TV DIGITAL
Paulo Filgueiras (*)
A TV como conhecemos tem data para acabar. O Brasil está prestes a escolher o sistema a ser usado no país para a implantação da TV digital. A princípio, os americanos temem derrota para o padrão japonês, considerado por muitos o mais eficiente. A decisão do Brasil deveria ter sido anunciada em janeiro de 2000, porém, por razões que não cabe aqui explorar, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) adiou a decisão para o primeiro semestre deste ano.
A TV digital é um sistema de transmissão de dados através de um código binário. O som e a imagem são digitalizados, ou seja, transformados em séries que combinam os dígitos 0 e 1 que, por sinal, é a mesma linguagem utilizada pelos computadores. Essa nova tecnologia funciona com transmissão de informações digitalizadas por via aérea ? com o uso de satélite ? ou terrestre (cabo). Depois disso, os dados são decodificados por uma caixa conectada ao aparelho televisor.
Muitas dúvidas pairam sobre a eficácia desta nova concepção de televisão e sua viabilidade. Como será a televisão no futuro? O público será o mesmo? É preciso comprar aparelho novo?
O sistema digital tem formato de tela de cinema, com imagens de grandes dimensões e alta resolução. O aparelho de TV digital, além de ser mais moderno, proporciona melhor visualização e melhor enquadramento das cenas. A transmissão ocorre sem interferências; há maior variedade de canais e prevê o uso de recursos interativos, como fazer compras em supermercados, acessar contas banc&aacutaacute;rias, escolher o ângulo de visão em partidas esportivas, acessar a internet e mandar e receber e-mails. É a integração entre TV, som, videocassete, DVD e computador. Portanto, é necessário, sim, comprar um aparelho novo. Hoje em dia, pelo sistema analógico, o formato SDTV tem proporção 4×3, e o HDTV, proporção 16×9. A tela da TV digital terá proporção de 16×9, bem mais horizontal.
Direitos do cidadão
Os EUA estão alarmados com a possibilidade de derrota na escolha do padrão de TV digital no Brasil. Entraram na competição, além do sistema americano (ASTC), o europeu (DVB-T) e o japonês (ISDB-T). O sistema ASTC (Advanced Television Systems Committee) tem como ponto forte a alta definição. Já o DVB-T (Digital Vídeo Broadcasting) e o ISDB-T (Integrated Services Digital) usam o mesmo espaço de freqüência ocupado por um canal analógico, para transmitir até seis canais, e contam com a possibilidade de recepção móvel em ônibus, carros, trens, no celular WAP, na mesa do serviço etc. Mas enquanto os EUA pretendem garantir sua hegemonia no mercado, as emissoras de TV americanas criticam o padrão local. O governo americano usa um discurso pela unidade, sugerindo que seu padrão será inevitavelmente adotado em todo o hemisfério.
A Anatel realizou vários testes no ano retrasado que apontaram o padrão japonês como o mais eficiente dos três. O americano ficou na última colocação, pois um de seus problemas seria a dificuldade de recepção em aparelhos que têm somente antena interna. A agência reguladora brasileira levou em consideração critérios técnicos e econômicos. No entanto, a escolha deve girar mesmo em torno da qualidade da imagem e da quantidade de canais. De acordo com as estatísticas, os brasileiros conviverão simultaneamente com os dois sistemas nos próximos 10 anos, até que todos tenham aparelhos digitais.
Um país com altos índices de pobreza, miséria e analfabetismo como o Brasil pode se dar ao luxo de fazer desaparecer a TV analógica em 10 anos? Todos continuarão tendo acesso à TV? Atualmente, o Brasil é líder latino-americano em usuários de internet, com 41% do mercado. Em relação ao comércio eletrônico, o Brasil aparece com 88% e, em segundo, o México, com apenas 6%. Apenas pequena parcela da população acessa a internet. Como o governo pode pensar em grandes investimentos tecnológicos (TV digital, internet) se não existe democratização da informação ou dos meios de comunicação? A quem interessaria a implantação de um novo sistema de transmissão?
A Constituição de 1988 propôs a criação do Conselho de Comunicação Social, ligado ao Congresso Nacional, com participação da sociedade civil e, também, a proibição de monopólios e oligopólios de meios de comunicação. Tudo ainda está no papel por falta de vontade política [Nota do OI: este texto nos foi enviado antes das novas decisões sobre o Conselho de Comunicação Social]. Se o acesso à informação fosse encarado como direito do cidadão atrelado à liberdade de expressão pelo governo e pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), certamente a discussão sobre o padrão a ser implantado no país teria outros rumos.
(*) Estudante do 6? período de Jornalismo na UFJF, MG