Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Época

O CLONE

"Guerra sem trégua", copyright Época, 06/05/2002

"Pouco antes de morrer, em 1996, o escritor americano Timothy Leary, profeta da contracultura nos anos 60, publicou um texto em que insistia na defesa de uma relação íntima entre experimentação alucinógena e criação artística. ?Não prego que todos devam usar drogas?, registrou. ?Apenas os xamãs modernos, os artistas e os intelectuais, as pessoas criativas em geral é que normalmente se beneficiam.? Hoje, quando todos sabem os males que as drogas provocam, o texto de Leary é peça de arqueologia cultural, semelhante aos devaneios do pai da psicanálise, Sigmund Freud, com a cocaína. Calejada por ressacas, depressões e mesmo a perda de colegas queridos, boa parte dos artistas que três décadas atrás embarcavam sem passaporte para alucinantes viagens cerebrais hoje prefere usar holofotes e microfones, típicos da profissão, para condenar as drogas. O ator americano Robin Wiliams e o cantor inglês Elton John já o fizeram. No Brasil, o ator Felipe Camargo e o DJ Thunderbird também. Nunca se viu, contudo, cenas iguais às exibidas de segunda a sábado, no horário nobre da Rede Globo, em O Clone.

Num país onde o consumo de maconha é tão grande que deixa seu aroma característico em locais de concentração de jovens, inspira bandas de rock e anima um debate favorável a mudanças na legislação, O Clone não usa mensagens sutis. São cenas impactantes, dramáticas, cujo apogeu se viu na semana passada, quando a personagem Mel, vivida pela atriz Débora Falabella – que ficou doente e foi substituída pela irmã, Cíntia -, teve uma crise de abstinência ao ser trancafiada pela família no próprio quarto. Dali só saiu aos berros, carregada à força por enfermeiros de uma clínica para dependentes químicos. Enquanto a menina é jogada na ambulância, o pai, Lucas (Murilo Benício), chora ao relembrar de imagens da filha ainda criança. A mãe, Maysa (Daniela Escobar), aos prantos, leva as mãos ao ventre. A trama tem ainda Lobato (Osmar Prado), executivo que luta contra a dependência e dá contundentes depoimentos sobre o flagelo.

O elenco reúne artistas que já tiveram problemas com alucinógenos. Do próprio Osmar Prado – que admite ter experimentado maconha e procurado terapia para deixar o álcool – a Cissa Guimarães e Vera Fischer – que viveu um drama público em sua luta contra a dependência, da qual saiu vitoriosa. Todos vestindo a mesma camisa, e diante de milhões de telespectadores. O Clone tem, em média, 45 pontos no Ibope. Na semana passada, atingiu o pico de 65 pontos, equivalentes a 3 milhões de domicílios, apenas na Grande São Paulo. Boa parte da audiência é assegurada por um recurso poderoso. De tempos em tempos, os diálogos entre personagens de ficção são cortados por imagens de drogados de verdade procurando deixar o fundo do poço da dependência. São momentos fortes, de olhos, mãos e bocas que definem personalidades estraçalhadas.

Firmando-se, mais uma vez, como a melhor novelista brasileira em atividade, a autora Glória Perez conta que a idéia de abordar o tema surgiu porque via as campanhas contra as drogas e sempre se perguntava: o que exatamente passa na cabeça de um viciado? ?Gosto de abrir espaço para pessoas que não têm voz?, diz Glória. Em sua preocupação, a novela tem o mérito de quebrar um tabu. Em 1973, em pleno regime militar, tentou-se levar uma campanha do mesmo gênero nos capítulos de Cavalo de Aço, de Walter Negrão. Assim que leram na sinopse uma cena em que aparecia um papelote de cocaína, os censores decidiram suspender qualquer menção às drogas.

Três décadas depois, O Clone é sinal de um novo tempo. No Brasil de hoje, fala-se de droga com preocupação – mas de forma aberta e amadurecida. Em novembro do ano passado, ÉPOCA fez uma reportagem de capa na qual personalidades da televisão, da música e mesmo profissionais de sucesso assumiam o uso de maconha, contribuindo para abrir uma discussão necessária sobre o assunto. No país de Cavalo de Aço, aquilo que era proibido tornava-se automaticamente charmoso. Por coincidência, vigoravam entre a juventude variações da utopia de autoconhecimento e libertação espiritual sintetizada por Aldous Huxley em As Portas da Percepção, que inspirou a geração beatnik.

Trinta anos atrás a droga tinha seu charme e seu uso chiquíssimo – mais indispensável que terno da Daslu em armário de Mauricinho. No Rio de Janeiro, quem sabia das coisas freqüentava o ponto da praia onde o consumo de maconha era aparentemente tolerado: as Dunas do Barato, ou Dunas da Gal – assim mesmo, numa referência à cantora, assídua naquelas ondas, com seus cabelos e seu sotaque baiano. ?Freqüentei o Píer de Ipanema e, com 14 anos, fumava maconha e tomava lisérgicos para ver o pôr-do-sol?, conta a atriz Cissa Guimarães, a Clarice de O Clone. ?Usava cocaína nos ensaios das peças porque achava que me deixava mais inteligente. Mas no dia seguinte ninguém se lembrava de nada.? Era um tempo em que os artistas usavam drogas, e não omitiam – apesar do ambiente repressivo. Numa excursão do grupo Os Doces Bárbaros, que seria interrompida com a prisão de Gilberto Gil em Florianópolis, por consumo de maconha, em 1976, um repórter perguntou a Caetano Veloso: ?O que você acha do LSD?? A resposta do cantor: ?É uma bela droga?.

Durante certo tempo, vigorou até uma classificação, que trazia embutida uma preferência ideológica. Haveria drogas libertárias, capazes de ampliar o autoconhecimento – categoria em que se classificavam a maconha e o LSD, por exemplo. Também haveria drogas ligadas ao desempenho, à competição e ao mundo profissional – como a cocaína. Essa diferença, hoje, perdeu relevância, ensina O Clone. As drogas são julgadas por aquilo que são. O que se discute é o prazer que podem proporcionar subtraído pelo risco à saúde que representam. O quesito básico não é um novo estado mental de liberdade, mas a dependência que escraviza. O debate mudou tanto que, em 2002, o que se discute é como deixar a polícia longe do jovem usuário, aquele que de vez em quando é encontrado com um baseado na mochila – e pode ser submetido a uma série de vexames, chantagens e ameaças capazes de traumatizar uma pessoa por toda a vida.

Quem tinha 20 anos na década de 60 lembra de um mundo diferente. Pessoas que não haviam fumado maconha tinham vergonha disso. As viagens de ácido lisérgico, que já faziam vítimas permanentes, eram descritas como obras-primas. Para o escritor Ruy Castro – um ex-usuário de cocaína -, há motivos para os artistas serem associados à droga. ?Todos esperam que um artista se vista diferente, fale diferente, tenha um comportamento sexual diferente e se drogue?, diz. ?A novela O Clone pode ser o indício de uma mudança de consciência da classe artística brasileira?, afirma.

O ator Felipe Camargo – outro ex-dependente – diz que só no início a droga dá sensação de potencializar a criação. ?Depois se torna uma chatice e embota a criatividade. A lucidez deixa você muito mais criativo.? Camargo, de 41 anos, não tem dúvida em afirmar que o consumo de drogas diminuiu entre seus colegas de profissão. ?As pessoas que mergulham fundo na experiência percebem que a droga não abre os horizontes?, diz o ator. Ele conta que se iniciou no vício com o álcool e procurou pela primeira vez ajuda médica quando já se ?achava confuso?. ?Sofri muito, senti muita dor?, lembra. ?Via uma luz no túnel, mas essa luz nunca chegava, parecia que eu voltava atrás. É muito difícil abandonar o vício.? Percebeu que a situação era grave no dia em que recusou um papel para o filme O Que É Isso, Companheiro?. Hoje, recuperado, freqüenta as reuniões dos Narcóticos Anônimos. ?Estou há cinco anos, sete meses e 16 dias sem beber uma gota de álcool ou cheirar cocaína?, disse a ÉPOCA, em 16 de abril.

O apresentador de TV Thunderbird, outro recuperado, diz que, sem as drogas, as dificuldades da vida continuam. ?Mas é muito mais fácil lidar com nossos problemas quando estamos sóbrios?, diz. No auge do consumo de cocaína, ele chegou a deixar diretores da Rede Globo esperando nos estúdios enquanto cheirava sem parar num quarto de hotel. ?Pagava passagem de avião para um traficante ir de São Paulo ao Rio?, afirma. Seu programa na emissora, TV Zona, ficou apenas dois meses no ar. ?As drogas prejudicaram meu trabalho na Globo. Gravava louco. Se estivesse careta, seria diferente. ?As drogas também conturbaram a vida do grande ator Paulo César Pereio. Há quatro anos, ele se isolou numa pequena cidade do interior de Goiás tentando fugir da dependência. ?Era só sair de casa que jogavam drogas na minha mão?, conta. ?No início da carreira, dava uns tapinhas para não passar por careta.? Com o tempo, ficou escravo. ?As drogas já não me divertiam. Tinha só compulsão para usá-las?, lembra. Pereio nega que seu casamento com Cissa Guimarães tenha chegado ao fim por causa das drogas. ?Acho que durou muito (12 anos) justamente por causa delas. A droga enfraquece tanto que você não consegue se escorar sozinho.?

Cissa tem lembranças diferentes. ?A cocaína faz você perder seus sentimentos e, depois, o respeito pela outra pessoa. Quando percebi isso me afastei de Pereio.? Hoje, Cissa só bebe – em festas e jantares. Já Pereio ainda se permite avançar no antigo hábito. ?Consigo me administrar bem. Posso dar um tapa num baseado de vez em quando, mas não mexo mais com cocaína?, diz. Os dois também divergem sobre a campanha criada por Glória Perez. Cissa é só elogios. Pereio não gosta. ?Esse tipo de campanha não funciona?, acredita. ?Elas estabelecem uma atração ainda maior pela droga. É a volúpia da transgressão. Foi assim que me viciei em cigarro. Porque meu pai proibia.?

Os especialistas têm, em sua maioria, recebido com aplausos o discurso antidrogas adotado por Glória Perez. Há uma característica no texto do personagem Lobato (Osmar Prado) que faz a campanha diferir radicalmente das anteriores: em momento algum ele esconde o prazer que a droga proporciona ao viciado. ?Lobato fala francamente que a droga é boa, ou não viciaria tantas pessoas. Mas dá o alerta sobre os perigos da dependência?, diz o próprio Osmar Prado. ?O grande trunfo é não usar meias palavras, falar de droga olhando no olho da tragédia. É assim que o tema deve ser tratado pela sociedade.?

O texto de Lobato, personagem que concentra as contradições da dependência, foi construído com o auxílio do ex-dependente químico Robinson Damasceno, um publicitário de Belo Horizonte que se interessou pela trama e passou a escrever para Glória Perez cartas-relatos sobre sua experiência. ?Respeito muito Ziraldo, mas a campanha que ele fez, dizendo que droga é uma merda, não funciona. Quem depende da droga sabe que ela não é ruim?, afirma Damasceno. Ziraldo defende-se: ?Usei a palavra merda para desglamourizar a droga. Hoje o que você vê é o contrário: a glamourização?, diz o cartunista e escritor. ?Existe até mesmo uma estética drogada na propaganda, com modelos de olhos fundos, jogadas num canto.? Ziraldo não admira o tom da campanha de O Clone. ?Aparecem ex-drogados falando que se livraram, e o adolescente, em casa, pode pensar que ‘se aquele cara conseguiu sair, eu também saio’.?

O discurso sobre as drogas na novela não tem a insegurança e a curiosidade dos 20 anos. É organizado pela geração mais velha, simbolizada por Lobato. É uma conversa de quarentões e cinqüentões – o que tem vantagens e desvantagens. São pessoas que já passaram pelas drogas ou pelo menos sabem o que é isso. Já viram o fim do filme e podem contar a história de trás para a frente. O debate é saber se, longe da novela, os jovens acreditam nesses argumentos.

A professora de psicologia da PUC-RJ Teresa de Góis Monteiro Negreiros elogia a novela por ter a coragem de não esconder os prazeres trazidos pelas drogas. ? Essas substâncias não são problemáticas para todos. Há uma parcela, 15%, que ao tomar contato pode adoecer e ficar dependente. Mas como saber se você está no grupo de risco? Na dúvida, o ideal é se afastar?, ensina.

O diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes de Drogas do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Dartiu Xavier Silveira, critica a falta de precisão. ?A novela diz que todo mundo que usa droga vira dependente. No caso da maconha, por exemplo, menos de 10% das pessoas que experimentam ficam dependentes.? Segundo Silveira, isso contribuiria para aumentar o preconceito contra o drogado. ?Se o álcool fosse mostrado equivocadamente como o é a maconha, alguém apareceria numa festa tomando um drinque e na cena seguinte já seria um alcoólatra?, compara.

O publicitário Raul Pinto, diretor da Associação Parceria Contra Drogas, se surpreendeu com o discurso adotado. ?Nestes anos de campanha, descobrimos que o caminho do amedrontamento não é bom. Não adianta falar com os jovens sobre morte. Eles convivem com muita gente que usa droga e sabem que a morte não acontece sempre.? O diretor do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Hospital das Clínicas da USP, o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, faz coro: ?Do ponto de vista médico, a abordagem está perfeita. Não é fácil fazer campanha antidrogas. Para quem usa, a meta é evitar que se tornem dependentes. Para quem ainda não usa, ou usa pouco, a mensagem deve ser convincente, mas não terrorista.? (Colaboraram Clóvis Saint-Clair, do Rio, e Ana Paula Franzola)"

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"O efeito Clone", copyright Época, 06/05/2002

"Os efeitos da campanha desenhada pela autora Glória Perez na novela O Clone começam a ser observados em consultórios e clínicas especializadas em tratamento contra o vício. São famílias e dependentes incentivados pelos duros exemplos exibidos na televisão. No Rio de Janeiro, em dois centros de recuperaç&atildeatilde;o de dependência química a procura quase dobrou. Na Aldeia Clínica, em Niterói, o perfil dos que buscam a cura passa por uma transformação: agora, com os capítulos já no ar, metade dos internos tem menos de 26 anos de idade. Antes da novela, os pacientes dessa faixa etária não ultrapassavam os 5% do total. Todos chegaram lá espontaneamente. Para o psiquiatra Frederico Vasconcelos, diretor da Aldeia, um dos méritos da novela é mudar a relação com a droga. ?Antes as pessoas faziam a mesma coisa que fazem com o álcool, diziam que era sem-vergonhice. Não se tinha consciência de que a dependência é uma doença e tem cura?, diz. Vasconcelos acredita que o fato de a personagem principal (Mel, interpretada por Débora Falabella) ser jovem contribuiu para aumentar a identificação com os mais novos. ?Campanhas como essa custam muito menos que armar a polícia e são muito mais eficazes?, afirma Vasconcelos. No Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), também do Rio, o aumento da procura por tratamento atingiu os 60% desde que O Clone começou. A diretora Maria Thereza de Aquino diz que a novela promoveu um debate sobre o tema, até então considerado tabu. ?As perguntas começam a surgir em casa e as pessoas ficam mais dispostas a falar?, diz ela.

O fenômeno é nacional. Na principal instituição de tratamento de dependentes químicos de Pernambuco, o Centro Eulâmpio Cordeiro de Recuperação Humana, o setor de atendimento registrou um crescimento dos casos de 50% em abril. Nos grupos de orientação familiar, a participação saltou de uma média de oito para 20 pessoas por sessão. Outro sinal positivo é o interesse de escolas pelas palestras desenvolvidas pelo Centro de Prevenção às Dependências, no Recife. Só na semana passada o número de solicitações foi maior que em todo o mês de março. ?Era difícil romper essa barreira, principalmente nos colégios particulares, que encaravam o programa como marketing negativo?, afirma a coordenadora do Centro. Em São Paulo o efeito Clone também começa a ser sentido. No Centro Especializado no Tratamento de Dependências de Álcool e Drogas (Cead), em Jundiaí, até o fim de março a média de telefonemas em busca de informações não passava de cinco por semana. A quantidade de ligações se multiplicou em abril e agora são cinco por dia. Coordenador do recém-inaugurado Programa do Hospital Albert Einstein de Tratamento de Dependentes de Álcool e Drogas, o psiquiatra Cláudio Jerônimo da Silva está surpreso com a força da campanha lançada por Glória Perez. ?As pessoas querem saber mais sobre a dependência?, diz.

Há, contudo, ressalvas ao que se vê na televisão. ?É fundamental mostrar que existem níveis de dependência diferentes e que para cada pessoa cabe um tratamento?, diz Jerônimo da Silva. ?Nem sempre a internação é recomendada.? Muitos médicos acham importante ressaltar – o que não ocorre na novela – que nem todo usuário se torna um dependente químico?, diz. Glória Perez esgrime um argumento convincente em defesa de seu trabalho. Faz questão de dizer que está escrevendo uma novela, não um documentário. ?Meu objetivo é mostrar que a dependência química é uma doença e apontar os caminhos de saída?, afirma.

Campanhas como a de O Clone fazem parte de uma categoria conhecida como ?merchandising social?. ?Essas ações, diferentemente do que se pensa, sempre resultaram em ótimos índices de audiência?, diz o pesquisador Mauro Alencar, doutorando em teledramaturgia pela USP. A própria Glória já esteve por trás de outro exemplo. Em 1995, com Explode Coração, levou para a TV cartazes de crianças desaparecidas. ?Graças à campanha da novela o porcentual de crianças encontradas passou de 55% para 80%?, informa Luis Henrique Oliveira, gerente do programa SOS Crianças Desaparecidas da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA). ?Todas as crianças mostradas na novela que tinham desaparecido há menos de um ano foram encontradas?, comemora. Em 2000, o drama de Camila (Carolina Dieckman) na novela Laços de Família fez explodir o número de doadores de medula óssea. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, antes da novela apenas cinco pessoas por semana se cadastravam como voluntários. Durante a novela, esse número pulou para 255. Hoje a média é de 150 por semana. (Colaboraram Eduardo Burckhardt, do Recife, e Nelito Fernandes, do Rio.)"

 

"?Clone? mobiliza pais contra drogas, diz estudo", copyright Folha de S. Paulo, 1/5/02

"Pesquisa realizada em abril pelo instituto Meio Ponto, especializado no público infanto-juvenil, mostra que a violência urbana preocupa menos os pais de adolescentes do que o envolvimento com drogas e a gravidez precoce.

Segundo a psicóloga Renata Rubano, 37, diretora do instituto, a conclusão tem a ver com a campanha contra drogas realizada pela novela das oito da Globo, ?O Clone?. ?Os pais não estão muito preocupados com a violência porque não podem fazer muito contra ela. Já a novela está mobilizando os pais, falando o que eles gostariam de falar aos filhos, servindo de porta-voz?, diz.

A pesquisa foi feita com dois grupos de dez adolescentes e dez pais, entrevistados separadamente. É qualitativa, não tem valor estatístico, mas serve como sondagem para detectar tendências.

De acordo com Rubano, a novela está mobilizando pais e filhos na frente da TV. ?As mães falaram que chamam os filhos para a sala e abrem uma discussão?, afirma. Elas citam o personagem Lobato (Osmar Prado), como um bom exemplo para mostrar o que acontece ao drogado.

A psicóloga afirma que a novela tem um enfoque inédito: ?Fala que a droga dá prazer, sim, que não é uma porcaria, mas que causa um estrago muito grande?. Os adolescentes, segundo a pesquisa, gostam e concordam com a novela, mas acham que os pais (reais e fictícios) pegam ?pesado?.

OUTRO CANAL

Safra 1

A Rede TV!, quem diria, está com um problema que só afeta as grandes redes de TV: excesso de programas e falta de horários. O primeiro é a novela colombiana ?Betty, a Feia?, que vendeu ao mercado publicitário para exibir às 20h, a partir deste mês.

Safra 2

O nó é que o ?Interligado Games?, transmitido no horário, está dando boa audiência (6 pontos), colocando a emissora em terceiro lugar. A rede decide nesta semana se sacrifica o ?Interligado? ou apresenta a novela em outro horário. O outro problema o ?Repórter Cidadão? (versão do ?Cidade Alerta?), que disputa o horário do ?Canal Aberto? e do ?TV Fama?.

Feito

?Casa dos Artistas 2? deu 15 pontos na edição de anteontem. Foi uma das menores médias (a menor foi sábado, de 12 pontos), mas até satisfatória para um dia em que ?O Clone? bateu recorde.

Fábrica

A gravadora BMG vai lançar um CD por semana com músicas dos calouros do ?reality show? ?Fama?, da Globo. Serão oito CDs, fora os ?solo? do vencedor e de outros que se destacarem.

Troféu

Em sondagem há duas semanas, a TV Globo disse sim à entidade que promove o Grammy, premiação musical que já tem versões norte-americana e latina. A organização estuda uma edição brasileira, a partir de 2003, com transmissão da Globo."

 

"Crise de abstinência dá recorde a novela", copyright Folha de S. Paulo, 1/5/02

"O drama de uma personagem envolvida com drogas, assunto tabu para a televisão, e o primeiro encontro entre um clone humano e clonado deram à novela das oito da Globo recorde de audiência.

?O Clone?, de Glória Perez, alcançou anteontem média de 56 pontos e pico de 65, às 22h08 e às 22h15. Isso significa mais de 3 milhões de domicílios da Grande São Paulo sintonizados na Globo.

Nos dois horários de pico, a novela mostrava uma crise de abstinência e a internação de Mel (Débora Falabella), viciada em cocaína, e a cena em que Lucas conhece seu clone, Léo (ambos interpretados por Murilo Benício).

A trama já é recorde da ?Era Marluce? (Dias da Silva, diretora-geral da Globo desde 1998). Seus 180 primeiros capítulos deram média de 45 pontos. Ultrapassa a média dos 180 primeiros episódios de ?Terra Nostra?, ?Laços de Família? e ?Porto dos Milagres?, que deram 44 pontos, de ?Torre de Babel?, com 43, ?Por Amor?, 42, e ?Suave Veneno?, 38.

A abordagem do problema com as drogas sempre foi tabu para a teledramaturgia. Normalmente, os autores evitam tratar da questão ou, pelo menos, não a colocam no centro da trama.

Em ?O Clone?, segundo pesquisa qualitativa realizada pela emissora, as drogas estão entre os três pontos que sustentam o ibope alto. Os outros dois são a cultura muçulmana e a clonagem.

O telespectador avalia que a ?novela cumpre papel fundamental ao tratar do tema?. Observa ainda que a trama não evita mostrar o prazer do uso da droga, mas dá foco aos prejuízos que causa.

Há, segundo a pesquisa, interesse pelo islamismo, principalmente depois dos ataques terroristas aos EUA, em 11 de setembro, pouco menos de um mês antes da estréia de ?O Clone?. É muito interessado nas questões religiosas, mas gosta, principalmente, de ver as danças, festas e jóias.

Com a pesquisa na mão, Glória Perez concentrou esforços nos três eixos básicos da audiência para o capítulo de segunda-feira.

No núcleo islâmico, responsável pelo humor da trama, a autora armou uma partida de futebol feminino em que as mulheres do Marrocos jogaram, de vestido e véu, contra as brasileiras. No núcleo dos viciados, levou Mel ao fundo do poço, com crise de abstinência e internação. E realizou o tão esperado encontro entre o clone e seu clonado. Alguma dúvida de que seria um estouro na audiência?"

 

TV, CARTAS & SONHOS

"As cartas estranhas que as redes de TV recebem do público", copyright O Estado de S. Paulo, 5/5/02

São declarações de amor, reclamações, elogios, pedidos de emprego, de dinheiro e até de casamento. Além de ajudar as redes com opiniões sobre a programação, as milhares de cartas que chegam diariamente às emissoras renderiam um bom livro de histórias, um retrato do quanto a TV mexe com a vida e os sonhos das pessoas.

Resta saber o que as emissoras fazem com esses sonhos. A quantidade de cartas é tanta que a maioria delas possui uma equipe que cuida especificamente disso.

Só o departamento de Leitura de Cartas do SBT – que tem 11 pessoas – recebe em média 100 mil cartas por mês. No Natal e na época do seqüestro da filha de Silvio Santos chegou a 250 mil.

Criado há dois anos para ajudar na leitura da correspondência, o departamento realiza uma triagem de tudo que chega, dividindo o que deve ir para os artistas e o que vai para as produções dos programas. O restante é reciclado. Tais procedimentos são comuns nas emissoras.

O SBT, que é mais procurado pelo público feminino, na faixa etária de 20 a 40 anos, tem Ratinho e Gugu como campeões de cartas. Em geral, são pedidos de ajuda, mas fatos curiosos também aparecem. ?Recebemos uma vez uma carta de um japonês que se apaixonou pelo seu pai-de-santo e queria nossa ajuda?, conta a responsável pelo setor de cartas da rede, Lourdes Maria Fecuri. ?Por mais difícil que pareça, lemos todas e encaminhamos para a pessoa certa. Até aquelas enviadas para o Silvio Santos chegam até a secretária dele.?

Fãs – O dono do baú continua recebendo correspondências de colegas de trabalho apaixonadas. Uma, do Ceará, escreve três por semana. Outra, do Uruguai, manda quatro cartas perfumadas por mês, até com pedidos de casamento.

Na Globo, o departamento de Relações com o Telespectador recebe por semana cerca de 3 mil cartas. Boa parte são endereçadas aos artistas mais jovens e aos que estão em evidência. É o caso, no momento, de Dado Dolabella, de Malhação, que recebe até 215 cartas por semana (veja quadro acima).

Hoje, é Sandy quem ocupa o primeiro posto do ranking – por muito tempo preenchido por homens. A cantora recebe cerca de 280 cartas por semana.

No hall dos recordistas da emissora estão a atriz Lucélia Santos (que teve seu auge de cartas na época de Escrava Isaura) e o ator Mário Gomes (quando fazia a novela Duas Vidas).

De tanto enviar mensagens estranhas, há telespectadores que ficam famosos nas centrais de atendimento das emissoras. Na Globo, os atendentes colecionam cartas engraçadas, como as de duas mulheres: uma que se dizia vidente, que escrevia constantemente prevendo as piores desgraças com artistas da casa, e outra que diz que sua casa está sendo monitorada pela TV Globo, assim como é feito no Big Brother.

Há de tudo. Uma telespectadora procura a Globo com freqüência para resolver palavras cruzadas; um homem pediu, durante 8 anos, os títulos dos filmes da Sessão da Tarde com antecedência.

Em uma correspondência recente, uma telespectadora de Verceli, na Itália, pediu para visitar os sets de gravações e conhecer os atores da novela Esperança, nova trama das 8, que vem sendo gravada na Itália. A emissora prometeu atender.

Dramas – Na Record, os pedidos não são tão simples assim. O campeão de cartas da emissora é Netinho, por causa da linha ?assistencialista? de seu programa, o Domingo da Gente. A atração chega a receber cerca de 7 mil cartas por dia, o que recentemente causou um grande problema na rede: espaço para armazená-las.

Colocadas inicialmente em uma sala, as cartas ainda não lidas tiveram de ser removidas para contêineres e a produção realiza agora mutirões para tentar ler o máximo possível por semana.

São pedidos de emprego, gente doente querendo ajuda, histórias de quem vê na TV uma esperança para seus problemas. ?Temos 10 pessoas lendo cartas 12 horas por dia, além da ajuda do resto da equipe?, diz a diretora do programa, Margareth Noe.

Para ela, a dificuldade é não se envolver com tantas histórias tristes.

?Vamos para a casa com os dramas das pessoas na cabeça?, conta. ?Mas também temos boas surpresas, como uma vez em que uma fã do KLB nos enviou um pacote com um pé de sandália dentro, como cinderela, para a produção ir procurá-la pelo sapato.?

Márcia Goldsmith, recordista de cartas da Band, chega a receber 500 por dia.

Também é perita em história tristes e pedidos estranhíssimos, como a da dona de um parque de diversão que queria ganhar uma montanha-russa.

Papo-Cabeça – Cultura e MTV recebem as cartas de um público diferenciado, que dificilmente pede ajuda, mas costuma ter olhar crítico sobre a programação.

Grande parte da correspondência da Cultura vem de crianças. ?Elas mandaram tantas cartas para o bonequinho Júlio (um fantoche), do Cocoricó, que tivemos de criar um sistema para responder tudo o que chega para ele?, conta o chefe da central de atendimento do canal.

Na emissora musical, o número de cartas vem diminuindo dia a dia, sendo substituídas por e-mails – a rede recebe 24 mil por mês, enquanto as cartas via Correio não passam de 200 por mês.

As mais comuns são de jovens elogiando a programação, pedindo nome de músicas, reprises de programas ou fazendo perguntas sobre videoclipes. ?Tem gente que escreve perguntando qual o nome do videoclipe que tem uma cantora de saia rosa dançando? Só Deus sabe como nos viramos para descobrir?, conta, rindo, a gerente de atendimento da MTV, Ione Mendes."