Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Percival de Souza e Jô Soares

CASO TIM LOPES

Fernando Machado (*)

Assisti, no programa de Jô Soares, à entrevista de dois blocos com o jornalista investigativo Percival de Souza, que escreveu um livro sobre o assassinato de Tim Lopes. O senhor Percival disse em certo momento que jornalistas investigativos como ele e como Tim Lopes precisam se manter anônimos para poder trabalhar. Deu o exemplo de que se for a uma festinha, por exemplo, um bom jornalista investigativo deverá tomar a precaução de não se deixar fotografar. Ora, se o senhor Percival quisesse realmente se manter anônimo, mais do que tratar de se camuflar atrás de um bolo de aniversário, ele não teria ido a um dos programas de maior audiência do país.

A extensão de dois blocos da entrevista é coisa rara no Programa do Jô. Certamente vai fazer com que a edição do livro se esgote, como já disse o gordo apresentador diversas vezes em seu programa sobre o efeito das entrevistas na vendagem dos livros. Mas o motivo da extensão extraordinária da entrevista foi enfatizar um dos elementos do lead jornalístico: o “como”.

Mais do que o “o quê”. Sabedores de que não há nada que venda mais do que sangue e violência, o entrevistado teve tempo para detalhar (e inventar) como Tim Lopes foi morto pelos bandidos, e Jô Soares fingia estar sofrendo amargamente ao ouvir a riqueza de detalhes cruéis para, em seguida, continuar pedindo que contasse mais. Se o senhor Percival fosse o amigo que ele dizia ser do jornalista barbaramente assassinado, teria poupado o Brasil e a família do morto de tantos detalhes horrendos.

O impacto dos detalhes foi amortecido pela imaginação do jornalista. Explico: muitas coisas descritas por ele estão mais para ficção do que para jornalismo comprometido com a realidade. Jô Soares chegou a lhe questionar as fontes, mas desistiu ao ver o entrevistado gaguejando e ao perceber que a veracidade poderia atrapalhar a digestão do público.

O que o senhor Percival e a grande mídia vêm tentando fazer é transformar Tim Lopes em mártir. Porém, ser esquartejado não faz de ninguém um Tiradentes. O jornalista da Globo, infelizmente, morreu tentando mostrar uma coisa que todo mundo está careca de saber.

(*) Estudante de Jornalismo da Universidade de Uberaba, MG

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