Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Rodrigo Rainho

ENTREVISTA / MARCELO CARVALHO

"?Dou risada das críticas?", copyright Folha de S. Paulo, 4/8/02

"Criada após a falência da TV Manchete, em 1999, a Rede TV! vem conseguindo seus maiores índices de audiência com programas polêmicos como os apresentados por João Kléber. Em entrevista ao TV Folha, Marcelo Carvalho, vice-presidente da emissora, diz que ri das críticas, nega o uso indevido de imagens de outros canais e revela as principais mudanças na programação até o final deste ano.

O jornalismo popular tende a ocupar mais espaço na programação da emissora?

Sem dúvida. Tomamos como exemplo a CNN, uma rede de TV fechada, mas extraordinária em jornalismo. O sucesso dela se deve aos elementos de show da cobertura. O ?Repórter Cidadão?, com Marcelo Rezende, atinge segundo lugar de audiência e é um show de imagens. Não é aquele jornalismo quadrado, com uma pessoa sentada passando notícias.

Como vão ficar as manhãs?

Das 9h30 ao meio-dia, haverá um novo programa feminino, fora dos moldes do ?A Casa É Sua?. Será um programa de quadros, como o antigo ?TV Mulher?, da Globo. A emissora vê com bons olhos um jornalístico com apresentação de Janaína Barbosa, das 12h às 13h, parecido com o ?SPTV?, muito focado no dia-a-dia. Será ancorado por um casal -um jornalista, que já estamos procurando no mercado, e uma mulher para quebrar a rigidez clássica. A Janaína [Barbosa, do ?TV Fama]? tem um bom perfil.

A Rede TV! vai manter a linha do popularesco? A apelação vai continuar?

Estamos cabeça a cabeça com a Record na disputa pelo terceiro lugar. Vislumbramos que estamos numa curva ascendente, e eles, estagnados ou na descendente. Ultrapassamos a Band graças a dois elementos: agressividade e erros da concorrência. Não temos orientação para o popularesco, mas a Rede TV! não tem a mínima vergonha de ser popular. TV aberta deve ser popular. Sem audiência, a TV quebra. Sempre vamos ter quadros engraçados, que você chama de apelativos, grandes besteiróis como o ?Teste de Fidelidade?. Mas temos mais público nas classes A, B e C. Isso é a chave do cofre, o perfil ideal para os produtos dos anunciantes.

Como conciliar o popular com conteúdo educativo e cultural?

Temos que contrabalançar aspectos populares e jornalismo de primeira linha, crível e inquestionável. Ao contrário do SBT, optamos por dar força ao jornalismo. Procuramos misturar atualidade com assuntos ecléticos e populares em programas populares.

E documentários, especiais, biografias?

O ?Rede TV! Repórter? será um espaço aberto a documentários com apelo popular. Mostrar golfinhos do Pólo Norte não dá, jamais.

Como você encara as críticas aos programas do João Kléber?

Dor-de-cotovelo de quem é incompetente para conseguir mais audiência. Dou risada. As críticas vêm do espanto com o crescimento da Rede TV! em tão pouco tempo. Não há classes D e E assistindo programas dele. Isso desmente qualquer crítica ao popular. Os intervalos estão lotados de anunciantes.

O uso das imagens de outras emissoras não fere a legislação?

A Rede TV! tem o dever de crescer. Diretores têm a orientação de ousarem, furarem, serem penetras e fecharem acordos para cobrir eventos das outras emissoras. Não temos vergonha de mostrar o que os outros fazem. Pessoas querem ver as vidas dos famosos. Excelentes exemplos de sucesso nesse nicho são as revistas ?Caras? e ?Quem?.

Então o sr. reconhece que a Rede TV! está burlando os direitos de imagem das concorrentes?

De jeito nenhum. Não estamos burlando, estamos furando. Nossos programas não reproduzem imagens sem autorização. Nas reportagens, nossos profissionais ficam nas portas das festas e das gravações para pegar os artistas. E aí furam mesmo, com nossas imagens. Quando conseguem, são premiados. Incentivamos a agressividade e a guerrilha.

Após o término dos novos estúdios da Rede TV!, quais são os planos?

Terminamos Alphaville 1, que hoje comporta cinco estúdios e 100% dos programas produzidos. Alphaville 2 compreende 15 mil metros quadrados de construção, que termina em seis meses, investimento de US$ 12 milhões na primeira fase das obras e US$ 3 milhões na segunda fase. Vai comportar um grande teatro, para mil pessoas. Não é interesse da Rede TV! fazer novela longa. Na faixa de ?Betty, a Feia?, terceiro lugar de audiência, vamos colocar produções colombianas, mexicanas, americanas ou até brasileiras. Também vamos fazer ?game shows?. Daqui a poucos meses, estaremos na frente da Record de segunda a sexta. A partir daí, tomaremos pelas beiradas o lugar do SBT."

 

TV MANCHETE / ACERVO

"Acervo da Manchete está se perdendo", copyright Folha de S. Paulo, 4/8/02

"No processo de falência da Bloch Editores, quem acabou condenado foi o acervo de imagens da extinta TV Manchete, que pertencia ao mesmo grupo. A maior parte das fitas da emissora ficou presa no prédio da Bloch, lacrado pela Justiça, sob péssimas condições de conservação. Entre as obras que se deterioram no local há um ano, estão novelas como ?Pantanal?, ?Dona Beija? e ?Xica da Silva?.

A TV Manchete vendeu sua concessão para o Grupo Ômega (Rede TV!), mas todos os ativos, incluindo equipamentos e o acervo de imagens, foram comprados pela Hesed Participações, empresa de Fábio Saboya. Ele afirma que estava fazendo o levantamento das fitas quando foi expulso do prédio por oficiais de Justiça. O edifício foi lacrado no processo de falência, e tudo o que estava lá dentro passou para a responsabilidade da massa falida da Bloch Editores. ?O ar condicionado e os aparelhos de desumidificação foram desligados. Todo o material está estragando?, diz Saboya.

O juiz Walter Soares, que responde pela massa falida, não quis dar entrevista. Mas o TV Folha apurou que todo o patrimônio contido no prédio foi arrecadado para o pagamento de dívidas trabalhistas e irá a leilão. O material está em fase de catalogação, e não há previsões para que saia de lá.

Mesmo que Flávio Saboya consiga na Justiça o direito de retirar as fitas do edifício, será necessária uma longa auditoria para separar deste acervo o que é pertencente à Bloch Som e Imagem, uma terceira empresa, também detentora de imagens de algumas novelas produzidas pela Manchete.

Neste processo kafkiano, a morosidade da Justiça não é o único complicador, também falta interesse dos proprietários. Saboya reconhece que o valor comercial do acervo não é mais suficiente para cobrir seus custos. Segundo ele, para manter as quase 98 mil fitas em local aclimatado, seriam necessários pelo menos R$ 30 mil por mês. ?Já propus até doar esse material para um órgão competente, porque, como lucratividade para a minha empresa, não é mais interessante?, diz.

O documentarista Nelson Hoineff, que produziu programas exibidos pela Manchete, como o ?Documento Especial?, acha difícil a recuperação do acervo. ?Até hoje não se olha para a TV culturalmente, ela ainda é vista como um veículo efêmero?, diz.

Ana Olivero, chefe de arquivo da TV Manchete, se diz magoada com a situação. ?Eu implantei aquele sistema de conservação de fitas em 83. Desde então, mantínhamos tudo a uma temperatura de 18 graus e com quatro desumidificadores ligados 24 horas por dia. Se isso foi desligado, pode haver perda total do material por fungos e umidade?, afirma. Além das novelas, o acervo conta com os primeiros programas das carreiras de Angélica, Xuxa, Carolina Ferraz, entre outros. ?É a memória televisiva do Brasil, do período que vai desde a saída do regime militar até a democratização do país?, diz Olivero."