Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Só falta inventar a Casa dos Jornalistas

BIG BROTHER

Antônio Brasil (*)

Em época de carnaval tudo fica de cabeça para baixo, tudo se inverte. Mas também é uma boa hora para pensar em algumas distorções da nossa profissão. Será que jornalista importante e com "diploma" deveria apresentar programa do gênero reality show como o Big Brother Brasil?

Tenho minhas dúvidas. No momento em que discutimos de forma tão polêmica a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, creio que também deveríamos considerar algumas questões relacionadas aos "limites" do nosso trabalho. Bem sabemos sobre as armadilhas glamuorosas e milionárias que se apresentam para os profissionais da notícia, principalmente os de televisão. Mas será que jornalista é artista? Muitos, com certeza, se consideram "mestres" na arte de dar notícias e aparecer. Mas seria ético ou aconselhável que um profissional que vive de uma atividade baseada no conceito de credibilidade tenha o direito de confundir ou induzir o telespectador a pensar que entretenimento e voyeurismo também é jornalismo? E já que nos preocupamos tanto em impedir que pessoas não qualificadas se passem por jornalistas talvez também seja hora de pensar no que não poderíamos ou, pelo menos, não deveríamos fazer.

Quem paga mais

Sempre tive muita dificuldade de entender como um jornalista pode exercer a profissão quando é interrompido a cada minuto para dar autógrafos. Não deve ser impossível, mas é um problema. Mas também sempre considerei que deve ser difícil manter um contato próximo com o seu meio, a capacidade de retratar uma realidade e, ao mesmo tempo, ser muito famoso e receber salários astronômicos. Tudo isso num trabalho onde a maioria, formada por desconhecidos, ganha tão mal.

Mas jornalista não parece querer ser só artista. Nos últimos dias, o noticiário internacional tem divulgado o escândalo da falência da megaempresa americana Enron, do ramo de energia. Para nós, o interesse fica por conta do envolvimento de jornalistas importantes que forneciam consultorias e davam palestras bem remuneradas para os executivos daquela empresa, ao mesmo tempo em que trabalhavam para veículos formadores de opinião. É, no mínimo, um risco para uma atividade que idealiza a necessidade de honestidade e isenção. Essa discussão já é antiga em diversos pa&iiacute;ses, mas é principalmente nos Estados Unidos que ela se torna ainda mais polêmica. Lá, jornalistas costumam receber convites milionários para apresentar palestras direcionadas a empresas e seus executivos. É um risco para os objetivos da imprensa. Algumas empresas jornalísticas como a ABC News, após uma série de denúncias, chegaram mesmo a impor uma proibição a essas atividades para todos os seus contratados, inclusive as estrelas da casa. A fronteira entre os interesses pessoais ou corporativos e a ética jornalística é tênue e frágil. Precisa ser constantemente analisada para evitar que simplesmente desapareça.

Mas também não é só a tentação de ser artista de TV ou consultor de empresas que seduz o jornalista. No Brasil, em épocas de eleição há um verdadeiro "canto de sereia" que atrai, principalmente, os profissionais do telejornalismo. É o jornalista marqueteiro que se utiliza das técnicas e do poder do meio para eleger quem paga mais. Algumas entrevistas produzidas e preparadas para os candidatos são verdadeiros "clones" do jornalismo de televisão. O pobre do telespectador não merece sequer uma notificação especificando que aquelas imagens têm cara de jornalismo, parecem jornalismo mas não são jornalismo. Em verdade, não passam de propaganda de profissional esperto e rico.

Reconhecer os limites

Em outra oportunidade, num artigo sobre o perigo das câmeras ocultas, procurei lembrar que jornalista também não é polícia ou dedo-duro. [veja remissão abaixo]. Apurar notícias não substitui investigação criminal. É muito mais complicado do que sair por aí disfarçado de "ninguém" portando uma arma poderosa contra qualquer pessoa. Amanhã, a vítima pode ser você.

A discussão sobre a formação e regulamentação da profissão jornalística também deveria contemplar a necessidade de estabelecer critérios para o seu exercício. Não queremos que qualquer um saia por aí e se diga jornalista. Concordo. Mas o profissional da notícia também precisa reconhecer seus limites. Registro profissional, com ou sem diploma de jornalismo, não deveria significar um passaporte para a falta de ética, fama exagerada e para o dinheiro fácil. Monitorar os nosso limites deveria ser tão importante como garantir nossos direitos. O público não é bobo, observa-nos atentamente e tende a se afastar de um jornalismo que não garante credibilidade ou seriedade. Jornalista parece, mas não é artista. Mas para aqueles que ainda têm dúvida, não se preocupem. Do jeito que as coisas andam, daqui a pouco ainda vai aparecer algum holandês com a idéia de criar uma redação de mentirinha, contratar alguns colegas e produzir uma Casa dos Jornalistas. Pensando bem, até que ia ser engraçado.

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de vídeo e professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação na UFRJ.

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