Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

"Quanto eu te devo?"

JORNALISMO NA BAHIA

Luciano de Paula

Depois de concluir uma entrevista com um empresário baiano, ele se dirigiu a mim com a seguinte pergunta: "Quanto eu te devo?" ? pergunta esta que fazemos em botecos, ou a um vendedor na praia, ou àquele autônomo que ganha o pão de cada dia vendendo cachorro quente ou acarajé ?, sem desmerecer estes produtos, mas colocando-os, como não deveriam estar, no patamar da ética jornalística, e comparando nosso ofício e nossa dignidade com uma mercadoria.

Quando isso aconteceu, fiquei espantado, congelado, sem reação, não sabia o que responder. Foi quando me veio a idéia de explicar àquele sujeito o verdadeiro sentido de como se faz o jornalismo digno, ético, sem corrupção.

Segue minha explicação:

"Meu senhor, não tenho muito tempo, tenho que voltar à redação para escrever esta matéria, mas preciso parar um pouco e explicar ao senhor o que é o meu trabalho. Eu não vendo um produto. Eu busco notícias. Quem vende produto ? o espaço no jornal ? é o departamento comercial. Como jornalista, não aceito dinheiro em troca de informação, a não ser do meu patrão, o dono do veículo em que trabalho. Se o senhor é empresário e tem uma iniciativa que merece destaque, meu papel é buscar a informação e torná-la pública, um serviço prestado à comunidade."

E a conversa se estendeu. Só depois descobri que existe uma prática, condenável, porém comum, no mercado jornalístico baiano. Jornalistas que trabalham em veículos de comunicação ? jornal, revista, televisão, internet, rádio ? recebem de empresários uma determinada quantia por mês para serem seus "assessores de imprensa".

Ora, o que é fazer assessoria de imprensa? Certamente, não é isso. A conversa com o empresário foi mais longa. Tive que explicar que ele, como empresário, deveria se conscientizar de que, ao pagar a um jornalista por espaço no jornal ? e não se paga barato ? ele está contribuindo para uma série de aspectos negativos, criados em decorrência deste mercado negro.

Os colegas que se prestam a esse tipo de coisa estão, sem dúvida, contribuindo para a má imagem da categoria. Em qualquer roda de amigos, se alguém descobre que você é jornalista automaticamente este estereótipo lhe vem à cabeça, tanto que, numa festa de aniversário, outro empresário trocou cartão comigo, para abrir uma possibilidade de eu "prestar assessoria" a ele.

Valorização do trabalho

Os empresários que contribuem com este mercado negro poderiam estar gastando o mesmo dinheiro empregando outros colegas, que podem ser mais competentes – e mais éticos – do que os que desempenham este papel lamentável.

Claro que sabemos que a questão salarial é uma das dificuldades enfrentadas pela classe jornalística, mas deve ser combatida com falta de ética? Com desemprego de colegas tão ou mais competentes?

Não se justifica. Nada justifica esta postura.

Indignado, conversei com outros colegas, e eles me disseram que isto é normal por aqui. Ora, normal. Então, como as assessorias autênticas ? que realmente realizam o papel de ponte entre o cliente e a mídia ? vão conseguir sobreviver, se "contratando" um jornalista que trabalha em veículo o empresário terá seu espaço certo?

Pode ser que eu seja o irmão mais velho do Arc, o ET, e que não conheça a verdadeira regência do mercado, mas em muitos anos de profissão, trabalhando inclusive no exterior, nunca tinha vivenciado algo parecido. Pode ser utopia, algo intocável, inatingível, impossível. Mas a impressão que eu tenho é que o mercado baiano de jornalismo ainda não amadureceu, que ainda se mantém com base na malandragem, na esperteza, naquele muitas vezes condenável jeitinho. Seria preciso um grande trabalho de conscientização entre jornalistas e fontes, para cambiar a idéia de que o mercado funciona assim.

Todos nós jornalistas podemos e devemos contribuir para mudar este quadro, pois isso só beneficiaria a nós, já que este tipo de atitude desmerece nossa profissão e, combatida, valorizar nosso trabalho.