Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um ano, uma odisséia

TELEJORNALISMO

Antônio Brasil (*)

O cinema previa o ano de 2001 como uma verdadeira Odisséia no espaço. Só erraram a localização. Parece que a tal "odisséia" foi aqui mesmo na Terra. Nesse ano, o mundo inteiro embarcou numa nova rota histórica e nunca mais será o mesmo. E a velha televisão mostrou tudo. Explodindo em imagens captadas pelos novos guerrilheiros ou vídeojornalistas e suas onipresentes câmeras de vídeo ou disfarçadas e escondidas em "casas de artistas", nada parece ter escapado à curiosidade do telespectador. O voyeurismo humano está "no limite" da produção televisiva e ultrapassa todas as fronteiras imagináveis.

Sem dúvida, foi um ano extraordinário para o telejornalismo. Principalmente para a cobertura internacional, que parece ter ressurgido de uma condenação injusta imposta pelos editores responsáveis dos telejornais. De posse de índices de audiência eletrônicos, eles insistiam em que o público queria somente notícias locais e amenidades sobre os artistas, ou seja, serviços e entretenimento. Notícia séria e de lugar distante, nem pensar!

Com certeza, ninguém duvida da capacidade da grande maioria das pessoas de escolher sempre o pior na televisão, aberta ou segmentada ? o sucesso dos reality shows e de canais como Cartoon Network e Shoptime comprovam a teoria ?, mas parece existir alguma esperança no horizonte. Depois de muitos anos de total decadência, com jornalistas correspondentes internacionais de televisão transformados em meros burocratas, personagens de "passagens" confortáveis nas ruas de Nova York ou Londres, pudemos ver uma mudança de estratégia que promete. Se acreditamos que o repórter deve ir aonde a notícia está, talvez também seja a hora de dar novamente as condições mínimas para que eles consigam o impossível. É tudo uma questão de querer fazer jornalismo em vez de fazer turismo. Se não dá para cobrir é melhor não enganar. Parecer que existe uma cobertura internacional baseada somente nos pacotes diários das agências internacionais pode ser ainda mais deprimente do que negar totalmente o mundo lá fora.

É bem verdade que, por não existir competição
para a Globo no telejornalismo internacional, a tendência
à acomodação pode parecer inevitável.
Mas o alerta está dado. Silvio Santos e outros programadores
de televisão estão atacando o grande império
de todos os lados. O avanço sobre o telejornalismo da Globo
é só uma questão de tempo. Programação
de TV, hoje sabemos bem, tem que ser ágil, dinâmica
e criativa. O telejornalismo internacional da Globo parece estacionado
numa inércia perigosa. Tornou-se muito caro e lento para
reagir a um mundo de notícias espetaculares em lugares distantes
com nomes estranhos. Outras redes, como CNN, BBC e ABC, já
perceberam os riscos envolvidos e buscam soluções
criativas. Se os cortes financeiros são inevitáveis,
talvez a solução seja a utilização regular
de novos sistemas de transmissão de notícias internacionais,
como o videofone, mas antes de tudo seja o incentivo à iniciativa
e à curiosidade humana.

Altos salários e posições internacionais que se parecem com cargos diplomáticos ou mesmo com premiações por bons serviços não parecem ser a estratégia adequada para enfrentar os novos tempos da cobertura internacional de televisão. Parece que hoje a Globo se acomodou e se acostumou a ter seus famosos apresentadores de telejornais e repórteres seniors chegando sempre quando os fatos já terminaram. É claro que é sempre mais seguro e mais barato, e não vai fazer mesmo a menor diferença. Para quem já é famoso e ganha muito, os riscos são sempre maiores. Não é dessa forma que se faz bom jornalismo e, principalmente, boa cobertura internacional para TV.

Talvez fosse bom lembrar que nem sempre foi assim. O jornalismo internacional da Globo, nos seus primeiros anos, já esteve na mão de jovens, todos com pequenos salários mas com muita garra ou vontade de fazer jornalismo, de ir até a notícia mesmo que fosse a pé ou de ônibus. Bem sabemos que jovens jornalistas não costumam fazer questão de viajar de primeira classe ou ficar em hotéis cinco estrelas. Neste 2002, talvez fosse bom pensar que nem sempre o passado foi pior do que o presente, ou que os caminhos de hoje são sempre únicos e inevitáveis.

Por outro lado, tudo isso se enquadra numa nova visão empresarial de que jornalismo tem que dar lucro. Tradicionalmente, as primeiras vítimas dos cortes de verbas nas redações costumam ser sempre as editorias internacionais. Em televisão, com os custos ainda mais altos, essa situação é pior. As justificativas para esses cortes vão desde de uma nova tendência de mercado, que opta pelas notícias locais ? por coincidência e conveniência, também mais fáceis e baratas ?, a um desinteresse notório do público telespectador comprovado por pesquisas superficiais e apressadas.

Em verdade, essas pesquisas nunca comprovaram esse desinteresse. Elas comprovam, sim, que matéria ruim, mal coberta e sem a presença de um bom repórter tira audiência. Não é culpa da notícia internacional. A culpa está na forma como ela é tratada. As notícias em forma de "lapadas" ? aquelas imagens com efeitos especiais que viram como páginas durante alguns segundos ? representaram durante muito tempo todo o noticiário internacional dos nossos telejornais. Não é à toa que o público não se interessa e muda de canal.

Foi preciso 2001 explodir ao vivo nos nossos noticiários em imagens espetaculares das torres do WTC em Nova York para o mundo despertar para a nova e dura realidade. O mundo não caminha necessariamente para um futuro extraordinário e brilhante nas naves espaciais futurísticas de Arthur C. Clarke. A tecnologia ainda não substituiu o fanatismo religioso e a pobreza. Com todos os recursos disponíveis para uma minoria, a humanidade continua sua "odisséia" aqui mesmo na Terra. Só que dessa vez foi a televisão, e não o cinema, que mostrou tudo, ao vivo e a cores. Da guerra do Afeganistão aos recentes distúrbios na Argentina, o nosso planeta insiste em dizer que estamos todos numa mesma nave e numa mesma viagem épica. Só ignoramos o destino. Se insistimos em supervalorizar a ficção e desprezar os fatos, estes últimos certamente virão até nós de várias maneiras. Eles podem surgir na forma de uma imagem de televisão ou de um avião suicida.

Um público bem-informado ainda é a melhor solução para evitarmos todo tipo de surpresas. O noticiário recente comprova. E olha que um novo conflito ainda mais espetacular entre potências nucleares e miseráveis, Índia e Paquistão, está em plena gestação. E onde estão os nossos correspondentes internacionais? Provavelmente ficarão tão surpresos quanto nós quando as novas torres começarem a ruir diante dos nosso olhos e das nossas câmeras.

É sempre bom lembrar que, apesar das crises financeiras, bom jornalismo pode ser um bom investimento no nosso futuro. Mesmo sabendo que tanto os talibãs como o Bush não gostam e não querem uma cobertura jornalística competente, livre e, principalmente, independente. Em tempos de guerra e crise econômica mundial, a mentira e a desinformação correm soltas, e nem tudo é culpa da televisão!

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV e professor de Telejornalismo da Uerj, doutorando em Ciência da Informação do IBICT/UFRJ