Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Paysandu perseguido

MÍDIA ESPORTIVA

Clóvis Luz da Silva (*)

Se alguma coisa revolta profundamente é a discriminação
contra quem não tem espaço para se defender nas mesmas
condições em que é ofendido. Explico. A mídia
esportiva sempre se caracterizou por privilegiar notícias
relacionadas aos grandes times de Rio e São Paulo. E sempre
que um time de fora desse eixo ganha expressão por alguma
conquista importante, o foco da mídia se volta para esse
clube, mantendo sobre ele a atenção somente durante
o tempo em que os efeitos da conquista ainda repercutem. Foi o caso
do Paysandu. O clube paraense conquistou a Copa Norte, o Torneio
dos Campeões, no ano passado, obtendo o direito de neste
ano participar como um dos representantes brasileiros na Copa Libertadores
da América.

Nesse torneio, o clube paraense foi o que teve o melhor desempenho
na primeira fase, terminando em primeiro lugar de seu grupo, situação
idêntica à de Santos, Corinthians e Grêmio, com
a vantagem de ter tido maior número de vitórias e
de gols. Pois bem, pouco antes da definição de que
clube brasileiro pegaria o Boca Junior na segunda fase, o portal
Terra destacava que a definição dos grupos e o rumo
da competição indicavam um possível confronto
com Corinthians, ignorando absurdamente que, àquela altura,
quem jogaria com o Boca já na segunda fase seria o Paysandu,
o provável primeiro lugar de seu grupo, visto que o Boca
terminaria em segundo lugar no seu.

Mas, para que destacar esse confronto, se era um timinho do Norte
do Brasil, e não o poderoso Timão quem enfrentaria
o Boca no caldeirão de La Bombonera? Resultado: o Paysandu
ganhou do Boca lá na Argentina, sendo infelizmente derrotado
no Mangueirão, deixando a competição para decepção
de milhões de torcedores não somente do Pará
como também de todo o Norte desse grande país, que
nunca antes tivera um representante na Copa Libertadores.

Agora, no Campeonato Brasileiro, a situação se repete,
desta vez de forma mais escancarada, e novamente envolvendo os dois
times: de um lado, o Corinthians como o centro das atenções,
do outro, o Paysandu, como um patinho feio em meio aos lindos cisnes.
Tudo começou quando o STJD puniu o presidente do clube, Arthur
Tourinho, com 120 dias de suspensão por este ter ofendido
o presidente da Federação Paraense de Futebol, Antônio
Carlos Nunes. Amparado por liminar da Justiça comum paraense,
Artur Tourinho assinou o contrato de dois jogadores, Júnior
Amorim e Aldrovani. Esses jogadores participaram da partida aqui
em Belém contra o Corinthians, que terminou empatada. Alertado
não se sabe por quem, o clube paulista imediatamente recorreu
ao STJD para ganhar os pontos da partida, alegando em sua petição
a irregularidade na contratação dos citados jogadores.

Sem surpresa

A partir deste fato, coisas bizarras passaram a acontecer na mídia
esportiva, como as matérias diárias da Agência
Estado distribuídas a vários jornais do país,
dando conta de que o Paysandu "deve" ser punido pelo STJD.
Frases do tipo "o Corinthians aguarda a decisão do STJD,
que deve (grifo meu) punir o clube paraense", têm
aparecido quase que diariamente. É óbvio que esse
deve, sintaticamente falando, não é uma declaração
prévia da culpa do time bicolor, devendo ser entendida como
"é quase certo" que será punido. Tal afirmação,
nada imparcial, surge porém no rastro de um comportamento
que deduz de antemão que não tem direito a defesa,
nas mesmas condições e proporções em
que é acusado, um clube pequeno e sem tradição
como o Paysandu.

Isso foi perfeitamente materializado em afirmação
do vice-presidente do STJD, de que o Corinthians não apenas
tem direito a recorrer como, em o fazendo, ganhará os pontos
pleiteados. Por sua vez, o presidente do STJD, Luiz Sweiter, ameaça
suspender o Paysandu do campeonato, demonstrado uma predisposição
condenatória incomum num magistrado cuja postura deve ser
a de total imparcialidade diante de fatos ainda em julgamento, não
dando margem a suspeições de vício, de favorecimento
e de outras formas escusas de se obter vantagens judiciais.

Em nenhum momento os grandes jornalistas esportivos deste país
questionaram esses fatos. A mídia se faz de surda quando
alguém protesta contra episódios dessa natureza. A
senadora do PT pelo Pará, Ana Júlia Carepa, subiu
à tribuna do Senado para manifestar seu repúdio à
forma discriminatória como o clube paraense vem sendo tratado
pela mais alta corte da Justiça Desportiva do país.
Torcedora declarada do Clube do Remo, rival local do Paysandu, a
senadora atribuiu à tentativa de se beneficiar grandes clubes,
como Grêmio e Fluminense, perto do rebaixamento, a manobra
para tirar os pontos do Paysandu. Na esteira do Corinthians, também
recorreram ao STJD Ponte Preta, Goiás e Vitória, para
ganharem os pontos das partidas contra o clube paraense. Se esses
pontos forem retirados do Papão será ele um dos prováveis
rebaixados para a segunda divisão.

Nenhum veículo da mídia esportiva repercutiu o discurso
da senadora paraense. Alguma surpresa nisso?

(*) Estudante de Letras, Ananindeua, PA