Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Um mundo de loucos

TELEPROMPTER

Cláudio Weber Abramo (*)

Alguém disse, em certa ocasião ? a propósito, este é um modo seguro de se fazer afirmações com aparência de autoridade na ausência de qualquer fundamentação ou justificativa. Que alguém? Que ocasião? De todo modo, dizia, alguém já afirmou, parafraseando Marshall MacLuhan, que, na televisão, a interpretação vale mais do que a fala. O meio é a mensagem etc. e tal.

A turma, porém, anda exagerando. Num telejornal de grande audiência, os locutores interpretam cada notícia assumindo expressões, olhares, tons de voz apropriados a cada tópico. A Argentina vai pro buraco? Severidade. Alguém é enterrado? Ares compungidos. Fala-se de alguma iniciativa governamental ou empresarial simpática? Otimismo.

Disse acima que a interpretação é apropriada a cada tópico. Mais precisamente, deve ser apropriada a ditames da edição. Alguém deve decidir que coisas politicamente incorretas devem ser tratadas com gravidade, que determinadas pessoas devem ser mencionadas com leve ar de pouco caso (nunca muito evidente, pois isso seria editorializar) e assim por diante.

Imagina-se que, junto com o texto da notícia, o teleprompter informe também a atmosfera. Pensando bem, não é impossível que, na geração dos caracteres para o telemprompter, se intridozam pequenos ícones, carinhas sorridentes, sérias, tristes e assim por diante. A notícia como videogame.

Treino cuidadoso

Noutro canal, a comentarista de economia fala numa língua que mal se compreende. Não pelas palavras, mas pela pontuação. Vejamos. Digamos que o ministro argentino Cavallo viaje a Washington para pedir dinheiro. Manda a teoria do gancho que o fato seja relacionado a algo brasileiro. O texto do teleprompter poderia ser:

"O ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo, viajou para Washington hoje. A visita, que surpreendeu os observadores, tem por finalidade expor aos técnicos do FMI a adaptação do plano de estabilização que Cavallo havia apresentado na semana passada. No Brasil, a notícia atingiu em cheio o mercado financeiro. O índice Bovespa fechou com queda de três e meio por cento."

A comentarista lê o acima mais ou menos assim:

"O ministro da Economia argentino Domingo Cavallo. Viajou para Washington hoje a visita. Que surpreendeu os observadores. Tem por finalidade expor aos técnicos do FMI a adaptação do plano de estabilização que Cavallo. Havia apresentado na semana passada no Brasil a notícia. Atingiu em cheio etc. etc."

Não sei se é idiossincrasia minha, mas essa pontuação esquisita torna literalmente impossível seguir o que a moça diz. Cheguei ao ponto de mudar de canal quando ela aparece.

É possível, mas muito improvável, que alguém tenha aprendido a falar o idioma nativo dessa forma. "Mamãe, estou. Com fome sobrou um pouco da. Torta de maçã?"

É muito mais provável que essa dicção tenha sido cuidadosamente treinada. Possivelmente sob a justificativa ? emulando talvez Walter Benjamin, o qual escrevia horrivelmente mal, e por isso afirmava que escrevia complicado para forçar o leitor a prestar atenção ? a justificativa, repetindo, de que isso possa manter por mais alguns segundos a attention span do telespectador.

Chose de loque, como dizia antigamente um humorista antes inteligente, hoje um talk-showman chato.

(*) Secretário-geral da ONG Transparência Brasil <http://www.transparencia.org.br>; e-mail <cwabramo@uol.com.br>

    
    
    
          

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