Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Politicagem educacional

EXAME NACIONAL DE CURSOS

Arnaldo Grizzo Filho (*)

Estou me formando em Jornalismo este ano pela ECA/USP, e tive de fazer o Provão do MEC pela primeira vez. Durante a semana, li o artigo do Sr. Victor Gentilli no Observatório, e o achei bastante pertinente.

Como ele, também acredito que o não-comparecimento dos alunos seria o melhor meio de se pressionar o MEC. Entretanto, discordo quando ele afirma que o boicote prejudica a faculdade que, "coitada", não tem nada com isso. Se os alunos estão boicotando, algum motivo eles têm. Vide o exemplo da PUC-SP. Será que, este ano, os alunos resolveram boicotar a prova somente por não acreditarem que a avaliação do MEC não serve para nada e blablablá de movimento estudantil? Não creio. Os alunos da PUC, tal como de outras tantas faculdades, sabem que o curso deixou a desejar e muito!

Mesmo tendo apreciado o artigo, acho que a discussão em torno do Provão questionou aspectos que para mim não chegaram ao cerne do problema. Então, gostaria ainda de discutir um pouco sobre o Provão em geral e este de domingo passado.

Domingo, acordei cedo, aproveitei para ver o jogo do Japão na TV, almocei cedo, peguei minhas coisas, caneta, lápis, borracha, mapa para poder chegar ao lugar, enfim, preparei- me como se fosse vestibular. Saí de casa, peguei um ônibus até a estação de metrô mais próxima. Uma reclamação: o cobrador simplesmente não aceitou meu passe escolar alegando que era domingo e que não tinha recebido ordem para aceitar, mesmo eu argumentando que iria fazer o Provão. Aí, seu Paulo Renato, vê se da próxima vez avisa os municípios para darem ordem às empresas de ônibus que aceitem passe.

Com as mãos amarradas

Voltando, desci várias estações depois, andei um pouco e cheguei à escola com antecedência. Alguns alunos de Arquitetura ostentavam uma camisa vermelha escrito "Boicote". Eu mesmo tinha pensado em aderir ao boicote, mas ainda não tinha convicção.

Entrei na sala e peguei a prova achando que sairia de lá xingando a minha faculdade por não ter me ensinado nada durante quatro anos. Li a prova inteira com calma. "A prova era ridícula", disseram alguns colegas mais tarde. Eu discordei. Não era ridícula, era um acinte! O pretenso jornalista que não tiver, no mínimo, 70% da nota da prova que pegue suas trouxas e vá tentar turismo.

A prova, na verdade, testava se existia algum aluno analfabeto fazendo Jornalismo. Digo isso porque essa prova poderia ser usada como os testes que a França faz para considerar se um indivíduo é analfabeto ou não. Ou seja, ela pedia que a pessoa interpretasse textos e, a partir deles, fizesse uma redação (o título poderia ser "Minhas férias" mesmo, e não haveria problema).

Interessante é pensar que, sem essa "provinha", não podemos receber nosso diploma no fim do ano, pois os "gente fina" do MEC, principalmente o seu Paulo Renato (ex- pretenso pré-candidato do governo que "perdeu" o posto para o careca), para legitimar o seu "poder" por meio dessa prova, em vez de usar de inteligência, preferiu a força bruta e instituiu uma lei obrigando o aluno a comparecer ao exame.

Esse mesmo tipo de tática ele usou para o Enem, "obrigando" o mais conceituado vestibular do Brasil (que é a Fuvest) a engolir e aceitar as notas deste exame na sua contagem final de pontos.

Não apoio os movimentos estudantis. Mas, uma coisa eu sei. Não foram eles que usaram de truculência para impor um exame. Outra coisa é certa: esse Provão de jornalismo sequer serve de base para uma segunda fase da Fuvest! Qualquer pessoa que "flauteasse" os quatro anos de faculdade e depois fizesse a prova de domingo pensaria: "Estava certo, a faculdade não serve para nada mesmo, ainda bem que não perdi meu tempo com as aulas."

Se os defensores do fim do diploma para jornalismo quiserem, podem usar este exame como prova para decretar a morte dos cursos de Jornalismo, pois qualquer ser humano com o mínimo bom senso responderia às questões com as duas mãos amarradas nas costas. Com uma prova fácil assim, o que pensar de escolas de Jornalismo que não obtiverem uma certa média? Pois então, esperemos até o resultado deste Provão.

Milagres da natureza

Após, o resultado, defendo que o curso que não atingir 70% de acertos nessa prova seja sumariamente extinto e seus proprietários presos sem direito a fiança! Por quê? Porque se essa prova testa somente o grau de analfabetismo das pessoas, é inadmissível que um curso superior aceite pessoas completamente despreparadas. Até onde sei, o jornalismo é uma área que requer de seus profissionais um nível médio de bom senso e de conhecimento geral. Sem isso, não é possível ser jornalista, nem aqui, nem no Paquistão.

Defendo ainda que o governo rastreie os alunos com média baixa e verifique em que escola estes fulanos fizeram ensino básico e médio e "descredenciem" estas escolas. É claro que isso é uma brincadeira, mas, na verdade, como um governo pode defender uma igualdade social, com isso uma igualdade de possibilidades para educação das pessoas, se ele prega que não pode haver reprovações no ensino fundamental?

Suponhamos que o aluno da primeira série já tenha que saber a tabuada do 2, sem isso ele não poderia passar para a segunda série. Mas, os professores são "obrigados" a fazê-lo passar mesmo ele desconhecendo o assunto. Então, ele vai para a segunda, onde o requisito para o sucesso já mudou, agora é a tabuada do 3. Mas o infeliz não sabe nem a do 2, como ele vai aprender a do 3? Pela lógica do governo: mágica!

Sendo assim, esse fulano que mal sabe as tabuadas resolve prestar vestibular para engenheiro químico. Mas, as universidades federais e estaduais não comportam mais estudantes de Engenharia Química. A lógica do MEC é: devemos dar oportunidades para todos. Abrem-se novos cursos particulares. Mas, onde foi parar o crédito educativo? Ops… é, deixa para lá.

Então, vai que esse fulano, por um milagre da natureza, ganha uma bolsa, ou talvez o Gugu vá à casa dele e diga que vai pagar o curso, enfim, ele presta uma prova da faculdade "Você-entra-com-a-grana-e-nós-dizemos-que-você-é-formado" e passa.

Grande buraco

Observação1: a prova continha 80 testes e ele faz 5, no chute. Observação2: um macaco bem treinado faria 16. Sem problema, estamos dando igualdade de direitos! A faculdade aceitou a matrícula do garoto, e ele "foi passando, foi passando e quase não senti" e agora vai fazer o Provão. Mesmo com o "cursinho" pré-Provão oferecido pela faculdade, ele tira D ou E. O resto também. A faculdade fica com conceito E menos 3.

Aí vem o MEC: Precisamos melhorar esse curso…

Respondo ao MEC: esses cursos só vão melhorar no dia em que a faculdade for o lugar que, em vez de oferecer ensino superior a estes analfabetos, dê ensino básico e médio. O MEC precisa parar de empurrar a educação com a barriga e de fazer vistas grossas às faculdades "caça-alunos".

Como se pode exigir que um analfabeto tenha direito a cursar nível superior se ele não sabe nem ler? Que se criem cursos profissionalizantes e empregos para toda essa gente despreparada. Parem com essa sem-vergonhice e instituam um ensino público decente para que exista igualdade. Depois de tudo isso, não se pode dizer que as faculdades não têm nada a ver com isso.

Todos sabemos que a maioria dos cursos de Jornalismo é avaliada pelos seus próprios alunos (os que têm consciência de que estão sendo enganados) como ruins ou péssimos. O governo deveria fiscalizar é a adequação do currículo e o seu cumprimento. Só depois disso é que o exame final seria realmente válido.

Tomo como exemplo a própria ECA. Durante os meus quatro anos de curso, o currículo mudou duas ou três vezes, até perdi a conta, para poder atender às expectativas dos alunos e ao que se pede de um jornalista formado. E, mesmo depois de tudo isso, os alunos ainda saem com várias lacunas na sua formação, ocasionadas ou pela deficiência do currículo ou por incompetência dos próprios professores.

Chego ao fim desse discurso enorme com uma só conclusão: o problema do buraco do Provão, além de ser mais embaixo, é descomunalmente grande, e só será resolvido a longo prazo se algum dia o Brasil vier a ter uma política educacional, e não uma politicagem educacional.

Em tempo: não fiz a prova.