Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Renata Gallo

CHOCOLATE COM PIMENTA

“Na cola de outro sucesso”, copyright O Estado de S. Paulo, 7/09/03

“Os ingredientes são quase os mesmos da última receita de sucesso: Walcyr Carrasco é o autor, a década é a de 20 e o estilo é comédia romântica. O que difere O Cravo e a Rosa, último grande feito do horário, e Chocolate com Pimenta, novela das 6 que estréia amanhã na Globo, é justamente o condimento a que o título se refere. No novo folhetim, quem irá dosar a pimenta é o diretor Jorge Fernando, conhecido por seu humor um tanto quanto picante.

Chocolate com Pimenta é a primeira experiência da dupla Walcyr Carrasco e Jorge Fernando que, teoricamente, têm estilos bem diferentes de humor. Enquanto um aprecia o mais ingênuo, o outro tende ao pastelão. Isso dito teoricamente, pois, de acordo com Jorge Fernando e Carrasco, o entrosamento tem sido perfeito. ?O Jorge está fazendo um humor mais contido e está sendo um bom casamento. Um está dando elementos para o outro?, afirma Carrasco.

No ?contido? de Jorge Fernando, no entanto, há espaço para brincadeiras e travessuras. Tortas na cara e armadilhas como derrubar um balde de meleca na cabeça da protagonista estão garantidas. ?Não é ingênuo, mas também não é sacanagem. Estou fazendo alta comédia, mas tudo é de verdade, sempre haverá uma explicação por trás da cena?, explica o diretor.

A novela chega ao horário das 6 em um período de entressafra. Após O Cravo e a Rosa, trama de Carrasco que foi dirigida por Walter Avancini (morto em 2001), as duas outras boas audiências foram Estrela Guia e Coração de Estudante (veja quadro). A primeira, no entanto, que foi responsável pelo maior ibope desde então, era estrelada por um ídolo teen – a pequena Sandy – e teve apenas três meses de duração, o que reduz os riscos da chamada ?barriga? de novela – jargão que indica um período do folhetim em que nada de novo acontece. Agora é que São Elas, cuja média final só será calculada pelo Ibope nesta semana, estreou com 28 pontos, despencou para a faixa dos 25 e fechou o mês de agosto com 29, progresso normal em tempo de reta final.

O que difere Chocolate das outras novelas, para Jorge Fernando, é o fato de o folhetim ser conduzido por uma personagem principal, Ana Francisca, interpretada por Mariana Ximenes, e não por vários personagens de diferentes núcleos. ?Hoje está tudo muito pulverizado, mas em Chocolate todos os núcleos aparecem na novela para contar a história da mesma pessoa.?

Betty, a Feia – E a história de Ana Francisca mistura pitadas de Betty, a Feia e A Gata Borralheira. Tudo começa quando o pai da moça é assassinado por grileiros e ela decide se mudar para Ventura. Na cidade, que tem uma fábrica de chocolate como principal fonte de renda dos moradores, Ana passa a viver em um sítio com uma parte desconhecida da família: a avó Carmem (Laura Cardoso), que trabalha como verdureira; o tio Margarido (Osmar Prado), um confeiteiro da fábrica; os primos Timóteo (Marcello Novaes) e Márcia (Drica Moraes), uma manicure que se acha fina; e a agregada Dália (Carla Daniel).

Assim como nos contos de fadas (e nas novelas mexicanas), mesmo com óculos de grau, sandália rasteira e vestidos rotos e largos que dariam arrepios no estilista mais ultrapassado, Ana Francisca consegue atrair a atenção do rapaz mais disputado da cidade, Danilo, vivido por Murilo Benício.

O problema – e é claro que para o bom andamento de qualquer folhetim é necessário existir um – é que a filha do delegado, a bela e mimada Olga (Priscila Fantin), é apaixonada por Danilo. Mas, na tentativa de distanciá-lo de Ana, Olga acaba unindo ainda mais os dois.

Assim como boa parte da cidade, Ana também trabalha na fábrica de chocolates. É faxineira na empresa do poderoso Ludovico Canto e Mello (Ary Fontoura). Fundador da empresa, ele vive em Buenos Aires por causa da saúde delicada e mantém na chefia sua irmã Jezebel (Elizabeth Savalla), a vilã da história, que aplica freqüentes desfalques na firma.

É na fábrica que, por um acaso, Ana e Ludovico se conhecem. Ela está desesperada, pois, além de estar separada de Danilo, descobriu que está grávida. Ele, o homem mais poderoso de Ventura, está vestido num uniforme de faxineiro, única roupa que conseguiu arrumar depois de ver sua irmã derrubar uma xícara de chocolate em sua roupa.

Ao ver Ana nervosa, Ludovico revela sua identidade e a pede em casamento, garantindo que dará um sobrenome ao filho dela. Ana parte então para Buenos Aires com Ludovico e, depois de aulas de etiqueta e um banho de lojas, se torna uma pessoa refinada, que nem de longe lembra a caipira do início da história. ?Depois de sete anos, Ana volta para Ventura para se livrar das mágoas. Volta mais amadurecida, depois de ter perdido o marido, para dizer que ela mudou e agora é poderosa?, explica a atriz Mariana Ximenes.

Menino ou menina – A volta da personagem coincide com a segunda fase da trama, que também terá outra surpresa: o ex-vampirinho Kayky Brito no papel da menina Bernadete. Além de cabelos longos cobertos por laços e fitas, Kayky, que está na adolescência, também terá de usar meia-calça para disfarçar os pêlos da perna. Na trama, Bernadete é filha da malvada Jezebel. Como esteve muito doente durante a gravidez, Jezebel fez uma promessa a Santa Bernadete, prometendo colocar na filha o nome da santa. Porém, perdeu a criança e decidiu adotar uma menina. O que Jezebel não sabe é que Bernadete é, na verdade, um menino, filho de sua empregada, que tenta manter o segredo a todo custo.

A princípio, a primeira parte seria bem mais curta do que os 24 capítulos que serão exibidos. ?Sempre digo que uma boa novela é aquela que o personagem te conta a história, não é aquela que você obriga o personagem a viver uma história. E os personagens começaram a me puxar para a história deles e a primeira fase acabou crescendo?, explica Carrasco.

De acordo com Jorge Fernando, os primeiros 14 capítulos estão com cara de minissérie, pois foram exaustivamente trabalhados e demoraram cerca de dois meses e meio para ficarem prontos. ?A novela está com uma cara muito bonita, uma luz de cinema, uma textura diferente?, diz.

A emissora, aliás, não poupou esforços para as locações. As primeiras cenas foram feitas em Buenos Aires, em lugares famosos como o Teatro Colón e o Parque Rosedal. A serra gaúcha também serviu de cenário para a primeira cena da trama, na qual o pai de Ana Francisca é assassinado. Gramado, Canela e São Francisco de Paula, na serra gaúcha, e a região serrana do Rio aparecerão na tela com freqüência, pelo menos, na primeira etapa.

Além das externas, o cenário montado para a novela nos estúdios da Globo também mereceu atenção extra. Os pontos principais serão a fábrica de chocolates e o hotel da cidade. Tudo extremamente bem cuidado, com referências à década de 20 e à principal fonte de renda da cidade, o chocolate. Aliás, de acordo com a equipe de Produção da Globo, a cada semana, são usados nas gravações cerca de 3 quilos de bombons de chocolate, sem contar os mais de 10 mil bombons cenográficos que foram confeccionados em 15 formatos diferentes. Água na boca é certo que vai dar.”

“Diretor já engordou 10 kg”, copyright O Estado de S. Paulo, 7/09/03

“O diretor Jorge Fernando engordou dez quilos nas gravações de Chocolate com Pimenta. ?Perdi 22 quilos no último ano, mas estava com ódio de fazer dieta e estou cercado de delícias?, contou ele numa entrevista dividida entre o Estado e o programa Almanaque, da Globonews. Os quilos compensam a satisfação de conciliar os talentos de mais de 100 pessoas. ?Dirigir o dia de trabalho é mais difícil que criar imagens, pois a boa luz e a melhor tomada de cena acontecem sempre?, disse ele. ?Agora, entrosar anseios tão diversos e salários tão disparatados, fazer tudo convergir, exige uma proposta de vida. E isso é fundamental.?

Estado – Deve ser ótimo gravar uma novela em que se come tanto e tão bem!

Jorge Fernando – É, mas engordei 10 quilos nas semanas iniciais de gravação, porque há muito bolo, pãozinho, tudo feito na hora, em fogão de lenha. Perdi 22 quilos no último ano, mas estava com ódio de fazer dieta e aqui estou cercado de delícias e ansioso com a estréia. É quando fico mais agulhado e quando tenho que me expor, mostrar o trabalho. Juntou a fome com a vontade de comer, mas só vou me segurar depois da estréia.

Estado – Esta é sua primeira novela de época? Como foi dirigí-la?

Jorge Fernando – Já tinha feito Que Rei Sou Eu?, em 1989, mas era bufa, carnavalesca. Chocolate com Pimenta é romântica. É uma homenagem aos anos 20. As histórias dessa época têm chavões de novela. Um tapa na cara, a menina que dorme fora de casa, uma carta esquecida, tudo cria suspense para o capítulo seguinte. Numa novela atual, o cara manda um e-mail e fica por aí.

Estado – A novela é fiel à época?

Jorge Fernando – Claro que há produção de arte, cenários e figurinos, mas evitamos a farsa das produções da época, desde o texto do Walcyr (Carrasco, o autor). Ele escreve uma comédia, mas o humor parte dos personagens, da situação em que vivem, não é pastelão. Os atores, às vezes, vêm com o vício da farsa, uma impostação característica e a gente tira isso.

Estado – Fica mais fácil criar uma história em função do elenco?

Jorge Fernando – Não é bem assim. Quando se escolhem os atores existe uma sinopse e o elenco se encaixa nela. Quem determina tudo é o autor, pois ele segura os 180 capítulos da novela. A gente escolhe o ator adequado ao personagem, não o nosso preferido, porque o processo é rápido, não dá tempo de preparar ninguém. Novela não tem retorno imediato do público como teatro, que você sabe se agrada na hora. Às vezes você gasta cinco horas numa cena e o cara vai até a geladeira na hora em que ela passa.

Estado – É muito diferente de cinema, que você fez pela primeira vez este ano?

Jorge Fernando – No cinema você tem mais tempo. Grava duas cenas por dia, enquanto aqui são 35. No mais é igual, o mesmo cuidado com a luz e o desempenho dos atores. Acho ridículo críticos que falam que televisão é menor que cinema. Vem fazer para ver como é difícil conseguir qualidade, para entender se é menor mesmo.

Estado – Foi difícil acertar o tom do humor do Walcyr Carrasco?

Jorge Fernando – Não fiquei preocupado em fazer nenhum tom para a novela, fiquei preocupado em sacar que cena é de que tom. Toda novela tem comédia e romance e eu queria dar uma embalagem romântica a Chocolate. Mesmo que fosse a comédia mais rasgada, queria colocar sempre o coração na frente.

Estado – Há cenas que parecem déjà vu. Quais foram suas referências?

Jorge Fernando – Já busquei muitas referências na minha vida, mas hoje tenho minha bagagem. Por exemplo, a cena que a Ana Francisca leva meleca na cara. Eu já fiz a mesma cena na Rainha da Sucata. Isso foi uma homenagem ao Silvio (de Abreu). Acho que a TV lhe dá essa possibilidade de brincar com a cena, misturar a lágrima com a gota da chuva. Aquela cena da Ana Francisca no topo de um morro com o sol morrendo é uma homenagem a Scarlet O?Hara. É impossível dizer que você nunca viu, que nem pensou nisso. O cinema tem planejamento e a TV é jornalismo. (Colaborou Renata Gallo)”

“O dono do túnel do tempo”, copyright Época, 9/09/03

“O autor de novelas Walcyr Carrasco ganhou a primeira máquina de escrever aos 13 anos. Já naquele tempo, devorador de toda a obra de Monteiro Lobato, decidiu ser escritor. Enquanto fazia faculdade de jornalismo, cursou também História. Formado, enveredou pelo texto teatral. A trajetória parece ter sido a fórmula perfeita para chegar aonde chegou. É hoje uma espécie de titular de novelas de época na TV Globo. Nesta segunda-feira 8, Walcyr estréia sua terceira trama na emissora, Chocolate com Pimenta, passada nos anos 20. Todas de época. As anteriores, O Cravo e a Rosa (também situada nos anos 20) e A Padroeira (século XVI), alcançaram boa audiência. Também foi Carrasco que atuou como ?bombeiro? da novela Esperança (com enredo ambientado na década de 40), das 8, substituindo Benedito Ruy Barbosa, que teve de abandonar o projeto por problemas de saúde.

Aos 51 anos, Carrasco, paulista de Bernardino de Campos, está confortável na posição que conquistou. Graças a sua formação, faz ele mesmo grande parte das pesquisas históricas que tornam sua obra verossímil. A audiência tem sido simpática com suas tramas. No ano 2000, O Cravo e a Rosa teve 34 pontos em média – que, surpreendentemente, foram repetidos neste ano quando a novela foi reprisada no começo da tarde. A Padroeira, de 2001, ficava em torno dos 29, índice satisfatório, especialmente levando-se em conta que o diretor Walter Avancini adoeceu nos primeiros capítulos e a produção ficou acéfala por algum tempo.

Foi justamente pelas mãos de Avancini, que morreu de câncer no ano passado, que Carrasco veio parar na Globo. Os dois se conheceram na extinta TV Manchete. Avancini, um dos mestres da telenovela brasileira, diretor de clássicos como Gabriela (1975) e Nina (1977), comprou o projeto de Carrasco e bancou a produção de Xica da Silva, a saga da escrava do século XVIII. Como estava contratado pelo SBT, o autor precisou usar um curioso pseudônimo: Adamo Angel. O mistério durou quase toda a trama. A audiência média foi de 18 pontos, alta para novelas fora da Globo. Em 1999, ao retornar à emissora após nove anos, Avancini trouxe o parceiro.

?A receita para fazer uma boa novela de época é estar a par dos códigos do período. E não representar isso de uma forma didática, mas conseguindo imprimir esse clima nos diálogos, nas atitudes, na atmosfera?, diz Carrasco. O autor prima pela fidelidade ao vocabulário de cada período, mas sem rebuscá-lo demais, para não causar estranhamento ao telespectador. ?A postura dos atores é grande parceira do texto. Quase todos fizeram aulas de etiqueta?, conta. O diretor da novela, Jorge Fernando, com quem o autor trabalha pela primeira vez, elogia o texto de Carrasco. ?Nossa parceria está bárbara?, vibra. O diretor, que estréia em novelas de época, não poderia debutar melhor, já que o texto tem boas doses de humor, marca registrada de seus trabalhos.

Ao contrário da maioria dos autores de novelas, Carrasco escreve sozinho. Tem apenas colaboradores sazonais, que ajudam na pesquisa. Trabalha sempre à noite e de madrugada, por cinco, seis horas seguidas. Não é incomum ir dormir ao meio-dia. Seu passatempo favorito é cozinhar. Foi na caça a receitas diferentes, numa viagem a Londres, que provou um bolo de chocolate que levava pimenta, o que inspirou o nome da novela. Quando não está debruçado sobre os capítulos, o autor está sempre lendo, de lançamentos aos clássicos da literatura. ?Atualmente estou relendo toda a obra de Guy de Maupassant?, diz.

O auge das novelas históricas foi o fim dos anos 70, começo da década de 80. A partir de 1975, pelas mãos do diretor Herval Rossano, novelas das 6 passaram a ser quase sinônimo de adaptações de nossa literatura. Helena, Senhora, A Moreninha, Escrava Isaura, A Sucessora, Cabocla, entre muitas outras, foram sucessos inesquecíveis. Escrava Isaura, adaptada por Gilberto Braga, tornou-se grande no mercado internacional. Até hoje a atriz Lucélia Santos é adorada em países como China e Cuba, graças à personagem. Nos anos 90, foram raras as novelas de época. Agora Walcyr Carrasco está mostrando que o gênero está longe de se esgotar.

Chocolate com Pimenta, definida pelo autor como uma comédia romântica, se passa na década de 20 e conta a história de Ana Francisca (Mariana Ximenes), moça ingênua e romântica. Depois de sofrer humilhações em sua cidade, vai para longe e volta uma mulher forte e madura. Mas nunca esqueceu seu amor do passado, Danilo (Murilo Benício), que vai disputar com a mimada e sensual Olga (Priscila Fantin). Como pano de fundo, um período pré-guerras marcado pela euforia, por novidades tecnológicas e pelo começo de questionamentos morais que viriam a se transformar ao longo do século. Os cabelos curtos à garçonne, a moda de Coco Channel, o maxixe e o tango são algumas das marcas registradas desse período que estarão retratadas na novela.

A fictícia cidade do sul do Brasil onde a trama se passa – Ventura – foi construída em 6 mil metros quadrados no Projac. Os cenógrafos Zé Claudio Ferreira e Eliane Heringer buscaram inspiração em Gramado, Canela e Petrópolis, que têm clara influência alemã. Praça, igreja, coreto, muitas flores, lojas, um hotel e a fábrica de chocolate Bombom – que é a força econômica de Ventura – são os marcos da cidade cenográfica. As primeiras cenas de Chocolate com Pimenta foram gravadas no fim de junho, em Buenos Aires, Argentina, e mostram a transformação de Ana Francisca, que só voltará a Ventura após sete anos. Também houve locações na Serra Gaúcha.

Chocolate com Pimenta também terá Ary Fontoura (participação especial), Elizabeth Savalla, Marcelo Novaes, Drica Moraes, Rodrigo Faro, Lília Cabral e Osmar Prado. Destaque para o jovem ator Kayky Britto, um dos recordistas de cartas da TV Globo, que fará o papel de Bernadete – um menino que foi criado como menina.”