Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Sobre as tais "mudanças"

DIRET?RIO ACAD?MICO

PROVÃO

Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social

No dia 20 de março, o ministro Paulo Renato anunciou as "mudanças" no Provão. A "mudança", que mais uma vez vai servir para dizer que está tudo bem, foi a da forma de ranquear na mídia as escolas de Comunicação. Fora isso, continua tudo na mesma, o que, infelizmente e para o cansaço de todos, faz-nos ter de repetir vários textos antigos, muitos publicados (e, pelo visto, solenemente ignorados) neste Observatório da Imprensa e em outros espaços.

A nova fórmula mágica

Continuaremos a ter escolas com conceitos A e E, independentemente de a nota ser 2 ou 8. Só que vai agora vai depender da seguinte fórmula: o desvio-padrão é igual à raiz quadrada do somatório da média das notas dos alunos de cada escola, menos a média geral dos resultados nacionais, tudo isso dividido pelo número de escolas menos 1.

É a mesma dos sempre criticadíssimos exames vestibulares. E agora fica ainda mais a critério de quem produz as provas, ou seja, a Cesgranrio. Enquanto antes podíamos esperar um número certo de escolas com as letras (os chamados "conceitos") A, B, C, D e E, agora isso vai depender fundamentalmente (ou seja, no fundamento) do nível de dificuldade da prova. Se tivermos uma prova mais fácil (para aumentar a nota média, como já havia pensado Paulo Renato no fim do ano passado), aumenta a possibilidade de termos poucas escolas com A ou E. Os conceitos vão depender diretamente da distância das notas médias de cada escola em relação à média geral.

Com o ranqueamento, continuamos sem saber quais escolas oferecem formação de qualidade. O Provão continua colocando todas as escolas numa escala inexistente, dadas as particularidades de cada escola, como as características de cada região, de cada projeto pedagógico, de cada grupo de professores, da formação de cada um, de cada turma de estudantes, de cada projeto de pesquisa e extensão, das relações que se estabeleceram e se estabelecem com o meio social e todas as demais e fundamentais caraterísticas específicas; isso é simplesmente ignorado quando queremos simplistamente identificar quais são as "melhores e piores" da vez, numa escala baseada numa prova de 4 horas de duração que é dependente das respostas dos estudantes a questões formuladas segundo critérios pensados por cinco pessoas num gabinete fechado. E ainda insistem em chamar de avaliação.

Mudou muito?

Além da troca de Curva Normal de Gauss pela nova "fórmula" do desvio-padrão, mudam os critérios de distribuição das notas no ranking no Provão e o órgão responsável pela Avaliação das Condições de Oferta. Mas isso não apresenta nenhuma mudança significativa. E já que o clima, quando se fala de Provão, é repeteco (certamente o MEC quer vencer pelo cansaço…), vamos recordar também a carta amplamente divulgada pela Enecos e mais de 16 Centros Acadêmicos à imprensa quando foram anunciados os resultados do ano passado:

"1) A avaliação é punitiva: pune as escolas que tiram notas baixas.

2) Estabelece a noção competitiva na configuração de um Ranking. As notas não seguem um parâmetro, mas, sim, uma comparação entre as escolas.

3) O critério de distribuição das notas segue a técnica da Normal de Gauss, com notas fixas (12% A, 18% B, 40% C, 18% D e 12% E). Isso possibilita mascarar as notas e sustentar 30% de conceitos D e E, necessariamente.

4) O fortalecimento de um modelo único de curso, guiado pelo programa da prova, incompatível com a LDB que dá autonomia curricular aos cursos e às regionalidades.

5) Imposição ao aluno que, após ter cursado 4 anos de faculdade, só recebe o diploma se fizer a prova.

6) Partir do pressuposto de que pesquisa e extensão não fazem parte da formação do aluno, uma vez que não é possível mensurar estes elementos numa prova.

7) Não leva em conta o processo e só atua no fim do curso, avaliando apenas o “resultado final”.

8) O perfil das últimas provas só contempla a formação para grandes meios, não levando em conta meios alternativos e comunitários.

9) Perfil de um profissional destinado exclusivamente ao mercado.

10 )Não leva em consideração metade do currículo, com as disciplinas Humanísticas (como Filosofia e Sociologia) e questões teóricas de comunicação.

11) Os “resultados” são utilizados, principalmente, para efeitos midiáticos e constituem uma avaliação que não aponta caminhos e soluções.

12) Joga para o aluno o peso da avaliação de toda a escola.

13) No caso das universidades públicas ameaçadas de fechamento demonstra a inversão de conceitos, pois, quem ameaça fechar os cursos é o próprio responsável pela sua manutenção. Seria uma auto-crítica do Ministério da Educação?

14) No caso de escolas particulares o MEC repara um erro próprio: a abertura indiscriminada de cursos. A velha lógica de “primeiro a gente abre e depois a gente fecha”; sendo irresponsável com os alunos que já ingressaram no mercado de trabalho. O MEC só toma providências após o terceiro conceito insuficiente. Como fica a primeira turma formada?

15) Condições impróprias de exame. Como resumir 4 anos em 4 horas?

16) Formação com perfil tecnicista.

17) A proliferação de cursos pré-provão e de instituições que prometem premiar os alunos com os melhores resultados."

Não precisamos divagar tanto, então, para perceber boquiabertos que a saída da Curva Normal de Gauss não muda praticamente nada. Mas, é claro, é muito mais fácil desqualificar a crítica do que encará-la, principalmente quando ela incomoda diretamente.

Agora, continuando:

"O Provão e a ACO continuam sendo pensados e elaborados dentro de gabinetes, sem a mínima preocupação em realizar avaliação institucional. Sabemos que a lógica da política de ranqueamento é a mesma da que não abre concursos para contratação de professores e da que não libera verbas para expansão das atividades nas Universidades Públicas. E nossa manifestação contra as duas avaliações tem também este valor incorporado, pois sabemos que não é possível querer qualidade nas aulas quando a política deliberada é de desincentivo.

O MEC continua fechado ao diálogo na medida em que decide, por si só, o que vai mudar ou não. Em vez de estimular a discussão e a construção responsáveis em cada curso e em cada universidade, realiza consultas numa jogada de marketing que, mesmo malfeita, não tem sido desmascarada com respostas à altura.

Portanto, a "mudança" anunciada pelo MEC não representa um avanço mas, ao contrário, um retrocesso. Continua tudo na mesma e dá a impressão superficial de que o MEC é flexível e que as críticas agora não ter mais razão de ser.

Mas, como se não bastasse isso, o MEC ainda volta atrás do que antes era uma das únicas garantias de quem fazia o exame: a não-publicação das notas. Com o anúncio da vinculação dos resultados na garantia das bolsas de mestrado, estamos claramente a um passo da publicação do resultado dos estudantes no diploma, o que era negado pelo mesmo MEC dois anos atrás.

Outras velhas balelas…

Nota A no Provão é sinal de qualidade?

Como nunca havia sido, continua não sendo agora. Como é comparativo, o Provão peca mais uma vez em tentar juntar todas as escolas como se fossem todas iguais; ou seja, não considera, em nenhum momento as características específicas de cada curso, nem mesmo as regionais. Não considera as características de cada grupo de professores, as linhas de trabalho de cada professor, a missão de cada instituição, o perfil dos estudantes, as características sócio-econômicos e culturais de cada região, estado e município, deixando de lado uma parte muito significativa do que conseguimos garantir com o fim do currículo mínimo. Ele vem justamente na contramão da história, exigindo de todos os cursos uma homogeneidade (pasteurização, provavelmente) que eles nunca vão ter! Por isso, ajuda muito mais a camuflar os problemas dando seus As e Es do que a solcuioná-los.

O Provão fecha curso?

É claro que não! Essas "ameaças" do ministro Paulo Renato, reforçadas por "ameaças" locais, como as do reitor da Ufes, contribuem somente para a coação das críticas e das novas propostas. Nada mais coerente, vindo de quem vem. Afinal, a lógica de sucateamento que tem sido aprimorada nos últimos anos é a mesma deste instrumento que insistem em chamar de "avaliação". Portanto, não nos admira que estas "autoridades" estejam na imprensa defendendo o fechamento de cursos num país como o nosso; e, pior, a imprensa não considera nada disso anormal, considera tudo "fato que deve ser noticiado", acriticamente, reproduzindo os releases do MEC, sem se aprofundar minimamente das questões.

Mas o Provão fez os cursos se mexerem, certo?

Ora, mas é claro… Está incentivando a criação de cursinhos pré-provão! E nada mais é garantido. Nas públicas, não faz com que o MEC invista mais nem menos no que é preciso para garantir condições necessárias para manter os cursos funcionando (e depois vem dizer que é preciso expansão), ajudando, é claro, em perseguições políticas. E sabemos o quanto o exame vestibular foi bom para dar acesso ao ensino superior, contribuindo para que os estudantes cheguem à universidade com uma idéia bastante distorcida do que vão encontrar pela frente. Em todas as escolas, está acarretando uma corrida pela adequação ao que é "exigido pelo MEC", não ao que é necessário; então, faz-se boa propaganda na hora dos exames vestibulares.

Por que então não se comparece ao exame? Não é covardia deixar a prova em branco?

Esta é mais nova sacada de quem quer diminuir o boicote! Tem se tornado comum, agora, ouvir que os estudantes que entregam a prova em branco são covardes, só se preocupam consigo mesmos e não com as instituições em que se formaram. Mas é preciso entender que não comparecer no dia do exame não ajuda em nada, porque um dos objetivos da entrega das provas em branco é deformar o ranking divulgado pelo MEC (e transferido para as principais páginas da grande mídia), além de baixar a nota para demonstrar a fragilidade do exame. E quando os estudantes não comparecem à prova a escola simplesmente não sai no ranking, e sua participação não o deforma. Isso não nos interessa, o que faz a campanha ser pelo comparecimento à prova para entregá-la em branco.

Pela ampliação da discussão!

É preciso ter claro que as mudanças contemplam apenas os interesses de quem está impondo e organizando a prova, e ninguém mais (nem mesmo de quem está diretamente envolvido com o processo). Avaliação desta forma não funciona, é infinitamente mais limitada do que a preparada com estudo e envolvimento democrático de todas as partes, e é isso que defendemos no "Avaliação pra Valer!".

Se as mudanças continuarem neste nível, compromete-se toda a "estratégia de avaliação" que o MEC tenta legitimar, pois as críticas só fazem aumentar e o boicote cresce e se expande cada vez mais (este ano, já aprovaram o boicote os estudantes de Medicina, Medicina Veterinária, Agronomia, Nutrição, e estão discutindo e encaminhando esta proposta os de Pedagogia, Psicologia, Serviço Social e Arquitetura, entre outros). E este boicote articulado já está provocando debates bastante significativos, como os que vêm ocorrendo na USP, o que a está fazendo analisar a possibilidade de se retirar do exame por ser estadual e não ser obrigada a fazê-lo. E, ao contrário do que afirmou o professor Victor Gentilli em recente artigo no Observatório da Imprensa (que entre "lideranças de escolas importantes de São Paulo" o boicote não é mais unanimidade), há clareza nos posicionamentos dos Centros Acadêmicos da USP, da PUC-SP, da Cásper Líbero e da Metodista em promover a campanha pelo boicote na articulação que a cada ano se amplia.

E se quisermos saber como anda a área da área de Comunicação, lembramos da reunião do Movimento Nacional pela Formação de Qualidade em Comunicação em 18 de março deste ano, a Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação) e a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) reforçaram suas posições contrárias ao exame, o mesmo que já havia acontecido ocorrido em maio de 98, na penúltima reunião do Movimento. A UCBC (União Cristã Brasileira de Comunicação) levou o tema para discussão mais aprofundada e a Comissão de Especialistas não compareceu (apesar de ter confirmado). Nesta mesma reunião, ficou clara a necessidade de se discutir toda a formação em Comunicação em espaços abertos e participativos, o que nos faz pensar diretamente em discutir em cada escola, estado e região.

Vamos partir para a estruturação de fóruns estaduais ou regionais para tratar de todas as questões relativas à formação de qualidade em comunicação. A participação será sempre aberta a todos os interessados em tratar das questões, ao invés de ser fechada em gabinetes. E é nestes espaços que pretendemos construir nossos processos de avaliação e discutir a pertinência dos nossos projetos pedagógicos, bem como a adequação das nossas estruturas físicas a estes projetos.

E como o MEC não muda, os estudantes de Comunicação mantêm sua campanha. No dia 10 de junho, vamos todos deixar as provas em branco e colar o adesivo da campanha "Colei no Provão por uma Avaliação pra Valer!".

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