Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Políticos ameaçam estudantes de Jornalismo

ENGENHEIRO COELHO, SP

Fabiana Siqueira (*)

Para aqueles que pensam que o caso Tim Lopes é único e isolado, uma novidade: a perseguição criminosa começa na universidade. Os estudantes de Jornalismo entram na faculdade com vontade de descobrir e denunciar realidades corruptas, cujos resultados, muitas vezes, rendem um histórico de ameaças em função de reportagens investigativas.

Em nossa tranqüila comunidade não é diferente. Engenheiro Coelho é um pequeno município da Grande Campinas, interior paulista, que conta com uma população de 10 mil habitantes e uma política bem duvidosa, lembrando em muito outras regiões sem lei no país. Sou estudante do 3? ano de Jornalismo do Unasp, e fazia uma reportagem sobre o tráfico de drogas na região, quando percebi que a situação era pior do que imaginava.

O vereador da oposição Renan Pacífico é responsável por sete processos contra a administração do prefeito José Otávio Scholl, o popular Zelão. Na entrevista, ele me revelou que não pode mais ficar na cidade por medo de ameaças. Entretanto, ao ser argüido sobre o problema do narcotráfico aconselhou-me a não seguir com a matéria, pois, segundo ele, "os políticos são barra-pesada", referindo-se a minha segurança.

A verdade perturba

Alguns dias depois, quando me preparava para voltar a Engenheiro Coelho a fim de cobrir os festejos de aniversário do município, recebi ameaças por telefone. Tratava-se de uma voz feminina, perguntando se eu tinha certeza de que gostaria de regressar à cidade. Com medo de sofrer um atentado (como qualquer estudante de Jornalismo sem segurança), abandonei a reportagem temporariamente. Na atual situação do município, as evidências aparecem sem que haja investigação mais profunda. Evidências de corrupção política, do envolvimento com o narcotráfico, adulteração de combustível (a revista IstoÉ chegou a dedicar matéria ao assunto, em 2000), instalação de empresas nocivas à saúde da população.

Ao investigar este último caso, o aluno do 1? ano Daniel Cruz conseguiu a confissão do assessor de imprensa da prefeitura, Arcizo Félix, de que a Petroquímica Porto Murtinho trabalha com produto extremamente perigoso. A entrevista foi interrompida com as ameaças vindas do vereador Cléber Millares, presidente da Câmara Municipal.

Para nós a experiência ganhou contornos positivos, pois aprendemos a não confiar plenamente nas fontes. Aprendemos que a verdade perturba, e muito. E aprendemos, principalmente, que a prática jornalística demanda coragem e cautela ? irmãs gêmeas do compromisso com a comunidade.

Observação: nenhuma das ameaças foi gravada, a não ser a declaração do assessor do prefeito a respeito dos riscos da petroquímica. Mas nos dois casos havia uma testemunha.

(*) Aluna do 3? ano de Jornalismo do Unasp