Friday, 04 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Um mês de oba-oba

COPA DE VACAS MAGRAS

Berto Oliveira(*)

A Copa Coréia-Japão começou mas, para nós, mortais teletorcedores, acompanharmos ao vivo e em cores a jornada das nossas estrelas do futebol pelos espaçosos estádios orientais temos que aderir compulsoriamente às vozes e imagens dos detentores exclusivos das transmissões do torneio. Enfim, o padrão global conseguiu transcender as rinhas do futebol brazuca para os arraiais do futebol fifático. O pessimismo animalesco dos barrados no baile fica agora soterrado de vez sob os escombros do otimismo botânico e seus eufóricos arautos "camisas verdes".

Graças a estes e outros prosélitos, de uma hora para hora, o técnico Luis Felipe Scolari viu-se promovido de sargentão casca-grossa a general da banda, arrastando com seu inusitado bom humor e simpatia um séquito de súbitos simpatizantes. Parece-nos, sem dúvida alguma, que o meio ambiente coreano fez curar ou pelos menos regredir os sintomas da intransigência tupiniquim, na medida em que tanto técnico quanto seus críticos metamorfosearam-se sob o clima transformador de Ulsan. Enquanto um passou a dar sinais de tender mais à inspiração dos craques do que à transpiração dos cabeças-de-bagre, outros resolveram abandonar as tosquias constantes que faziam do pêlo do "brazilian coach" para se aconchegarem na comodidade de um adesismo patriota mal dissimulado.É o ôba-ôba, preferência comportamental nacional, na ordem do dia e das madrugadas durante o mês da Copa. Cessa tudo mais no Ocidente enquanto os canarinhos gorjeiam nas plagas do Oriente. O país que já parou catatônico diante da telinha sob o sol do meio-dia e do entardecer, desta vez vai ficar apoplético antes mesmo de o astro-rei raiar. O galo madrugador vai ter que cantar mais cedo ainda para não perdermos os passes milimétricos de Gilberto Silva, as jogadas enciclopédicas de Roque Júnior e o futebol solidário de Rivaldo. Homessa!

Enquanto por lá os nossos bravos tertulianos usam as pernas para vencerem os degraus da escadaria que os guindará à condição de novos deuses do velho esporte bretão, cá ficamos nós lobotomizados sem precisarmos pensar nos garotinhos que cometem travessuras de gente grande, nos belos príncipes transformados em sapos, nas vergonhas ocultas sob becas corroídas pelas traças do corporativismo, no vitupério do silêncio forçado e nas balas perdidas em meio aos tiroteios das retóricas eleitoreiras. Porém, daqui a um mês, quando todo esse ôba-ôba findar, poderemos imitar Pollyanna e exclamar a plenos pulmões: "Que bom é poder usar novamente o cérebro!"

(*) Pedagogo, Rio de Janeiro