Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Só para desinformados

MÍDIA & EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA

Elza Berquó (*) e Suzana Cavenaghi (**)


Dado o número de artigos publicados na Folha de S.Paulo ("O silêncio diante da explosão demográfica", de Dráuzio Varella, do dia 14 de dezembro 2002, Folha Ilustrada; "Rediscutindo a natalidade", de Cacilda Teixeira da Costa, do dia 20 de janeiro de 2003, pág. A3 – Tendências e Debates), e no Globo ("Nossa Opinião", Opinião, Primeiro Caderno, e "Visão Simplista", pág. 6, Outra Opinião, ambos de Lúcia Souto, publicados, sob a rubrica Tema em Discussão: Planejamento Familiar, em 18 de janeiro de 2003), creio fundamental a divulgação, no Observatório da Imprensa, das informações contidas no artigo abaixo. (E.B.)


O recente ressurgimento na mídia da preocupação com a explosão demográfica no país, por corresponder a um temor equivocado, merece alguns esclarecimentos. Apoiar tal preocupação na afirmação de que a população brasileira quase que duplicou nos últimos trinta anos ? quando passou de 93.139.037 em 1970 para 169.799.170 em 2000 ? é ignorar que se tivesse prevalecido a taxa anual de crescimento populacional registrada até 1970, de 2,9%, teríamos chegado a 219.570.223! O fato é que deixaram de nascer 50 milhões de pessoas nesse período, fruto do acentuado e sistemático declínio da taxa de fecundidade, que desacelerou o crescimento anual da população.

Estimada hoje em 2,3 filhos por mulher, a taxa de fecundidade sofreu grande redução em relação ao patamar observado até meados dos anos 1960, de 6,2. Como média nacional, essa taxa abriga diferenças regionais e econômicas. Do ponto de vista regional, os maiores valores correspondem ao Norte e ao Nordeste, de 3,2 e 2,6 respectivamente, enquanto Centro-Oeste e Sul registram 2,2 e o Sudeste 2,1. As cinco regiões apresentaram reduções na década de 1990: o Nordeste teve queda de 42%; o Norte, de 31%; o Centro-Oeste, de 23%; Sul e Sudeste, de 14%.

Entre as mulheres mais pobres a fecundidade é de 4,0 filhos, em contraste com a taxa referente àquelas em melhores condições socioeconômicas, de 1,6. Todavia, foi justamente nas classes menos favorecidas que a fecundidade exibiu declínio mais acentuado na última década, da ordem de 20,5%. Entre as mulheres com renda domiciliar mensal a partir de 5 salários mínimos ela já se encontra abaixo do nível de reposição e o descenso é mais discreto, de apenas 6,0%.

A redu&ccedilccedil;ão média de 23% na fecundidade entre as décadas de 1980 e 90 foi determinante para reduzir de 1,9% a 1,6% a taxa média anual de crescimento da população. Só não teve impacto ainda maior porque, felizmente, houve redução nas taxas de mortalidade.

Portanto, explosão demográfica só para desinformados!

Outra história é a mudança do padrão etário da fecundidade nos últimos anos. Cada vez mais a fecundidade se concentra no grupo de mulheres de 15 a 34 anos, que em 1991 respondia por 85% da fecundidade total e em 2000 passou a responder por 88%. Desse valor, 19% correspondiam às mulheres mais jovens, de 15 a 19 anos. Trata-se, na verdade, do único grupo etário a apresentar no país como um todo um aumento de 4,1% na última década, liderado pelo Nordeste, com 5,4%, e em seguida pelo Norte, com 2,6%.

A queda da fecundidade em tão curto espaço de tempo decorreu do maior uso de métodos de contracepção ditos modernos: a pílula e a esterilização. O último dado nacional disponível, de 1996, indicava 70% de usuárias de algum anteconceptivo, índice superior ao encontrado dez anos antes.

Direito à decisão

Ressalte-se que tudo isso se deu num contexto de total ausência de regulamentação para o setor. Consciente da necessidade de medidas que ampliassem o escopo e cobertura e ao mesmo tempo normatizassem a questão da regulação voluntária da fecundidade, o Congresso Nacional decretou, em 1996, a Lei no 9.263 visando a regulamentação do dispositivo constitucional de 1988 sobre o planejamento familiar. Conforme uma concepção de direitos humanos, o exercício dos direitos reprodutivos de mulheres e homens passa a ser garantido pelo Estado por meio do Sistema Único de Saúde.

Em face dos abusos anteriores em relação à esterilização feminina, o ministério deu destaque especial à esterilização voluntária de mulheres e de homens com a Portaria n o 144 de 1997. Com critérios bem-definidos na prescrição de idade, número de filhos e tempo de carência entre a decisão e o atendimento, essa portaria propiciou a mulheres e homens a possibilidade da cirurgia gratuita pelo Sistema Único de Saúde. Após grande debate, que contou com a importante participação das organizações não-governamentais dedicadas aos direitos sexuais e reprodutivos, estabeleceu-se com a Portaria no 48 de 1999 a proibição da esterilização em mulheres durante períodos de parto e aborto ou até o 42o dia do pós-parto ou aborto, exceto em casos de comprovada necessidade. Era o passo fundamental para coibir o excesso de cesáreas com intuito de esterilização.

Ainda no sentido de reduzir a desigualdade de acesso aos meios para a anticoncepção, em 2002 o Ministério da Saúde passou a enviar meios anticoncepcionais a 4.600 municípios, privilegiando aqueles de menor porte populacional e econômico.

Para concluir, compartilhamos a posição de que mulheres e homens devem ter o direito de decidir livremente sobre sua sexualidade e reprodução, cabendo ao Estado propiciar informações e condições para que o sexo seja seguro e, portanto, prazeroso.

(*) Demógrafa, integrante da Academia Brasileira de Ciências

(**) Demógrafa, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp