Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Pimenta da Veiga

INTERESSE P?BLICO

RADIODIFUSÃO EM DEBATE

"Radiodifusão sem dogmas, copyright O Estado de S. Paulo, 19/7/01

"Desejo analisar alguns aspectos relativos ao anteprojeto da nova Lei da Radiodifusão. Muito útil tem sido a discussão até aqui travada. Como previ ao lançar o anteprojeto em consulta pública, em 21 de junho, a matéria tem recebido um apreciável volume de sugestões. Tanto que, desde logo, informo sobre a decisão de prorrogar o prazo de consulta pública para que todas as sugestões possam ser encaminhadas, sem atropelo.

Agradeço o esforço de quem nos tem enviado suas opiniões complementares ou críticas. Assim como venho desprezando as manifestações ressentidas ou aquelas marcadas pela suspeição dos que procuram garantir privilégios que o anteprojeto busca modificar.

Trata-se de um anteprojeto e como tal dever ser avaliado. Ao colocá-lo em consulta, destaquei de forma sincera e despretensiosa que, certamente, entre as sugestões a serem apresentadas, muitas viriam aperfeiçoar o trabalho, que eu sabia não ser perfeito, muito menos intocável. Alguns críticos, diante do nível com que procuram atingir o anteprojeto, dão a impressão de desconhecer essa minha disposição.

Com a isenção de quem não será aplicador das novas regras, já que a aprovação do projeto no Congresso Nacional e sua regulamentação não devem ocorrer antes de minha saída do ministério, procurei elaborar um anteprojeto contemplando alguns princípios fundamentais, dentro do melhor cenário para a radiodifusão brasileira, com todas as suas naturais repercussões.

Desde os primeiros momentos no Ministério das Comunicações tenho defendido a criação do Ministério da Infra-Estrutura, envolvendo Transportes, Minas e Energia e Comunicações. Não há, desse modo, a idéia de fortalecer o ministério que ocupo, assim como é inútil o esforço dos que querem sua simples extinção, porque a definição das políticas do setor de Comunicações – como de Minas e Energia e Transportes – sempre será, necessariamente, desempenhada por algum ente político, isto é, algum ministério.

Assim, observa-se curiosamente que, sendo eu um agente passageiro, com data certa para deixar o setor, tenho maior isenção para tratar do assunto do que alguns de seus atores permanentes ou de longo prazo, que, por isso mesmo, podem ter prejuízos ou benefícios pela extinção ou criação dessa ou daquela regra.

Há, ainda, os dogmáticos de todos os tipos. Defendem os próprios dogmas, ou dogmas alheios. Entre esses, há os que dão a impressão de que seus interesses são outros, inconfessáveis. Uns não leram e não gostaram; outros leram e não conseguiram entender. Uns e outros criticam porque assim lhes foi encomendado.

Houve até alguém que criticou o anteprojeto da Lei da Radiodifusão porque não trata do capital estrangeiro. A Constituição reserva exclusivamente a brasileiros a exploração dos serviços de radiodifusão. E nenhuma lei ordinária nem complementar pode dispor sobre tema regido pela Constituição federal.

Uma questão oportuna que veio ao debate se refere à competência da Anatel. É bom debater esse tema. Os ideólogos do atual modelo de telecomunicações preferiram não deixar com a Anatel, quando de sua criação, os serviços de radiodifusão. As informações sobre as razões que orientaram essa decisão, além de contraditórias, não me parecem essenciais. Estamos, neste ponto, apenas mantendo o estado atual. E assim fazemos porque a Anatel deve concentrar-se em seu importante trabalho na área de telecomunicações, nesta fase de grande expansão dos serviços, sem desviar-se para outras ações que poderiam perturbar sua tarefa principal.

No futuro poderá o legislador determinar a transferência da outorga para a Anatel, ou mantê-la no provável Ministério da Infra-Estrutura. Note-se que não foi proposta a criação de uma agência de radiodifusão, como defendiam alguns. Ressalte-se, ainda, que a Anatel não tem conseguido dar ao setor de radiodifusão a mesma atenção que dispensa às telecomunicações.

Há um número enorme de emissoras ilegais de radiodifusão funcionando, quase que como um achincalhe à autoridade. E essa irregularidade não tem sido coibida devidamente pela Anatel. Alguns calculam que podem chegar a 7 mil, 8 mil as emissoras clandestinas e, apesar de reiterados alertas que fiz à direção da Anatel sobre essa situação, não se produziu ação coercitiva adequada. Fator como esse é que me leva a considerar inoportuna a transferência imediata desses serviços para a agência.

Em meio a essa discussão, retomam a proposta de juntar na Anatel os serviços de telecomunicações, de radiodifusão e os serviços postais. O único argumento é de que essa foi a idéia inicial e, portanto, assim tem de ser.

No caso do setor postal, em expansão em todo o mundo e com enorme avanço no Brasil, nada aconselha essa mistura, a não ser a simples busca de poder. Se alguém, hoje ou ontem, pensou nessa concentração, evidentemente incorreu num grave equívoco que pode e precisa ser evitado.

É importante destacar que não estamos propondo uma discussão sobre o modelo desenhado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para o setor das Comunicações. O que o anteprojeto faz é regulamentar, aperfeiçoando, um de seus principais instrumentos, a radiodifusão.

A democracia no Brasil estará sempre dependente de um sistema nacional de radiodifusão estruturado sobre regras transparentes e justas. Cabe aqui referência sobre artigo do professor Luís Felipe Miguel, da Universidade de Brasília, publicado esta semana na imprensa nacional. Ele nos remete ao juiz Byron White, da Suprema Corte dos Estados Unidos, que, interpretando em 1969 a Primeira Emenda da Constituição americana, nos ensina que ?é o direito dos espectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano?. Foi com essa visão que acompanharei a avaliação do anteprojeto da Lei da Radiodifusão pela sociedade e pelo Congresso Nacional.

A difusão de idéias, conhecimento, informação pelos meios de comunicação de massa é fundamental para que se firme a identidade cultural de um país.

Especialmente para o Brasil, hoje participando, com o dinamismo que os tempos modernos exigem, do complexo processo de globalização.

Tecnologicamente, já estamos no Primeiro Mundo da Sociedade da Informação:

nosso desafio, agora, é garantir um ambiente favorável para a geração de um conteúdo que fortaleça os fundamentos de nossa sociedade.

Assim, uma das questões básicas a serem tratadas numa lei como a que se quer aprovar é a qualidade do que é produzido e exibido nas emissoras. Refiro-me ao tratamento dado a temas relativos à violência, sexo, tóxicos e à obrigação constitucional de se levar educação e formação por meio desses veículos, garantindo os valores da cultura nacional.

A proposta é a criação de um conselho da sociedade que possa, por iniciativa própria ou por motivação de terceiros, avaliar qualquer programação exibida e emitir sobre ela conceitos que serão considerados nos momentos de renovação da outorga.

Sobre esta importantíssima inovação ouvi poucos comentários, mesmo daqueles que se dizem preocupados com o tema. Espero, ainda, receber sugestões que possam aperfeiçoar essa idéia, de inegável conteúdo social. E o próprio Congresso Nacional poderá, como admiti no lançamento deste anteprojeto, optar pela instalação do conselho previsto na Constituição, e ainda não instalado, apesar da lei específica aprovada há vários anos.

Há ainda outras questões que, mesmo não constando do anteprojeto, devem merecer espaço na discussão em pauta. Cito especificamente o direito de tela para a dramaturgia brasileira e o direito de antena, fundamental para a universalização do acesso a uma ampla gama de informações, como temas indispensáveis à reflexão que se faz no momento, com a inspiração do foco central desse debate.

Uma crítica reiterada diz respeito à não-limitação do número de canais de rádio e televisão por concessionário. No anteprojeto trata-se apenas da limitação dentro do próprio município, sem restrição no País. A intenção foi terminar com a hipocrisia estimulada pela lei. Todos sabem que a regra em vigor, limitando a cinco emissoras por concessionária, induz ao envolvimento de parentes e outras pessoas que emprestam o nome sem que, formalmente, nada se possa fazer. Se, no entanto, esse for o motivo das iras levantadas, que se mantenha a farsa.

A ignorância, ou má-fé, de alguns levou à conclusão absurda de que o novo texto fazia o sistema de concessões retroceder aos tempos passados, em que elas dependiam apenas do alvitre ou dos humores do ministro das Comunicações.

O Ministério das Comunicações faz licitação pública, a título oneroso, e a outorga só se confirma se aprovada pelo Congresso Nacional. Neste aspecto, esquecem os apressados que a regra é constitucional. Isso está integralmente preservado. Mais uma vez, trata-se de política definida pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, da qual sou defensor.

É por isso que, retiradas as ofensas pessoais de que fui alvo, certamente não pelas razões do anteprojeto, mas que deram um tom mais dramático ao debate, poucas são as questões verdadeiramente polêmicas. E, por fim, reitero a disposição de acolher todas as contribuições que possam aprimorar o anteprojeto, sobretudo porque o único objetivo é que o País tenha a melhor lei."

    
    
              

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