Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Pedro Doria

NYT EM CRISE

“Cabeças cortadas”, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 5/06/03

“Exatas cinco semanas após a demissão do jovem repórter Jayson Blair por fraude, pediram dispensa dos cargos no New York Times o editor-chefe Howell Raines e seu braço direito, o editor executivo Gerald Boyd. Eram os dois jornalistas mais graduados na hierarquia da redação. Assim, a mais grave crise na história recente do maior jornal do mundo chegou a um novo ápice.

Na reportagem publicada no site do Times, o repórter Jacques Steinberg explica que ?após o anúncio das fraudes do senhor Blair, divulgadas numa matéria de quatro páginas, ficou claro que o estilo duro de liderança do senhor Raines não apenas criou uma atmosfera que permitiu ao senhor Blair fazer o que fez sem ser percebido como também alienou boa parte da equipe do contato com a chefia boa.?

Em se tratando de uma reportagem sobre o próprio Times, o jornal seguiu seu caminho com franqueza ímpar, de todo rara na imprensa. Esta tem sido a marca da cobertura de todo o assunto: não esconder nada, imolar-se em público, tudo em nome da recuperação da credibilidade perdida.

Quando o presidente da New York Times Company, Arthur Sulzberger Jr., aceitou nesta quinta pela manhã a demissão dos dois editores, fez deles a dupla que menos tempo ficou na direção do jornal desde finais dos anos 1960. Entre 1968 e 1969, James Reston dirigiu o jornal por menos de dez meses. Mas, no caso dele, foi uma espécie de interinidade prêmio por ter sido o mais influente jornalista em Washington durante quase 40 anos; no caso de Raines, que ficou dois anos e meio, ele cai por que o jornal publicou mentiras.

De certa forma, foi injusto, uma falta de sorte. Como editor-chefe do principal jornal do país, Howell Raines ganhou para o Times sete prêmios Pulitzer em 2001, um recorde sem precedentes na história da imprensa norte-americana. O mais prestigioso prêmio do ramo foi parar assim em quantidade na redação do diário pela extensa cobertura feita dos atentados ao World Trade Center. Raines é responsável, em particular, pela decisão de publicar, todos os dias, pequenas biografias de cada uma das vítimas das torres e dos aviões.

E os Pulitzer vieram após um longo jejum. Na administração anterior, a cargo de Joe Lelyveld, o Times ganhou 12 Pulitzers em longos sete anos. Entre 1999 e 2000, não veio nenhum. Curiosamente, é o veterano Lelyveld, aos 66 anos, que assume interinamente no lugar de Raines.

Há qualquer coisa de impressionante quando um jovem repórter é capaz de derrubar os dois principais editores de um jornal como o Times. O segundo de Raines, Gerald Boyd, foi o primeiro negro no alto escalão. Esta esforço da administração de Raines e Boyd para fazer da redação um ambiente mais igualitário racialmente é que abriu camainho para a vertiginosa carreira de Jason Blayr, de 27 anos.

Em seu último período de seis meses no jornal, Blayr plagiou o trabalho de repórteres de outros veículos, inventou entrevistas e até mesmo a descrição de cenários. Quando o levantamento de todas as mentiras que publicou nas páginas foi finalmente trazido a público, Raines e Boyd puseram-se à frente da redação para uma conversa. Segundo o San Francisco Chronicle, ele disse que ?vocês me vêem como inacessível e arrogante. Vocês acreditam que a redação é muito hierarquizada, que minhas idéias vão para a frente e outras são ignoradas. Ouvi que vocês estão convencidos de que há um star system que separa os meus favoritos para galgar degraus.? Blayr era um destes.

Desde então, uma equipe de jornalistas foi contratada para rever todos os trabalhos do diário e encontrar novas fraudes. Na semana passada, o prestigiado repórter Rick Bragg, com um Pulitzer no currículo, pediu também o chapéu. Foi descoberto que ele havia usado os serviços de um repórter freelancer para a apuração de uma reportagem sua – sem dar o devido crédito.

De todo o lamaçal, resta ao New York Times publicar tudo e contar ao leitor seu drama. Té agora, tem feito isto.”

“Escândalo derruba editores do ?Times?”, copyright Jornal do Brasil, 6/06/03

“O jornal The New York Times, um dos mais influentes do mundo, anunciou ontem que seu editor-executivo, Howell Raines, e secretário de redação, Gerald Boyd, pediram demissão em função do escândalo sobre ética jornalística que envolveu dois repórteres da publicação.

Os dois editores enfrentaram críticas depois da revelação de que o ex-repórter Jayson Blair, 27 anos, tinha plagiado e inventado diversas reportagens durante os quatro anos de sua carreira no Times.

No dia 11 de maio, o jornal publicou matéria de quatro páginas com as fraudes de Blair, que pediu demissão no início do mês. Raines e Boyd foram acusados de negligenciarem os erros do repórter. Blair assinou reportagens de lugares em que não estava, plagiou textos e inventou entrevistas.

Além de Blair, outro repórter, Rick Bragg, pediu demissão em meio a acusações de falta de ética. No dia 23 de maio, na seção ?Correções?, o Times denunciou que Bragg assinou sozinho uma reportagem mesmo tendo sido ajudado por um colaborador free -lance.

?Howell e Gerald apresentaram seu pedido de demissão e eu os aceitei com tristeza, baseando-me no que acreditamos ser melhor para o Times?, disse, em nota, Arthur Sulzberger, presidente do jornal.”

“?New York Times? faz ?exame de consciência? em editorial”, copyright O Estado de S. Paulo, 7/06/03

“O jornal The New York Times comentou ontem, em editorial, a demissão de seu diretor de redação, Howell Raines, e do chefe de redação, Gerald Boyd, anteontem, e toda a crise desencadeada pelos plágios cometidos pelo repórter Jayson Blair.

?Se alguma vez alguém já precisou avaliar a dedicação dos funcionários do New York Times ao jornal, o nível de angústia provocado pelo incidente Blair serve como gabarito. A descoberta de que um jovem repórter fraudou ou plagiou grande número de artigos resultou numa extensa cobertura noticiosa, mas a publicidade fora do jornal não foi nada em comparação com a raiva e o exame de consciência interno. Esta semana, o diretor e o chefe de redação decidiram que a repercussão negativa provocada pelo caso Blair os estava impedindo de exercer a liderança eficaz da qual o Times precisava. Na quinta-feira, ambos pediram demissão?, diz o editorial.

?Raines estava encarregado da redação fazia menos de dois anos, período no qual o jornal ganhou oito prêmios Pulitzer. Poucos dias depois de se tornar diretor, os terroristas destruíram o World Trade Center e, sob sua direção, o jornal ofereceu uma cobertura das conseqüências que marcou um dos períodos de maior orgulho nos 152 anos de história do Times. Na quinta-feira, quando seu principal acionista e diretor responsável, Arthur Sulzberger Jr., relembrou os extraordinários feitos de ambos os homens no decorrer de suas carreiras, disse: ?Este é um dia que parte meu coração.? E não estava sozinho?, continua.

O texto ressalta, algumas linhas depois: ?A luta de um líder para recuperar o controle de uma função que enfraqueceu pode exaurir a energia da instituição que ele está tentando comandar.? Mas o editorialista observa: ?O bem-estar de uma grande instituição é sempre mais importante do que a carreira das pessoas que a administram. Raines e Boyd compreenderam isso e foi esse o motivo pelo qual resolveram partir.?

O cargo de diretor agora é ocupado interinamente – até que seja instituída a nova equipe de comando – por Joseph Lelyveld, que se aposentou como diretor de redação em 2001.

?Introspecção forçada? – O editorial prossegue com uma reflexão sobre o exercício do jornalismo e a credibilidade do leitor: ?O bem de qualquer instituição particular depende de seu pessoal, mas o bem dessa instituição depende igualmente da confiança que os leitores depositam nela, uma confiança baseada na crença de que todo dia o jornal luta para corrigir as coisas. O jornalismo é um negócio imperfeito, é o trabalho de informar, compreender e escrever sobre a complexidade dos assuntos humanos. Como todos os empreendimentos humanos, o jornalismo não é passível de perfeição, mas deve estar rumando nessa direção.?

?A introspecção forçada pela qual o Times está passando desde que o caso de Blair veio à tona será saudável a longo prazo. Uma série de sucessos espetaculares pode ter nos tornado demasiadamente pretensiosos, seguros demais de que o futuro simplesmente traria mais do mesmo. Agora, estamos reexaminando algumas de nossas normas e estruturas internas?, reconhece a direção.

?As últimas semanas não têm sido particularmente agradáveis para nós aqui dentro, mas, mesmo nos momentos de maior tensão interna, os repórteres e os editores têm executado suas tarefas. Isso vem da força da instituição.

Raines e Boyd partiram para proteger essa força e o sacrifício deles dá ao restante de nós um motivo a mais para trabalhar pela meta eterna da reportagem perfeita?, conclui.”

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“Escândalo Blair derruba cúpula do ?Times?”, copyright O Estado de S. Paulo, 6/06/03

“Dois diretores do The New York Times se demitiram ontem, depois de semanas de tensão e polêmica devido ao escândalo originado por um repórter, Jayson Blair, que reconheceu ter cometido plágios e invenções em suas reportagens durante meses.

Os dois funcionários que se demitiram, ambos de primeiro escalão no esquema de direção do jornal, são o diretor-executivo, Howell Raines, e o diretor-administrativo, Gerald Boyd, segundo informou o presidente da empresa, Arthur Sulzberger, em um memorando.

O jornal anunciou que o ex-diretor-executivo do Times Joseph Lelyveld assumirá de forma interina o cargo de Raines, e o lugar de Boyd ficará vago por enquanto. O memorando explica que Howell e Gerald contribuíram muito para o jornal, mas, considerando os fatos ocorridos no último mês, chegaram à conclusão de que, ?para o ?Times, era melhor que se demitissem?.

?Embora as últimas semanas tenham sido difíceis, continuamos firmes em nosso compromisso com os funcionários, os leitores e os anunciantes de produzir o melhor jornal possível, assumindo os mais altos padrões de integridade e jornalismo?, disse o diário em um comunicado oficial.

O escândalo começou no início de maio, com as revelações de que o repórter Jayson Blair tinha plagiado textos de outros jornalistas, inventado declarações e simulado cobrir de perto eventos que, na verdade, fazia de sua própria casa.

Blair confessou ter enganado a direção do jornal e, em declarações a outros meios, chegou a rir do fato de o jornal ter publicado um longo texto com vários trechos plagiados e inventados.

Enquanto aumentavam as críticas ao comportamento de Blair, que foi alvo de queixas de seus superiores, ignoradas pela cúpula do jornal, suspendeu outro jornalista porque ele não mencionou o nome de um colaborador que ajudara consideravelmente em uma reportagem.

Em 29 de maio, o jornalista Richard Bragg, que já ganhou o prêmio Pulitzer, anunciou sua demissão do Times.

Na carona da polêmica, o concorrente Washington Post publicou uma troca de e-mails raivosos entre dois jornalistas do Times. John Burns, que foi chefe chefe do escritório em Bagdá, acusou a colega Judith Miller, especialista em terrorismo, de entrevistar Ahmed Chalabi, líder da oposição iraquiana, sem avisá-lo.

A partir da revelação dos escândalos, a situação de Raines com os repórteres e editores começou a se deteriorar. Raines e Boyd receberam críticas sobre as sucessivas promoções que Blair recebeu – passando de estagiário a repórter de Nacional em 4 anos. Em uma reunião tensa com outros jornalistas, Raines foi obrigado a justificar sua manutenção à frente do jornal, dizendo que tinha o apoio do diretor do jornal, Arthur Sulzberg. (AP e EFE)”