IMPRENSA & MANIPULAÇÃO
Eugênia Rodrigues
Você sabe ler jornal? E revista? Calma, não estou me referindo à leitura como mera decodificação de letras. Pergunto se você percebe, no meio de um monte de informação, para qual caminho o veículo de comunicação está te levando. Sim, porque, tenha certeza, na maior parte das vezes em que você está lendo um jornal ele está, desde as fotos escolhidas para a capa até o uso de um verbo em vez de outro, quase sinônimo, levando o leitor a uma ou outra direção.
Principalmente no primeiro caderno, que influencia o voto de cada um de nós. Inicialmente, é importante saber que nem sempre o que está no jornal, na revista ou na televisão é importante, ou mesmo verdade. A noção de que o que está escrito no livro é a fiel expressão da verdade é passada a nós muito cedo ? desde a escola, não somos muito incentivados a duvidar, não é mesmo? Pois então… Veja só, a Veja estampou na capa uma foto da Cássia Eller indicando que a cantora teria morrido de overdose. Mais tarde, foi comprovado que tal não ocorreu. Mas a Veja não achou importante publicar uma nova capa se desculpando com seus leitores ? e com a família de Cássia ? pela leviandade.
Numa das últimas edições, a capa da mesma Veja foi ocupada com uma foto de Xuxa. Título da matéria: "A loiraça de 250 milhões de dólares." Agora, a questão não é verdade/mentira, e sim de relevância: num país em plena corrida presidencial, com surtos de dengue e escândalos pipocando, qual a importância de se noticiar a fortuna de Xuxa? Algum brasileiro ainda não sabe disso? Detalhe: Xuxa, anos atrás, foi capa da mesma publicação com a manchete "A loirinha de 19 milhões de dólares."
Fique de olho, também, no espaço que o meio de comunicação dá aos agentes políticos. Se você prestar atenção, verá que dificilmente políticos de uma mesma importância têm espaço aproximado. E isso não é novo, claro. A professora Betânia Mariani, no livro O PCB e a imprensa (Ed. Revan. E Ed. da Unicamp, 1998) observa que o PCB, durante anos, não "falava" na imprensa, e sim "era falado". Ou seja, suas declarações apareciam sempre sob a forma de discurso indireto ? o que sempre enfraquece o que se diz. A primeira vez em que se leu num jornal "Luís Carlos Prestes disse" seguido de dois pontos e um travessão foi quando Prestes foi eleito senador, em dezembro de 1945.
Mídias alternativas
Vou pegar agora um caso recente, e bem ilustrativo: jornal O Globo de 25 de março de 2002.
Manchete de capa: "Líderes do MST são presos e responderão por 5 crimes". Subtítulo: "Negociadores do Incra se demitem. Sem-terra esvaziaram adega da fazenda dos filhos de FH." Na capa, são transcritas apenas declarações do ex-ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira.
Página 2: a colunista do Globo Diana Fernandes também se pronuncia contra a ocupação.
Página 3: os travessões ? lembrem-se, eles indicam o discurso direto do interlocutor [Nota do OI: para declarações, O Globo usa travessões, e não aspas, como os demais jornais] ? são privilégio novamente do ministro da Justiça (quatro vezes) e do ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann (uma vez). No pé da página 3 entram, sem destaque, três declarações dos servidores do Incra que tentaram negociar a retirada.
Página 4: três declarações do general Alberto Cardoso. No final da matéria, duas frases do senador Jefferson Peres (PDT-AM) e do deputado federal José Genoíno (PT-SP) sobre a atuação da Abin no caso. Num quadro separado, declarações do prefeito de Buritis sobre suposta ocupação do MST na prefeitura, tempos atrás. Depois da declaração do prefeito, e só então ? repare, estamos já no fim do quadro da página 4 do jornal ? vemos uma declaração de um integrante do MST ? Gilmar de Oliveira, porta-voz do movimento. Apenas duas frases, que ocupam três linhas, sobre a ausência de vínculo do MST com partidos políticos. Nenhum espaço foi dado à defesa do movimento ou da ocupação.
Página 5 ? Continua a fala de integrantes do governo ? um aliado não-identificado, o general Alberto Cardoso novamente, o secretário-geral da Presidência. Corte para a Seção de Cartas.
Não se está querendo, aqui, defender um ou outro lado. Apenas observar um fato incontestável: em quatro páginas sobre o assunto, o jornal O Globo praticamente expôs apenas a visão do governo FHC sobre a ocupação. Onde está a isenção jornalística?
Outro exemplo? No ano passado e ainda no começo deste ano vimos na TV imagens da crise argentina: o povo argentino protestando contra presidentes, ministros e até a política econômica nas ruas. Greves, saques e mobilizações nacionais foram organizadas. Na televisão, os analistas econômicos de sempre davam suas opiniões ? mas, surpresa, o cidadão argentino, principal interessado, não era ouvido! Não víamos, na televisão, os líderes dos movimentos explicando seus motivos ou a situação do país. O clima na mídia era de certa pena por aquele povo desesperado que saqueava as ruas ? mas esse povo não tinha direito à fala. Qual o medo da grande imprensa? Que nossos vizinhos sirvam de exemplo?
Finalmente, repare como a grande mídia está silenciando sobre as denúncias fraude nas urnas eletrônicas. Em ano eleitoral, o assunto mereceria destaque em qualquer país do mundo (para se informar mais, entre em <www.votoseguro.org>).
Queria continuar o assunto ? que, tenha certeza, se renova a cada dia ? mas não caberia aqui. A manipulação da mídia em cima dos fatos políticos, econômicos e culturais dá "pano pra manga", como se diz. É fundamental que leiamos jornal e vejamos televisão com olhos atentos. E procuremos, sempre, acessar mídias alternativas. Dentro do universo dos jornais, penso que o que mais se aproxima do equilíbrio ainda é a Folha de S.Paulo; as revistas Carta Capital e Caros Amigos trazem sempre matérias que não vemos em lugar algum. E o programa Observatório da Imprensa, na TVE, é fundamental para que você "nunca mais leia jornal do mesmo jeito".