Thursday, 10 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Para exercitar o ceticismo cívico

PRÊMIOS & GALARDÕES

A.D.


O editor-responsável do Observatório da Imprensa, Alberto Dines, recebeu em 25/4/2002, em São Paulo, o Prêmio Personalidade da Comunicação 2002, categoria Imprensa, conferido pelo 5? Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas. A escolha se deu por votação via internet. Na categoria Empresarial, o homenageado foi Paulo Nassar, diretor-executivo da Aberje. A seguir, o discurso proferido por Dines quando do recebimento do prêmio, no Centro Cultural Rebouças.


Meus amigos, prometo que serei breve. Breve e indolor. Dizem os manuais e os mestres de cerimônia que é de bom-tom agradecer uma homenagem. Eu acrescentaria que a retribuição não deve ser formal nem protocolar. Há na elite brasileira uma preocupação pelo desapreço. Para mostrar independência e ganhar simpatias as pessoas procuram ser impolidas, agressivas e até grosseiras. Coisas da elite, dos news-makers, das celebridades, dos pré-candidatos e da mídia que tanto valoriza a falta de urbanidade.

Como não faço parte desta elite quero dizer com todas as letras que fiquei surpreso e tocado quando soube que fui escolhido, junto com o Paulo Nassar, como Personalidade da Comunicação. Fico mais surpreso e tocado quando chego aqui e encontro tantos amigos, tanto esmero, tanto empenho e tanta delicadeza em homenagear os premiados mesmo que um deles, como eu, não se considere merecedor da escolha. Aos votantes e organizadores do pleito, meus irrestritos agradecimentos.

Mas jornalistas têm um compromisso com a coerência. Sem coerência não existiríamos, seríamos descartáveis como o papel do jornal do dia anterior. A coerência amarra o nosso desempenho, a coerência dá sentido à sucessão de edições, a coerência dá nexo a uma atividade intermitente, entrecortada e volátil como a nossa.

E em nome da coerência não posso furtar-me de lembrar aos amigos e sobretudo aos organizadores desta festa que há anos venho criticando a febre dos prêmios de jornalismo. Sim, é isto mesmo ? sou contra esta farta distribuição de comendas, títulos, medalhas, placas e distinções através da qual a sociedade brasileira descobriu um meio de cooptar os meios de comunicação sem recorrer à censura ou à manipulação.

Hoje, chegamos a uma situação quase absurda em que qualquer empresa, pública ou privada, grupo empresarial ou entidade com algum problema de imagem, inventa um prêmio ? naturalmente com o seu nome ? para galardoar a imprensa e assim ser beneficiada pelo noticiário que isto vai gerar, antes, no meio e depois da festa.

O mais famoso prêmio de jornalismo brasileiro, o Esso, começou exatamente assim, como jogada de RP (era assim que se chamava) para contornar a má-vontade para com a mais emblemática e problemática das Sete Irmãs do petróleo. Os veteranos da McCann, da Rua México, número 3, podem confirmá-lo.

Mas isso não tira os méritos dos premiadores nem dos premiados pelo Esso ou Exxon ao longo deste meio século. O que se constitui como demérito é a enxurrada de prêmios de jornalismo, de imprensa ou comunicação. Até entidades do 3? Setor, teoricamente alternativas e teoricamente reformistas, ao engajarem-se na conquista dos corações e mentes dos gatekeepers nas redações, também puseram-se a premiar jornalistas. E com prêmios em dinheiro! Isso sai da esfera da incoerência para classificar-se como conflito de interesses. Sabemos todos que o 3? Setor precisa da ajuda da imprensa para chegar ao seio da sociedade, o 3? Setor precisa mobilizar a sociedade para converter-se em seu legítimo instrumento. Mas desconfio que um prêmio de jornalismo não seja o melhor meio de fazê-lo. Em algum ponto deste processo escondem-se perigosas contaminações.

Prêmio é o reverso de castigo. É da natureza humana e também da natureza não-humana ser empurrada por estímulos. Está ai Pavlov para confirmá-lo. Mas a atividade jornalística não pode atrelar-se aos prêmios e medalhas para buscar a excelência.

Estamos falando aqui de uma profissão ou de uma função social ou de um estado de espírito marcados por um espírito missioneiro que devem encontrar a gratificação não em fatores externos ou exógenos mas na essência mesma do seu exercício.

A noção do dever cumprido é o prêmio maior de um jornalista. E esse prêmio é conferido ao fim de cada edição ou tarefa. Se você, jornalista ou comunicador, vai para a casa depois de um dia de trabalho e avalia que valeu a pena, que você deu o máximo ao seu leitor, ouvinte ou telespectador para que ele entenda o que aconteceu, então você está ganhando o prêmio maior ? a alegria de viver. Essa satisfação íntima é mais valiosa do que diplomas e consagrações.

O grande Samuel Wainer disse-me uma vez em meados dos anos 50: quer ganhar um prêmio de jornalismo? Vá até a banca e veja como se comporta o teu leitor. Hoje ninguém mais vai à banca para ver como é que nos lêem ou se estamos nos desempenhando com acerto. Aquele tipo de prêmio foi-se, junto com tanta coisa boa. Hoje temos as sondagens, os ibopes, os grupos de discussão e a Internet que tiraram o supremo gozo da consciência do dever cumprido.

O reconhecimento do Outro é indispensável, o reconhecimento é um vínculo e um vetor que nos empurra para o melhor mas, deixem-me dizer com toda a candidez que a indústria do reconhecimento pode degradar as melhores intenções.

Quero acrescentar que esta indicação veio num momento muito importante e, por isso, recebo-a com o maior respeito e apreço. Neste mês de abril o site do Observatório da Imprensa está completando seis anos de vida. Ininterruptos, persistentes e, sobretudo, extraordinariamente reconhecidos por aqueles aos quais o Observatório deve servir.

Tem mais: agora, no início de maio, nosso programa de televisão, o Observatório da Imprensa completará quatro anos igualmente ininterruptos, igualmente reconhecidos e igualmente apreciados pelo público ao qual se destina.

Nosso projeto começou no Labjor da Unicamp há exatos oito anos, na gestão do reitor Carlos Vogt, também em Abril e converteu-se numa success story ímpar em todo o mundo por uma única razão: é um trabalho coletivo, integrado, responsável, multidisciplinar, solidário, anônimo e despojado.

Nosso prêmio é saber que os gatekeepers das redações sabem que o Observatório os observa. Não queremos nada mais do que isso, fazer saber aos outros que estão sendo observados. Observar é a nossa maneira de intervir.

Nosso prêmio é ousar e nossa ousadia não se resume a encarar o poderio de uma mídia tão qualificada como a nossa. Nosso prêmio e nossa ousadia consistem em acreditar que justamente porque dispomos de uma imprensa tão qualificada precisamos ajudá-la criando na sociedade as naturais contrapartidas e os naturais contra-poderes sob a forma de uma audiência mais ativa, mais participativa e mais exigente.

Em 1808, o patriarca Hipólito da Costa criava no exílio o primeiro periódico brasileiro mas criava, ao mesmo tempo, a noção de que a imprensa precisava ser discutida e acompanhada. Nós apenas estamos dando seqüência ao que ele começou. O prêmio é dele e do punhado de bravos nestes três séculos nos dois lados do Atlântico que dispuseram-se a exercitar o maravilhoso dom da dúvida no trato com a notícia.

Personalidades da Comunicação legítimas, autênticas, merecedoras de todas as homenagens são os herdeiros de Hipólito que ajudaram a criar e estão empenhados em manter os Observatórios da Imprensa na Internet e na TV: Mauro Malin, Luiz Egypto, José Carlos Marão, Marinilda Carvalho, Luiz Antônio Magalhães, Muniz Sodré, Cláudio Weber Abramo, Luiz Weis, Deonísio da Silva, Nelson Hoineff, Ulisses Capozoli, Eugênio Viola, Zezé Sack, Lúcia Abreu e as respectivas equipes.

Os grandes premiados desta festa são os 25 colaboradores regulares por edição, os 276 leitores-articulistas e 548 missivistas que já escreveram para o Observatório neste ano, os nossos 3.500 unique visitors diários e aquele ponto e meio da audiência média, nacional, nas duas redes públicas de TV.

"Você Nunca Mais Vai Ler Jornal do Mesmo Jeito" não é slogan, é o prêmio que oferecemos ao cidadão brasileiro animando-o a ter dúvidas, a exercitar o ceticismo cívico. A eles o nosso aplauso . A eles a nossa saudação. A vocês, o nosso aplauso.