Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um clima de falência

JORNAL vs. LEITOR

Franklin Jorge (*)

Há pouco, conversando com um jovem colega de profissão, ele me confessava seu desencanto e traía uma certa perplexidade em relação à prática e ao futuro do jornalismo impresso, cada vez mais desafinado com o leitor. Para ele, como para muitos de nós, essa modalidade de jornalismo estaria com os dias contados.

Realmente, é indiscutível o clima de falência que permeia o cotidiano das redações, transformadas em mal disfarçados armazéns de nulidades ou em balcões de negócios a serviço da mais descarada manipulação, que fere a ética e os interesses da sociedade.

Como advogado das causas populares e tribuna da livre expressão, o jornal tornou-se inócuo e obsoleto como um corpo sem alma, quando não como um escoadouro de sórdidas maquinações ditadas pelo interesse de grupos políticos e econômicos que direcionam e distorcem a informação. Predado por políticos abutres, só tem sobrevivido como forma de hábito ou de gosto adquirido, que já não corresponde mais à pulsação da vida em sua pluralidade capitosa.

A novidade, que constitui o principal atrativo de uma imprensa antenada com o cotidiano, desertou das páginas dos jornais e deu lugar a uma horda de colaboradores despreparados e articulistas fúteis, completamente desprovidos de pensamento, que usam o jornal como adolescentes cheios de hormônio usam a mão. Assim nos servem, edição após edição, ejaculações precoces, representativas apenas do baixo nível cultural militante.

Idealismo e realismo

Desagradável mas óbvia demais para ser ignorada, chega-se à conclusão de que nenhum dos nossos jornais se distingue do outro, seja pela falta de tesão com que são produzidos, seja pela falta de sintonia com as exigências do leitor que, a partir do advento da internet, pode escolher à vontade o que deseja ler, seja pelo fato de acolher em suas colunas, especialmente, os mesmos colaboradores, cozinheiros inábeis de textos que parecem copiar a mesma receita temperada com idéias tão consistentes quanto um caldo de batatas.

Hoje, em Natal, os jornais têm todos a mesma cara pasteurizada e se orientam pelas mesmas pautas, pela mesma abordagem superficial e, sobretudo, pelo mesmíssimo cuidado de não ferir suscetibilidades. Se, sem aviso prévio, passassem por um processo de fusão, o leitor distraído certamente não se aperceberia da ocorrência e continuaria lendo outro jornal pensando tratar-se do mesmo.

Ora, a identidade viceja com o conflito e a oposição. Aqui, porém, prevalece de há muito um artificial compadrio compulsório que desgasta a credibilidade dos veículos e estimula, no plano das idéias, uma prática masturbatória recíproca. Num contexto desses, o leitor é reduzido a espectador forçado de uma prática viciosa que empurra o jornalismo ladeira abaixo, sem dó nem piedade.

Freqüentemente convidado a participar de grupos de discussão e a proferir palestras, no âmbito da universidade e de instituições não-governamentais, sempre sou provocado no sentido de falar sobre este assunto, que me diz respeito e ao qual dediquei trinta anos de minha vida. É forçoso admitir, mas também perdi o interesse pelo jornalismo, e creio até que adquiri a síndrome da redação, como alguns professores, com o tempo e a mesmice, adquirem a da sala de aula…

Desde muito, antevi a falência do jornalismo e especialmente dessa imprensa sem opinião e sem a mínima disposição para ir buscar novos pontos de vista capazes de fundir, numa mesma expressão de vitalidade e de compromisso com o leitor, idealismo e realismo.

(*) Jornalista