Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

OPERAÇÃO ANACONDA

“Anaconda”, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/03

“?Fiquei surpresa ao ler a reportagem ?Para procurador, há prova para prender juízes? (Brasil, 5/11), de Iuri Dantas e Gabriela Athias, que noticia o que teria sido dito por minha colega e por mim ao diretor-geral da PF a respeito das fitas que o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos diz que teriam sido, supostamente, apreendidas pela PF. É conhecido o ditado que diz que o papel aceita tudo, mas atribuir declarações a quem não as fez já é irresponsabilidade. Faz-me lembrar um antigo programa humorístico da rádio Jovem Pan, transmitido após as partidas de futebol aos domingos. Era o ?Rádio Camanducaia?, cujo slogan era: ?Quando não há notícias, ?nóis? inventa?. Eu imaginava que a imprensa -e esse jornal em particular- tinha se dado conta da importância do caso para o restabelecimento da credibilidade das instituições. Se faltam informações sobre o caso, deveriam os profissionais competentes perceber que processos criminais de tal envergadura, no momento em que ainda se encontram, não podem gerar informação na velocidade e na quantidade necessária para preencher as páginas de um jornal. Faço apelo a algum senso de responsabilidade e de compromisso com a informação por parte desse jornal.? Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República (São Paulo, SP)”

“Juíza manda confiscar filme de fotógrafo”, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/03

“Contrariada por ter sido fotografada ontem pela imprensa em frente ao prédio da Justiça Federal, na praça da República (centro de São Paulo), a juíza federal Adriana Pileggi Soveral, da 8? Vara Criminal, determinou a apreensão dos negativos por agentes federais que estavam ocupados com a escolta de presos.

Soveral foi procurada por jornalistas porque, segundo a Procuradoria da República, ela deverá ser denunciada como o quarto membro da magistratura a integrar o suposto grupo que beneficiava acusados em sentenças judiciais.

Segundo jornalistas que estavam na Justiça Federal, os agentes da PF cumpriram a ordem e retiraram o material do repórter-fotográfico Eduardo Nicolau, de ?O Estado de S. Paulo?.

Ao ser avisada do ocorrido, a Superintendência Regional da PF pediu que o material fosse encaminhado, via ofício, aos agentes de segurança da própria Justiça.

A assessoria da juíza informou que ela não vai se pronunciar sobre o ocorrido.”

 

JUDICIÁRIO EM BAIXA

"O Poder Judiciário, o Ministério Público e o Congresso Nacional lideram a lista das instituições menos confiáveis do Brasil, de acordo com pesquisa de opinião pública realizada no mês de setembro pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com 1.700 entrevistas, em 16 capitais brasileiras. A igreja, a imprensa e a presidência da República foram consideradas as mais confiáveis.

O principal motivo apontado por 92% dos pesquisados para a desconfiança em relação ao Judiciário é o envolvimento de juízes em escândalos como o do juiz aposentado Nicolau dos Santos, acusado de desviar verbas da obra do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo; o caso Banestado; denúncias de vendas de sentenças e assédio sexual praticado por juízes.

Para 86% dos pesquisados, a reforma do Judiciário deve ser aprovada com urgência e 79% disseram acreditar que a reforma da Previdência não deve preservar os privilégios dos juízes. Segundo a pesquisa, o grau de confiança na igreja é de 74%; na imprensa, de 60%; na Presidência da República, de 58%; na advocacia, de 55%; no Poder Judiciário, de 39%; no Ministério Público, de 37%; e no Congresso Nacional, de 34%.

Invasão de terras

A redução da idade penal para 16 anos é defendida por 89% dos entrevistados. Mais da metade dos pesquisados (52%) se disse favorável à pena de morte para crimes hediondos. A pesquisa apurou que para 74% das pessoas ouvidas, a prisão só existe para pobres, pretos e prostitutas. As profissões mais admiradas pelos brasileiros, segundo o levantamento, são as de médico, professor e advogado. E revela que a função de juiz é a mais valorizada para assegurar a Justiça do Brasil.

Para 60% dos pesquisados, promotores e procuradores passaram a extrapolar suas funções a partir do fortalecimento do seu papel na vida judiciária brasileira, abusando da exposição na mídia. A pesquisa da OAB indica ainda que 75% dos entrevistados são contra a invasão de terras antes de decisão judicial sobre o assunto. Em relação aos sem-teto, 71%, se opõem à invasão de áreas sem que antes haja uma resolução por parte da Justiça. As informações são da Agência Brasil."

 

TRANSGÊNICOS EM DEBATE

“Transgênicos no reino da confusão”, copyright O Estado de S.Paulo, 7/11/03

“Não se pode nem se devem subestimar a importância e o significado simbólico das vitórias obtidas pela ministra Marina Silva nas últimas discussões, no âmbito do Executivo, em relação ao projeto de lei de biossegurança, que pretende, entre muitas coisas, regulamentar a questão do plantio e consumo de organismos geneticamente modificados (OGMs).

Ao preço de muito sofrimento e tenacidade, conseguiu a ministra incluir no projeto dispositivos importantes para uma visão mais ?transversal? do governo nessa matéria, que não atendesse apenas aos interesses de parte do agribusiness, de plantadores e de produtores de sementes e agrotóxicos.

Mas também há razões para temer que, mesmo na mais favorável e improvável das hipóteses – que o Congresso aprove como está o projeto -, muitos prejuízos já sejam irreparáveis, como fruto da má condução desse tema no governo passado e no início deste.

Há uma herança pesada e difícil de remover de fatos consumados, a começar do problema (que permanece) de não se definir uma estratégia: que lugar o país pretende ocupar na produção e comercialização de alimentos? Quer ou não produzir transgênicos?

Sob esse ângulo, a primeira questão a discutir é o que se fará no início de 2004, quando for realizada a colheita da soja transgênica plantada, com autorização de medida provisória, por agricultores que houverem assinado o termo de ajustamento de conduta exigido. Terá de ser comercializada, se foi autorizada e legalizada. E esse já é um fato consumado.

Mas o que se fará com a soja transgênica colhida por agricultores que não firmaram o termo de ajuste de conduta exigido (e já se sabe que pouquíssimos assinaram até agora)? Vai-se permitir de novo a comercialização? E o novo plantio?

A situação deles não será diferente da que levou o Executivo a assinar a medida provisória este ano. Nem o problema econômico terá menor vulto.

Mas pode acontecer também de até lá ser julgada na Justiça Federal a ação movida pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e outros contra a liberação do plantio dada há anos pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

A soja, com ou sem termo de ajuste, poderá ser colhida, se a sentença que está em vigor for mantida? Mais complicado ainda, e se até lá houver sido julgada procedente – ou concedida tutela antecipada – a ação em que o Idec pede que a Justiça determine à União e ao Estado do Rio Grande do Sul que impeçam a utilização do glifosato na soja transgênica?

Não faz sentido plantar soja transgênica sem o glifosato. Mas o agrotóxico que o contém não tem autorização para ser utilizado – a negativa foi explicitada há poucos dias pelo Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos.

Não é tudo. Mesmo com a aprovação do projeto de lei no Congresso, pode não haver licenciamento ambiental ou da Saúde, pode a soja ser ilegal porque usou glifosato não autorizado ou porque não houve ajustamento de conduta.

Mais um ângulo: como se resolverá a questão de estruturas de fiscalização (para este caso e para casos futuros)?

O Ministério da Agricultura já afirmou não dispor delas. O Rio Grande do Sul, grande plantador da soja transgênica, também não.

Os outros Estados não estão em melhores condições. Ainda na hipótese de o projeto passar como está pelo Congresso, outras questões poderão sobrevir.

Ao contrário do que vinha sendo noticiado, pelo projeto os pareceres da CTNBio terão ?caráter conclusivo?. E, segundo o parágrafo 5.? do inciso XXI do artigo 12, ?não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o derivado cujo OGM já tenha sido por ela aprovado?.

Se é assim, muito menos o próprio OGM. E a soja transgênica já foi aprovada ali. Pelo parágrafo 2.? do artigo 14, os órgãos e entidades de registro e fiscalização (Meio Ambiente, Saúde, Agricultura e Pesca), se discordarem do conteúdo do parecer técnico da CTNBio, ?poderão requerer a sua revisão?.

O projeto não diz o que acontecerá se a CTNBio mantiver seu parecer. Supõe-se – não está escrito – que o órgão discordante possa recorrer ao Conselho Nacional de Biossegurança, criado pelo mesmo projeto de lei, a quem caberá ?em última e definitiva instância? decidir.

Mas como ele é ?órgão de assessoramento superior do presidente da República nessa matéria?, integrado por 11 ministros e um secretário especial, tomou-se um caminho que pode exigir a intervenção direta do próprio chefe de governo -o que é, no mínimo, complicado e inconveniente.

Também na questão da rotulagem de produtos transgênicos poderão surgir problemas, uma vez que o artigo 22, parágrafo 1.?, estabelece que o regulamento (a ser escrito) ?poderá estabelecer a quantidade mínima de OGM? que dispense a rotulagem. Parece claro que deveria estar escrito ?quantidade máxima?, e não mínima.

Seja como for, o projeto de lei também não resolverá os conflitos federativos já estabelecidos – com o Paraná, que proibiu plantio, comercialização, transporte, trânsito, exportação da soja transgênica em seu território.

Com Mato Grosso e Santa Catarina, que têm leis semelhantes. Com Goiás, onde plantadores (em maioria) e processadores não querem esse tipo de soja e se está discutindo na Assembléia a proibição.

Com vários municípios que já a proibiram. E até com outros países que utilizam portos brasileiros para exportações de transgênicos. Não é difícil antecipar que as confusões perdurarão, em vários âmbitos.

Cada vez com mais fatos consumados, a impedir uma solução satisfatória – curiosamente, no momento em que mais e mais estudos científicos demonstram a variedade de problemas ambientais e até de saúde com os transgênicos.

Além de questionarem a maior produtividade e/ou rentabilidade dos OGMs. Na Grã-Bretanha, no México, na Argentina, na Colômbia. Diante disso tudo, os ?ambientalistas? mais céticos quanto à definição de uma estratégia adequada pelo governo já se estão preparando mesmo é para novos rounds da batalha – quando se tratar do licenciamento do milho e do algodão.

Porque, se os riscos com a soja – que não tem ?parentes? na biodiversidade brasileira – já são inquietantes, nas outras duas espécies a possibilidade de problemas é altíssima. Washington Novaes é jornalista especializado em meio-ambiente (wlrnovaes@uol.com.br).”

 

CENSURA MÉDICA

“Médico não terá mais de aprovar entrevistas”, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/03

“O Conselho Federal de Medicina deverá deixar de obrigar os médicos a exigirem a revisão prévia dos textos das entrevistas à imprensa. A decisão foi anunciada anteontem, em Brasília, na sede do CFM, em reunião da diretoria do órgão com representantes da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e da Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas Profissionais).

A reunião foi proposta pelo CFM em resposta a um ofício da Abraji em outubro. A diretoria do conselho afirmou que debaterá até dezembro próximo a mudança de sua Resolução n? 1.701, baixada em setembro, substituindo a obrigatoriedade de exigir prévio acesso às reportagens pela recomendação aos médicos de outras medidas, como a de gravar suas próprias entrevistas.

Mordaça

Publicada na Folha em 29 de setembro, a resolução é chamada nos meios jornalísticos de ?mordaça dos médicos?, e foi considerada inconstitucional por diversos advogados e especialistas em direito -que a consideraram um cerceamento à liberdade de imprensa.

O artigo 5? da Constituição Federal estabelece que ?é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença?.

O presidente do CFM, Edson de Oliveira Andrade, explicou no encontro que o objetivo principal da resolução foi evitar que ?maus médicos dêem entrevistas e depois não se responsabilizem pelo que declaram?.

De acordo com o presidente do CFM, tem sido comum o aparecimento de reportagens sobre tratamentos sem eficácia científica comprovada, mas, quando os conselhos regionais de medicina interpelam os médicos entrevistados sobre o conteúdo da reportagem, geralmente a informação é atribuída por eles aos jornalistas que os entrevistaram.

A diretoria do CFM se dispôs a submeter a mudança da resolução previamente às entidades representadas na reunião.

No entanto o jornalista Fernando Rodrigues, diretor da Abraji e repórter da Folha em Brasília, afirmou que não seria correto que os profissionais de imprensa interferissem no trabalho da entidade médica.

Casos polêmicos

Os dirigentes do CFM afirmaram que a recomendação de gravar entrevistas deverá, em princípio, ser aplicada somente às reportagens sobre assuntos polêmicos ou a declarações passíveis de terem contestação posterior.

Nesses casos, de acordo com o CFM, deverá o médico informar ao jornalista sua intenção de gravar a entrevista.”