Thursday, 10 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Segurança pública e censura à imprensa

RIO GRANDE DO NORTE

Francisco Duarte Guimarães (*)

A Secretaria Estadual de Defesa Social decidiu impedir a fala de delegados de polícia sobre processos criminais envolvendo principalmente pessoas "importantes" da sociedade do Rio Grande do Norte. Em última análise, a decisão se revela mais um ato surpreendente de censura à imprensa do que propriamente ao profissional da segurança pública. Os pais da idéia querem que os delegados não se pronunciem ou que tenham "muito cuidado" ao falar sobre casos que ainda se encontrem em fase de apuração. Preferem que nada digam quando ainda não haja provas suficientes.

Ora, a admoestação cruza a fronteira da orientação, o que poderia simplesmente ter sido feito, e chega à da restrição ? o que é muito grave. Quem deve saber o que dizer, nestes casos, é a pessoa, não a instituição. Caso diga bobagens, cabe ao delegado responder por isso, afinal, ele já é bem grandinho para saber o que deve e não deve dizer, e assim assumir as conseqüências de seus atos.

Não cabe ao governo, a título de educação, implantar medidas arbitrárias e restritivas a funcionários, especificamente àqueles, subordinadas ao sistema, detentores de informações e autoridade legal, tendo como objetivo-final, em seu bojo, a censura à imprensa. Em suma: não querem que a sociedade tome conhecimento dos fatos.

Trata-se, assim, de um objetivo final ainda mais condenável, posto ser furtivo, disfarçado e escamoteado pela boa impressão (a do comedimento) que querem causar ? daí o termo surpreendente do primeiro parágrafo, agravado por partir de pessoas antes defensoras da liberdade individual e de imprensa.

Dupla restrição

Este ato lembra a "Lei da Mordaça", que alguns deputados federais, citados em processos criminais contra o patrimônio público e crimes outros contra a sociedade, quiserem impor ao país há cerca de dois anos. Ou seja: não queriam, como disse o jornalista Paulo Moreira Leite (Gazeta Mercantil, 5 e 6 de fevereiro de 2000, p. A-3), "corrigir aquilo que o jornalismo possui de ruim nem aquilo que o Judiciário possui de defeituoso", mas justamente o que funciona: a relação entre jornalistas e suas fontes.

O governo do estado, nesta ou em outra gestão, não procurou fazer qualquer tipo de censura a delegados e à imprensa quando se tratava de noticiar casos, muitas vezes de maior gravidade, proporcional e relativo, de pessoas simples, humildes, moradores de barracos, da periferia.

Agora, quando grandes empreiteiros e senhores endinheirados, acostumados a sair em outras páginas do jornal, as colunas sociais, passam a ser manchetes das páginas de polícia, a Secretaria de Defesa Social, transformada em Secretaria de Defesa Pessoal de alguns poucos, tenta monitorar, por uma via tortuosa e esquisita, mas extremamente perigosa, as mentes e os corações de servidores públicos que mantêm estreitos relacionamentos cotidianos com a imprensa.

Daí ser inadmissível para o conjunto da sociedade, e à imprensa em particular, este ato discricionário da liberdade individual de servidores públicos capacitados e habilitados a exercerem suas funções, e, o que nos parece mais grave, restritivo à liberdade de imprensa que, bem ou mal, vem cumprindo a sua função maior: servir à sociedade e refletir, com desvelo, esta mesma sociedade.

(*) Jornalista e professor universitário; e-mail <fguimaraes@ufrnet.br>