Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Regina Ribeiro

O POVO

"Indivíduo e imprensa", O Povo, 28/4/02


"?Dimensionar os limites da privacidade, do interesse público e da própria noção de liberdade conectada com a responsabilidade social é um dos dilemas da ética jornalística contemporânea.? Francisco José Karam, jornalista e escritor.


O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 3 de maio, será comemorado, na Assembléia Legislativa, com um debate, a partir das 10h30min, sobre as questões legais envolvendo os registros profissionais concedidos a jornalistas sem formação acadêmica específica na área. O tema tem a sua importância e urgência, mas a data está sendo lembrada aqui para tratar de outra questão tão urgente quanto essa: a liberdade de imprensa e os direitos individuais do cidadão.

Recentemente recebi uma carta de um leitor, que é advogado, questionando O Povo sobre a publicação do nome completo de pessoas suspeitas de terem cometido algum delito. O leitor fundamentada a crítica utilizando três argumentos: 1. Muitas pessoas podem ter suas vidas comprometidas de um hora para outra mediante uma notícia publicada em jornal, sem que se tenha certeza se ela cometeu ou não o delito; 2. Na grande maioria das vezes a decisão judicial não chega às páginas dos jornais, fazendo com que a primeira e – muitas vezes – única informação sobre o caso, se dissolva no emaranhado de outras informações e a imagem de alguns cidadãos fique, para sempre, arranhada ou imersa em suspeição. 3. Colocar apenas as iniciais do nome do suspeito não compromete a informação. Além da carta, chegamos a conversar por telefone sobre o mesmo tema.

O assunto é delicado e envolve uma série de questões. Entre elas, a liberdade de imprensa, o procedimento jornalístico e a exploração simples da informação sem os devidos cuidados e averiguações. Para começar, O Povo cumpre o que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina. O documento proíbe a publicação do nome completo de crianças e adolescentes envolvidos em casos de violência – como vítimas ou agressores – e o de suas famílias. Apenas as iniciais dos nomes aparecem no jornal. Na última semana, os nomes dos suspeitos da morte da estudante Ana Amélia Pereira Alencar, 21, no Cariri, foram grafados também com as iniciais no O Povo, embora essa não seja uma prática que se possa afirmar que tem sido constante. Nesse caso específico, a Redação afirma que a Polícia também não tinha nenhuma prova para acusar os suspeitos.

Da polícia

Uma das questões dignas de ser lembrada é a forma como a própria Polícia apresenta à imprensa os suspeitos de crimes. Mal é aberto um inquérito ou antes de começarem as investigações, os ?troféus?, digo, os acusados, são apresentados aos jornalistas num ritual de prestação de serviço que se transforma na matéria-prima de um noticiário policialesco por excelência.

Aliás, os delegados, na grande maioria das vezes, são a única fonte de matérias policiais. Com a prerrogativa de fonte oficial privilegiada, não é raro ler matérias em que policiais saem fazendo conjecturas de crimes sem nenhuma base técnica. E digo isso porque um técnico precisa de materiais mínimos para comprovar qualquer coisa e isso demanda tempo. Entre a morte de uma pessoa e a chegada de um repórter, o tempo, muitas vezes é exíguo demais para tantas comprovações e suspeitas que aparecem transcritas, entre aspas, nas matérias jornalísticas.

Impunidade e restrição

Uma outra questão que se coloca é quando a ausência do nome pode ser compreendida pelo leitor como uma restrição à informação. Numa das matérias publicadas pelo O Povo que contava o caso de pais acusados de abusar sexualmente das filhas, um leitor ligou para reclamar que o Jornal ?estava defendendo a impunidade do acusado? pelo fato de não publicar o nome completo do suspeito, e sim, as iniciais. Para o leitor, o nome do acusado deveria estar completo para que ele recebesse o ?julgamento público?.

É exatamente por causa desse ?julgamento público? que o trabalho de informar deve ser severo na correção dos fatos, na checagem da informação. O julgamento público poderá estar errado baseado em notícia errônea, comprometendo a vida de uma pessoa.

Da liberdade

No meio desse labirinto de idéias, de defesas e argumentos, tenho algumas convicções: o cidadão, por direito, precisa ser preservado de toda e qualquer situação em que sua imagem possa, realmente, ser prejudicada por meio de uma informação pública errada. Considero um prejuízo irreparável quando um veículo de comunicação comete um erro envolvendo o nome e a imagem de uma pessoa. E aqui todos são iguais, tanto o empresário bem sucedido quanto o José da Silva, que tem dificuldades reais de autoproteção.

O tema sobre liberdades individuais vem ganhando corpo no País com vários lançamentos de livros que tratam da questão. A preocupação com a individualidade dos cidadãos acontece diante da avalanche de informações num cenário de guerra entre veículos onde cada ponto a mais nas pesquisas significa dinheiro do mercado publicitário.

Os confrontos dessa batalha acontecem, algumas vezes, no campo aberto da realidade representada de um ?mundo cão? onde vítimas – expostas – são duplamente vítimas; e os agressores, assim como supostos agressores se transformam em personagens centrais de cenas reais a serem divulgadas pela TV, de forma imediata, e nos jornais impressos no dia seguinte. Grosso modo, vale o espetáculo, a informação para consumo imediato.

Para quem se interessar aqui vão algumas sugestões de títulos: Vida Privada, Liberdade de Imprensa e Dano Moral, de Pedro Frederico Caldas; A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade, de Cláudio Luiz Bueno Godoy; Liberdade de Imprensa, de Carlos Rizzini.

Corrigindo

O nome do evento coordenado pelos estudantes de Comunicação Social da UFC, ao qual eu me referi na semana passada, é Mídia e Cidadania. Do evento participaram profissionais de diversas áreas do conhecimento. Na coluna passada eu havia escrito Jornalismo e Cidadania."