Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Para entender o (aparentemente) ininteligível

LEGISLAÇÃO

Luiz Egypto

Legislação da Comunicação Social ? curso básico, de Antonio F. Costella, 248 pp., Editora Mantiqueira, Campos do Jordão (SP), 2002. Telefone (011) 287-0734, fax 251-0234

Antonio F. Costella é formado em Direito pela Universidade de São Paulo e professor universitário há mais de 30 anos, tendo lecionado na Escola de Comunicações e Artes e na Faculdade de Direito da USP, na Faculdade Cásper Líbero e na Escola Superior de Jornalismo do Porto (Portugal). Atualmente é professor no curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicações da FIAM, em São Paulo.

Seu objeto de estudo primordial é uma espécie de patinho feio dos currículos dos cursos de Comunicação ? e nos de Jornalismo, em particular. A disciplina Legislação dos Meios de Comunicação (ou Legislação e Ética, ou que nome se resolva adotar), ministrada por Costella, é em geral tida como área de conhecimento menor, dona de pouco espaço nas grades curriculares e grande indutora de tédio entre os alunos, catalisado por professores mal capacitados. O trabalho docente do autor reconhece no assunto a importância devida e confere inteligibilidade à linguagem empolada dos textos jurídicos. Esta, digamos, missão já estava presente em alguns dos seus 26 livros publicados, como O Controle da Informação no Brasil e o já clássico Direito da Comunicação.

O professor acaba de lançar Legislação da Comunicação Social ? curso básico e concedeu ao Observatório da Imprensa a seguinte entrevista:

Por que as disciplinas atinentes a legislação e ética são negligenciadas nos currículos das escolas de Comunicação, sobretudo nos cursos de Jornalismo?

Antonio F. Costella ? As disciplinas referentes a legislação e ética da Comunicação existem em praticamente todos os cursos da área, mesmo porque elas sempre foram previstas no currículo mínimo de Comunicação. Há, porém, uma dificuldade nesse setor: é limitado o número de profissionais que dominam adequadamente a matéria de legislação da comunicação. Essa disciplina exige do professor uma boa formação na área do Direito, tornando aconselhável que ele seja bacharel em Direito. Para quem não possui essa formação, é difícil enfrentar e explicar questões jurídicas porque é freqüente um artigo de lei relacionar-se com algum outro texto legal, o que demanda uma visão de conjunto da legislação. Por outro lado, os profissionais do Direito, em sua maioria, não se dedicam à legislação da Comunicação, inclusive por falta de estímulos desde os seus tempos de faculdade. Nos cursos de Direito, é comum o aluno formar-se sem nunca ter lido a Lei de Informação (mais comumente chamada Lei de Imprensa), pois o estudo dos códigos (Penal, Civil etc.) acaba ocupando todo o tempo dos professores.

Seu livro apresenta um resumo didático da legislação brasileira no âmbito da Comunicação. Que avaliação faz de sua aplicação? O sentido da pergunta é o seguinte: se nem a letra da lei é inteiramente aplicada (vide, por exemplo, a inexistência do Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição), o que dizer do direito de resposta previsto no inciso V do art. 5? do texto constitucional?

A.F.C. ? Meu livro Legislação da Comunicação Social tem por objetivo, segundo afirma o subtítulo, ser um "curso básico", uma oportunidade de introdução do profissional ou do estudante da comunicação ao mundo do Direito pertinente à sua área de trabalho. Os profissionais da Comunicação, como os de quaisquer outros setores da atividade humana, têm direitos e deveres, e é necessário que os conheçam para orientar melhor e mais adequadamente as suas ações.

Quanto à Constituição Federal, é preciso lembrar que ela institui os princípios básicos do Direito, dos quais alguns são de aplicação imediata, enquanto outros demandam regulamentação legislativa. Se é verdade que alguns dispositivos, às vezes, permaneçam esquecidos e desprovidos de regulamentação durante anos, a maioria deles produz os efeitos pretendidos pelo constituinte. Por exemplo, o direito de resposta, mencionado na pergunta, é um instituto jurídico regulamentado em textos legais ordinários e extremamente exercitado na prática judicial e extrajudicial. Basta verificar como é grande quantidade de decisões dos tribunais a respeito de exercício do direito de resposta.

Em que medida a garantia do sigilo da fonte (inciso XIV, art. 5?), na forma como é apresentado, pode estimular a produção e divulgação de grampos telefônicos e dossiês ilegalmente apurados?

A.F.C. ? Grampo telefônico, salvo quando legalmente autorizado pelo Poder Judiciário, é crime. E tanto o é que o meu livro trata desse assunto no capítulo IV, local onde explico todos os tipos de crimes referentes à Comunicação. A garantia do sigilo da fonte é outra coisa. É uma garantia jurídica do jornalista. E é, também, um dever profissional. Aqui se aplicam a Lei da Informação e o Código Penal, combinadamente.

Se alguém praticar grampo para obter uma informação que pretende passar a um jornalista, esse alguém está praticando um crime e deve ser punido por isso, mas não incumbe ao jornalista denunciá-lo.

A garantia do sigilo da fonte não isenta, porém, o jornalista de suas responsabilidades, inclusive penais, com relação à matéria transmitida. Por exemplo: se a matéria calunia alguém, o jornalista não é obrigado a revelar a fonte, mas responderá pela calúnia.

O que prevê a legislação sobre a propriedade cruzada dos meios de comunicação? Qual texto legal sustenta o virtual monopólio exercido hoje, no Brasil, pelas Organizações Globo, que mantêm negócios e interesses em todo o espectro da mídia em praticamente todas as regiões do país?

A.F.C. ? Normas referentes à propriedade dos veículos de comunicação são encontradas na Constituição Federal (que está, inclusive, para sofrer uma importante mudança referente à participação de estrangeiros, ora em fase de conclusão no Congresso) e na legislação ordinária, como o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de 1962); Decreto 52.795, de 1963;etc.; e, em especial quanto a limites de concessões para cada entidade, o artigo 12 do Decreto-lei 236, de 1967.

Vale transcrever um trecho da Constituição (art. 221 e quatro incisos): "A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão os seguinte princípios: i) preferência e finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; ii) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; iii) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; iv) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família". Está na Lei Maior… Mas, como explicar ao leigo que nada disso é rigorosamente
cumprido?

A.F.C. ? Como já mencionei, há dispositivos constitucionais que demandam regulamentação em nível de lei ordinária. Enquanto esta não é criada, esse tipo de dispositivo permanece expectante, como uma promessa jurídica, um ideal à espera de ser alcançado. Por exemplo: a Constituição de 1946 previa em seu artigo 158, inciso V, a participação do empregado no lucro da empresa. A promessa constitucional ficou na expectativa, durante longos e longos anos, sem cumprimento prático.

O artigo 221 da Constituição vigente é um texto repleto de boas intenções. E, por enquanto, é só isso.

Que conseqüências práticas para o exercício profissional teve e terá a decisão da juíza substituta Carla Rister, da 16? Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, que suspendeu liminarmente a a exigência do diploma de Jornalismo para a obtenção do registro profissional? Qual sua posição sobre o diploma de Jornalismo?

A.F.C. ? Não antevejo qualquer conseqüência efetiva na decisão, senão, provisoriamente, e no âmbito do processo no qual foi proferida. Trata-se de prestação jurisdicional de uma juíza de primeira instância. Caberá revisão, posteriormente, à segunda instância. Ademais, segundo creio, nenhum tribunal seguirá no rumo adotado pela referida juíza. A legislação ordinária está autorizada pela Constituição (art. 5?, XIII) a impor as "qualificações profissionais" que considere necessárias, como condição prévia ao exercício de qualquer trabalho. Ora, é justamente a lei que exige o diploma para franquear a alguém a profissão de jornalista.

Pessoalmente, acho o diploma uma exigência legal irreversível. E, hoje, necessária.