Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Suítes no caso do índio Galdino

CRITÉRIOS DE COBERTURA

Leticia Nunes

20 de abril de 1997. O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos é brutalmente assassinado em Brasília por cinco jovens de classe média alta enquanto dormia em um ponto de ônibus. Numa espécie de "pegadinha", o grupo ateia fogo ao corpo do índio e foge, mas é identificado por testemunhas. O crime ocupa as manchetes dos jornais e choca o país. Em 2001, os quatro maiores de idade são condenados a 14 anos de prisão em regime fechado por homicídio triplamente qualificado e motivo torpe.

14 de outubro de 2003. O jornal Correio Braziliense faz uma denúncia: três dos quatro assassinos presos do índio Galdino são flagrados bebendo cerveja em um bar e namorando. Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova haviam conseguido autorização judicial com base na Lei de Execuções Penais para trabalhar fora do presídio. Max, Eron e Antônio foram filmados pela equipe do jornal nas ruas de Brasília e perderam temporariamente o benefício judicial. O Fantástico, da Rede Globo, exibiu as cenas na edição de 19/10. Foi instaurada uma sindicância pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para apurar as irregularidades no cumprimento do benefício.

O fato foi noticiado por grande parte da imprensa. O que pouco se divulgou foi o que aconteceu no dia seguinte à denúncia. Na quarta-feira (15/10), Max tentou o suicídio dentro do Centro de Detenção Provisória do Complexo Penitenciário da Papuda. Poucas horas depois de ser informado da perda do benefício, ele cortou o pescoço com a gilete de um aparelho de barbear desmontado. Foi socorrido por Eron e Antônio e levado para o hospital. Os cortes foram leves e ele passa bem.

Três minutos no JN

Nos dias seguintes à tentativa de suicídio, nada se ouviu a respeito. Segundo o Correio Braziliense, a assessoria de imprensa da SSP-DF só confirmou o ocorrido uma semana depois. Mesmo com a confirmação, pouco destaque foi dado pela mídia ao assunto. O jornal O Globo publicou uma nota (22/10) e o Correio Braziliense divulgou a informação em segundo plano, em uma matéria cujo título era "Assassinos de Galdino são ouvidos hoje pelo TJ-DF".

O desequilíbrio no destaque de duas faces de um mesmo assunto foi notado pelo jornalista Luís Nassif, em coluna intitulada "Final perfeito" (Folha de S.Paulo, 21/10/03. Diz ele que "a mídia ? talvez num ímpeto ?estraga-prazeres? ? ocultou o desfecho da grande campanha cívica de denúncias contra ?privilégios? concedidos aos rapazes que mataram o índio Galdino".

Por que as denúncias de irregularidades cometidas pelos rapazes merecem destaque, e a tentativa de suicídio de um deles ? em conseqüência dessas denúncias ? é praticamente ocultada pela mídia?

Nassif, que levantou a questão em primeiro lugar, disse a este Observatório o seguinte: "A imprensa não está divulgando a tentativa de suicídio por dois motivos. Primeiro, para não expor a crueldade da cobertura e transformar o algoz em vítima. Segundo, para não estragar o show. Vendeu-se bem o peixe de que os três são filhinhos de papai, com influência sobre a Justiça, e não se pode sair desse enredo".

O que precisa ser debatido é o peso e o valor que a imprensa dá a cada acontecimento. Nassif prossegue: "A regalia denunciada [pelo Correio Braziliense] não foi o fato de os rapazes poderem sair de vez em quando da prisão ? o que foi autorizado pelo juiz com base na Lei de Execuções Penais. Foi o fato de terem aproveitado o momento de liberdade para ir a uma lanchonete e namorar. Você acha que isso merece três minutos de Jornal Nacional?".

O assunto ? ou a ausência dele ? também foi abordado pelo ombudsman da Folha, Bernardo Ajzenberg, em sua coluna de domingo, 26. Ajzenberg faz referência ao texto de Nassif e ressalta: "O que mais chama atenção (…) é que a suposta tentativa de suicídio do rapaz não foi noticiada pela mídia, apesar do vasto espaço dedicado poucos dias antes às tais ?mordomias?".