Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Um projeto pioneiro

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DIRET?RIO ACAD?MICO

ECOS DE CAMPO GRANDE IV

Luiz Martins da Silva (*)

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Resumo de palestra proferida no IV Fórum Nacional de Professores de Jornalismo
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Criada há uma ano, aproximadamente, a Linha de Pesquisa "Estudos de Jornalismo" do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília encontra-se, num momento muito gratificante, marcado por uma intensa motivação no sentido de retomar antigas, porém sempre atuais, necessidades de pensar o Jornalismo enquanto campo teórico, mas, sobretudo sob um enfoque que poderia ser relacionado a duas palavras-chave: jornalismo e sociedade, ou, mais propriamente, sociedade e jornalismo.

Por estar a apenas alguns quilômetros do Congresso Nacional, a UnB encarou como tácita uma vocação natural para estudar a relação entre Jornalismo e política, mas compreende, neste momento, que seria restritivo limitar-se à política partidária, devendo incorporar outras nuances, a exemplo da relação entre jornalismo e cidadania, incluindo aí necessariamente o campo das políticas públicas, mas, sem esquecer que no contexto atual políticas públicas podem perfeitamente ter origem na sociedade, nos movimentos sociais e nas organizações não-governamentais.

Jornalismo e sociedade é precisamente o enfoque do "Seminário de Linha de Pesquisa" em curso, onde se trava, à luz de leituras e releituras, polêmicas acerca das teorias do jornalismo e da notícia, estando os debates amarrados a questões básicas que permeiam os projetos de pesquisa dos professores e dos mestrandos da Linha, a exemplo da relação entre critérios de noticiabilidade e interesse público. Se houve épocas em que se dizia "o público que se dane", observa-se, atualmente, o contrário, uma preocupação por parte da mídia e, particulamente, por parte dos veículos de imprensa, em atender aos interesses do público e dos públicos; facilitar-lhes a recepção dos conteúdos; oferecer-lhes informações, serviços, dicas, toll frees (discagens gratuitas), bem como oportunidades de interação, sugestões, queixas e até desabafos participação no agendamento dos assuntos e nos conselhos de redação, como são os casos dos conselhos de ética e dos conselhos de leitores.

Jornalismo e sociedade tem, igualmente, numerosas implicações entre informação e cidadania, tanto a imprensa disponibilizando notícias, colunas e serviços, quanto os veículos sendo mais permeáveis ao agendamento dos conteúdos por parte do público, das organizações e do movimentos sociais. Tem havido especial sensibilidade para com alguns temas da agenda social, tais como: interesses do consumidor e do contribuinte; saúde, segurança, emprego, educação e lazer. Pode-se inferir que duas forças complementares contribuíram para esse quadro: uma maior apropriação social da imprensa e a descoberta, por parte dos meios de comunicação de que cidadania também é mercado. É a emergência do mercado social, em que tanta a sociedade sai lucrando, quanto saem lucrando os veículos de imprensa, não só em imagem, mas em faturamento. A oferta de conteúdos editoriais voltados para a cidadania, portanto, tem sido vista como um bom negócio e não como benemerência dos veículos.

Trata-se, porém, de uma hipótese de trabalho, portanto, não de resultados prontos e tabulados de pesquisas concluídas. Trata-se, conseqüentemente, de novas buscas a serem empreendidas, seja para atender à desconfiança de que estaria ressurgindo uma certa esfera pública cidadã, seja para compreender se houve mudanças qualitativas nos critérios de noticiabilidade, de forma que o interesse público seja, necessariamente, um valor-notícia ou, quando menos, motivo de colunas de orientação, variando desde os espaços para o acolhimento de queixas e denúncias relacionadas aos serviços públicos, à oferta de assessoramentos os mais diversos. Um exemplo típico, como fazer o seu imposto de renda.

Outra vertente da relação entre jornalismo e cidadania, refere-se aos direitos da pessoa humana, do cidadão e do consumidor, quando entra em jogo o próprio comportamento da mídia, notadamente, quando os seus procedimentos são abusivos ou suscitam recriminações. E, neste ponto, outra vez voltam à tona certos cânones, princípios e valores, abstratamente inerentes ao jornalismo, mas ainda por se consolidar em matéria de discurso prático, sempre renovado à medida em que se apresentam os dilemas. Um outro aspecto ainda diz respeito aos Modos de Assegurar a Responsabilidade Social (MARS) da mídia e, particularmente da imprensa, uma cultura ainda incipiente no Brasil, sobretudo no que se refere a instâncias de negociação consensual entre o cidadão prejudicado e os veículos objeto das queixas.

Estamos, portanto, nos referindo às conseqüências das notícias, quando elas provocam danos morais e materiais, engrossando um certo campo da vitimologia, o das vítimas dos erros da imprensa ou das práticas abusivas da mídia como um todo. Mesmo quando os procedimentos da imprensa não implicam danos, o próprio papel da imprensa ainda não é assunto amadurecido e regulamentado. A própria chancela que assiste a imprensa no seu papel de fiscalizadora e investigadora é algo que se estabelece muito mais aos reveses de uma certa ?cultura profissional? do que institucional.

O que autoriza um repórter, geralmente de acordo com o seu próprio arbítrio, a assumir papéis de fiscal e investigador e ainda se utilizar de certos expedientes duvidosos, tais como: falsidade ideológica, câmera oculta ou espetacularizacão do grotesco?

A própria incursão da imprensa pelo campo da cidadania, fenômeno típico do gênero civic jornalism, não deixa de ser polêmica, pois, diriam os mais ortodoxos, à imprensa compete noticiar os fatos sociais, mas não se meter com as suas soluções, pois isto já não seria imprensa, mas outro tipo de atividade, entre elas, o serviço social, a caridade, a benemerência. Ao contrário, há quem entenda que o jornalismo não perde a sua essência se estiver associado a campanhas públicas e movimentos sociais, cobrindo e gerando eventos relativos, por exemplo, a: violência, trânsito, drogas e meio-ambiente.

Da mesma forma, não parece bem resolvido o dilema que se constitui entre a missão primária de informar e o dever de formar e ainda o equilíbrio destas duas com o entretenimento. Como se vê, há muito por ser delimitado, ou seja, a própria epistemologia do Jornalismo enquanto campo do saber não está pronta e acabada, também permitindo os mais variados recortes. Ora o objeto em questão é a imprensa; ora, o jornalismo; outrora, o jornalista e suas categorias profissional e deontológica; ora tudo isso conjuntamente, quando se trata do ensino e, conseqüentemente deste Fórum.

(*) Professor da UnB e coordenador do projeto SOS Imprensa

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