telefone e reza para que tenha sido o menos mesquinho possível. Confesso que sempre optei pela segunda saída e, sinceramente, isso estraçalha qualquer senso de dignidade profissional. Nessa sucursal, cerca de 80% das matérias são apuradas por telefone, por absoluta falta de tempo, e acho que em outros locais a coisa é ainda pior. O telefone é um meio, mas não deveria ser o preponderante para se apurar notícias.

Se optasse por sair à rua e derrubar por conta própria duas outras matérias, acho que teria dois destinos: elogios à minha mãe e demissão, no caso de um editor mal-humorado, ou a publicação do meu nome na lista dos “dez mais panacas do ano”, no caso de um editor bem-humorado. Quando consegui um furo que deu capa e muita repercussão, eles me deram a oportunidade de ficar por conta de um assunto e fazer um trabalho investigativo.

Mas isso não foi a regra. Entendo os problemas financeiros das empresas e diante disso apresento o dilema à sua habitual perspicácia. Há alguma saída prática para isso? Como fazer jornalismo que dê orgulho à minha pobre e inocente mãe – investigativo, contextualizado, interpretativo – se você não tem tempo nem para dar bom dia? Como reivindicar melhores condições, se a maré está é para demissões, e você deveria é “calar a maldita boca”?

(*) O autor pede para não ser identificado nem o nome de seu jornal mencionado, por óbvio temor de represálias

Comentário de Alberto Dines

Caro colega: não podemos mudar o país e sua imprensa só porque queremos. Seria voluntarismo. Mas quando as novas gerações de profissionais começam a ter este tipo de comichão na alma, então estamos no bom caminho. As mudanças começam com a disposição de mudar. O resto se encaixa. Sucesso na empreitada! Alberto Dines

 


José Rosa Filho

 

Impressiona no caso do Jornal da Band, com a saída de Paulo Henrique Amorim, o silêncio da mídia. Deu a impressão de que o fato não tinha acontecido, que era um sonho. Qual o interesse do mídia com tal atitude? O Jornal da Band foi a maior esperança dos últimos anos em matéria de jornalismo na TV. Todos se perguntavam: será que o jornal de Paulo Henrique Amorim é para valer?

Não deu outra: de repente, sem que se pudesse reagir, lá se foi Paulo e seu belíssimo jornal. Imparcial, dinâmico, o Jornal da Band já era notícia em residências, bares e restaurantes. Todos diziam – até que enfim um jornal que dá todas as notícias. Deu para perceber que algo estava por acontecer no dia em que o jornal, sem mais nem menos, lançou matéria sobre a origem do dinheiro que permitira ao Lula comprar uma casa.

Naquele dia ficou no ar a indagação: será que os homens já estão reclamando? Aquela matéria, surgida assim do nada, deixou uma pista para o que aconteceria mais tarde com a saída do âncora.

O fato é que a imprensa nada comentou. Claro que a mídia estava com ciúmes do jornal, que se não crescia de audiência crescia em qualidade de telespectadores em horário nobre. Ficou no ar: como a Globo vai reagir ao sucesso do concorrente?

Agora dá para entender. Um tal de Carlos Amorim, como que infiltrado da Globo na Band, inventou uma desculpa, e temos Paulo Henrique na rua. Todos (na mídia) ficaram satisfeitíssimos: pronto, podemos continuar a fazer o nosso jornal de péssima qualidade informativa, com total falta de ética, com anestesiante enxurrada de notícias que não servem para nada, ou que servem para tudo mas não dizem respeito a coisa alguma.

E ninguém reagiu, parecendo que Paulo Henrique Amorim era o inimigo comum. O cerco foi tão bem feito que parecia, repito, um sonho. Até quando isso vai acontecer no jornalismo de nosso país? Um gigantesco polvo, de tentáculos de aço, não deixa que ninguém respire verdade e, o pior, suas vítimas, seres imbecilizados, não reagem, estão contaminados pelo veneno mortal. A esperança fica por conta de um disco voador, tal qual o do filme Indepence Day, sobrevoando o Jardim Botânico e libertando-nos do inimigo terrível que, nos esportes, na política, nas artes, nos programas educativos, não nos deixa margem de criatividade.

Que todos estejam atentos – os episódios de João Ubaldo Ribeiro, Alberto Dines e este de Paulo Henrique Amorim não estão isolados, fazem parte de um contexto que vale por dez ditaduras do passado. O inimigo do homem é o mesmo, mas só que muito mais poderoso e sutil.

 


TT Catalão

 

Um velho cacoete de cobertura ainda nos acompanha: o plantão na porta dos ministérios, casas ou palácios em busca de informação. Claro que para a imagem é fundamental como cenário. Mas para o texto e o áudio fica só a vaga possibilidade – não se pode correr riscos – de uma ‘‘coletiva’’ improvisada entre cotovelos, tropeços, impropérios e frases curtas dos sorrisos nervosos.

Faz parte do ritual o ‘‘até agora o ministro não chegou’’, o ‘‘ninguém esteve em audiência aqui’’, ‘‘as luzes continuam apagadas’’ etc. etc. Pura referência física, local, enquanto as verdadeiras reuniões, encontros e avaliações, hoje, com a tecnologia online, scanner de documentos e criptografia das análises de conjuntura estão ocorrendo via cabo sem o conhecimento da pobre ‘‘testemunha ocular dos fatos’’, de plantão na porta da rua.

Por isso soa como piada essa conversa de quarentena das autoridades egressas de cargos no governo que tentem assumir empregos na iniciativa privada. A medida foi anunciada como grande avanço ético na moralização do Estado. Ora, consultorias e reuniões por chat (conversas sob links da Internet), além de sistemas de transmissão de voz e imagem podem realizar reuniões entre participantes distribuídos em diversos países.

A quarentena real seria o lastro de consciência do profissional que invariavelmente acaba usando suas ‘‘informações privilegiadas’’ fruto do convívio interno com o poder. E vice-versa? O poderoso que sai da empresa e vai para o governo? Como lidará com os interesses públicos quando estes, digamos, prejudicarem os privados? Como ficará ele entre a iniciativa privada e a privação de iniciativas? A situação Butantã adotada pelo governo no Banco Central, quando o princípio da vacina diz que veneno cura veneno. Mas a imprensa tem poderes para analisar as doses?

Será que a ‘‘profecia’’ neoliberal acaba de ser consumada? Aquela do fim da história que determina o fim dos países – como identidades culturais – para submeterem-se às grandes corporações de mercado, onde o cidadão vira mero consumidor, o eleitor um caso de marketing e a informação a mercadoria a ser trabalhada segundo níveis de audiência e de interesses.

O país inteiro, agora, se sente um pouco como o repórter plantado à porta do ministério esperando alguém passar por ali enquanto a reunião está transcorrendo através de fios e antenas. E ele ali, firme, esperando um ‘‘nada a declarar’’. A vida imita a imprensa, às vezes.

 


Mauro Malin

 

Deu na Veja, 3/3/99, pág. 42, título e subtítulo “A jovem velha raposa cortejado por FHC, Brizola, Itamar e pelo PT, Garotinho é a nova estrela da temporada”:

“Na televisão, sempre com as mãos caídas ao lado do corpo para não ser apanhado pelos fotógrafos em flagrantes desairosos, ele [o governador Garotinho] incorpora um modelo de rigidez que, em programas de auditório, padrão Gugu Liberato, passa por elegância.”

Não entendi.

Ou melhor: se é o que eu entendi, aí é que não entendo mesmo.

 


Jairo Faria Mendes

 

Em uma turma de estudantes de Jornalismo, ninguém soube o que significava “neoliberalismo”, uma palavra muito utilizada na mídia. E muitas outras palavras eram desconhecidas pelos estudantes. Se alunos do curso de Jornalismo não entendem o vocabulário utilizado nos meios de comunicação, quanto mais o público em geral.

A culpa não pode ser atribuída ao público. Os jornais são feitos para o público. E uma exigência mínima é que tragam informações claras, e, para isso, precisam usar vocabulário que seja de conhecimento do grande público.

Os jornais não devem exigir que as pessoas os leiam com um dicionário ao lado, como gostaria um certo articulista de uma publicação do interior. Depois de horas “burilando” seu texto, buscando palavras herméticas num pesado dicionário, ele pula da cadeira com os braços erguidos, vibrando: “Deste artigo ninguém vai entender nada!”

Por ironia, algum tempo atrás, os jornais passaram a oferecer como brinde fascículos de dicionários.

Quando a mídia divulga denúncias contra políticos aparecem palavras como “peculato”, “prevaricação”, “corrupção passiva”, “formação de quadrilha”, “falsidade ideológica”. O público não sabe o que significam estes termos. No entanto, revolta-se, xinga os políticos, sugere punições severas, indignado com não sabe o quê.

Isso me faz lembrar de um jornal de interior que, em um comentário, acusou um sindicato de ser uma “mixórdia”(bagunça). O presidente do sindicato invadiu a redação do jornal disposto a brigar: “Quem escreveu isso, chamando o sindicato de uma mixórdia?”. O autor se apresentou e perguntou: “Sabe o que é mixórdia?”. E o líder sindical disse um envergonhado “não”, o que acabou com sua fúria e até mesmo com a conversa.

Um exemplo de má comunicação da mídia foi a cobertura do escândalo dos precatórios. Apesar da cobertura maciça, quase ninguém entendeu o que estava acontecendo, ou mesmo ficou sabendo do significado da palavra precatório.

A editoria de economia é campeã neste processo de má comunicação. Ninguém se preocupa em explicar o que é “liquidez”, “balanço de pagamentos” (que geralmente é confundido com balança comercial), “mercado futuro”, “overnight”, “spread”, “leasing”, “ações preferenciais ou ordinárias”, “mercado à vista”, “opções”, entre outras coisas. Isso tudo misturado com inúmeras siglas (IBV, FGV, BC, IPI, PDV, TR, TBF, C-BOND, FMI, INPC, IPC, Fiesp, FGTS, CVM, BNDES etc) e muitos números, a maioria com duas casas decimais. Tudo fica tão mal explicado que as vezes deixa dúvidas se os jornalistas econômicos entendem do que estão falando.

Num pequeno trecho de uma notícia econômica podem ser encontrados vários números: “(…) queda de 1,79%. O índice IBV, da Bolsa do Rio, caiu 1,27%. A desvalorização da Bovespa em relação ao dólar caiu de 24,7% no último dia 29 para quase 12% ontem. O volume na Bovespa foi de R$ 632,4 milhões. A Bolsa de Nova York fechou em queda de 0,77%…”(Globo, 3/2/99, p. 22).

As coisas pioraram mais nos últimos meses, quando a cobertura das bolsas de valores passou a monopolizar o noticiário econômico. Como este mercado tem variações muito grandes, cria-se um clima ora de euforia, ora de pavor na população. No entanto, os meios de comunicação pouco se preocuparam em explicar o funcionamento do mercado de capitais.

O público se acostuma tanto a receber informações econômicas mal explicadas que passa a repetir os jargões mesmo sem compreender várias questões. Coisas simples (se explicadas) como: Por que o governo faz empréstimos em dólar para realizar obras (ex: construir uma usina hidrelétrica) se quase todos os gastos são em reais?; por que o aumento da taxa de juros inibe a inflação?; por que uma crise no Japão faz cair as bolsas do mundo inteiro?; qual a função das Bolsas de Valores? (se são tão criticadas, por que existem?); quais as relações entre déficit fiscal, taxa de juros, câmbio, inflação, crescimento econômico?

O comentarista Tostão, em brilhante coluna publicada em 17 de maio de 1998 no Jornal do Brasil, com o título Terminologia no futebol, mostra que até mesmo na cobertura do futebol usa-se um vocabulário confuso: “(…) Nós pensamos que a maior parte dos torcedores que vêem futebol entende esses nomes, conhece a história dos esquemas táticos, o que não é verdade (…) Vamos lembrar alguns termos comuns, usados corretamente ou não no futebol, e as dúvidas que eles podem despertar. Por que o zagueiro esquerdo é chamado de quarto-zagueiro, e o direito de zagueiro-central? Líbero e zagueiro de sobra são a mesma coisa? Qual a diferença entre ala e lateral? Alguns falam de lateral-ala. Lateral é zagueiro, já que falamos quatro zagueiros? O que distingue o volante do cabeça-de-área e de um armador-defensivo? Qual é a posição do primeiro e do segundo volantes? Por que a palavra volante? Qual a diferença entre meia-armador e o armador-ofensivo? Entre o ponta-de-lança, o meia-atacante e o número um de Zagalo? O ponta avançado é um atacante? Por que 4-4-2; 3-5-2; 5-3-2 etc., se os jogadores não param de correr e estão sempre misturados no campo? Onde está a segunda bola? Por que dizem que o jogador acertou a orelha da bola (a bola é redonda), o time que está perdendo vai correr atrás do prejuízo (não do lucro?), ficamos por conta dos descontos (não seriam acréscimos?) etc. etc.?”

No jornalismo especializado, o vocabulário é mais hermético ainda. Um caderno de veículos descreve detalhes mecânicos como se estivesse falando com um especialista. Os cadernos de informática também.

No entanto, é difícil fugir do vocabulário especializado. O zelo exagerado em ser claro pode até empobrecer o conteúdo do noticiário. Mas é obrigação dos profissionais da mídia se comunicarem bem (serem entendidos). E, se temos muitos exemplos de má comunicação, também temos algumas exceções.

Uma delas é o comentarista econômico Joelmir Beting. Ele consegue falar de questões complexas utilizando muito pouco de “economês”. Além disso, ele tornou esse árido tema que é a economia mais agradável, utilizando muitas metáforas, rimas, ironias, jogos de palavras. Lançou palavras como “tupiniquim” (nacional e subdesenvolvido), que se popularizaram rapidamente. Carlos Tramontina, no livro Entrevista, mostra vários bordões criados pelo comentarista: “Inflacionar e coçar é só começar”, “Atira na codorna e acerta no cachorro”, “Derrubar inflação a golpes de recessão é como matar a vaca para acabar com o carrapato”, “Inflação é quando a mão fica maior que o bolso”.

Outro exemplo de um bom comunicador é o astrônomo Carl Sagan, autor de Cosmos, que também foi o nome de uma série de documentários para televisão, apresentados por ele mesmo. Apesar de ter sido um grande cientista (ele foi o principal responsável pelas expedições Mariner, Viking e Voyager), conseguia se comunicar de forma muito clara. Ao programa Cosmos assisti quando era adolecente e, através dele, compreendi questões complexas de astronomia, física e química com muita facilidade. Sagan era capaz de explicar a Teoria da Relatividade sem ser cansativo e de forma que uma criança de 10 anos compreendesse.

 

LEIA TAMBEM

Amorim x Amorim