Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Velhos clichês sobre o "óbvio surpreendente"

MEDIAÇÃO E DISCURSO ÚNICO

Antonio Brasil (*)

Certos círculos acadêmicos brasileiros adoram discutir o óbvio e isso não nos surpreende. Em longo texto publicado no Observatório da Imprensa (veja, abaixo, remissão para o artigo "Considerações sobre o óbvio surpreendente, de Sylvia Moretzsohn) ? jamais imaginei que seriam necessárias tantas páginas e citações para discutir o que deveria ser óbvio ?, a Prof? M. despreza o desenvolvimento tecnológico, a cibermilitância, o trabalho voluntário, o poder de participação do publico e até mesmo o "senso comum". Ela defende um Estado forte e o jornalismo "único" com reserva de mercado, ou melhor dizendo, com reserva de mediação da informação restrita aos jornalistas "profissionais". Nada poderia ser mais óbvio e menos surpreendente.

No mesmo texto, fui citado como "exemplo" desse tal "óbvio surpreendente" porque defendo e divulgo as iniciativas alternativas que tentam romper o discurso único das grandes corporações ou das grandes ideologias. Qualquer tentativa de comunicação ou de busca de informações alternativas deve ser simplesmente menosprezada e combatida. O discurso único acredita em um jornalismo único ? as you like it… or not. A Prof? M. defende um jornalismo restrito a jornalistas formados em nossas universidades e, pelo jeito, quaisquer universidades. Tanto faz se o diploma foi comprado, leiloado ou obtido com grande esforço ou empenho em boas escolas. O discurso único é sempre corporativo e ingenuamente defende o "emprego".

Obviamente, a reserva de mediação da informação pelos jornalistas pode não ser considerado "bom senso" popular, mas também pode ser citado como "senso crítico" à la Gramsci. Tanto faz. A discriminação demonstra erudição e impressiona os leitores. Obviamente "bom senso" ou "senso crítico" podem não fazer o menor "sentido". Mas isso também não nos surpreende.

Como a Globo

A Prof? M. não acredita nas velhas e novas tecnologias. Cita a "ingenuidade" de Brecht ao defender o radio como meio alternativo. Fico feliz com a lembrança. Estou em boa companhia. Os sonhadores ingênuos persistem em contrariar um mundo de discurso único. Mas também creio que o velho Brecht ficaria muito satisfeito ao saber que aqui no Brasil, as pequenas rádios alternativas e comunitárias apesar de menosprezadas, continuam lutando pelo seu espaço. Elas sobrevivem e ainda representam um grande obstáculo para aqueles que acreditam no discurso único e na mediação exclusivista da informação.

Entre diversas considerações óbvias ao longo do texto, também sou acusado de defender "ingenuamente" uma "euforia tecnológica". Nada pode ser menos surpreendente. Afinal, o desenvolvimento tecnológico no campo da comunicação costuma ser associado em certos círculos acadêmicos brasileiros automaticamente à "perda de tempo" ou mera subserviência às leis de um mercado globalizado pós-moderno. Trata-se da velha discussão acadêmica neoludita que insiste em discriminar ou separar o "fazer" do "pensar". Insistem em privilegiar a teoria e a reflexão em detrimento da pratica, de qualquer pratica. Nada mais obvio, menos surpreendente e inútil. Liberdade de expressão e acesso à in-formação (sic) devem permanecer "pro-messas" fundamentais de uma certa de-mocracia do discurso único com reserva de mediação ex-clusivista (sic). [N. do E.: a redação do OI assume como suas as falhas de hifenação no citado texto de Sylvia Moretzsohn.]

Também não nos surpreende que no mesmo texto, a Prof? M. defenda prioritariamente o "fortalecimento do papel do Estado que é a instancia capaz de estabelecer obrigações e limites…". Como não acredito muito nessas "obrigações" e "limites", fico ainda mais preocupado com as possíveis conotações da defesa desses conceitos em um discurso obviamente "autoritário". E isso também não nos surpreende.

Os defensores das mídias alternativas e comunitárias costumam ser acusados de ingênuos, eufóricos, relativistas, pós-modernos e óbvios. Insistimos em "fazer" alguma coisa, mesmo que não seja a "coisa certa". Cometemos erros porque tentamos fazer alguma coisa que não vemos ou que não aprendemos tanto na CBS, na Globo ou nas nossas universidades. Mas, essa luta é inglória. Segundo a Profa. M. o "faça você mesmo acaba resultando em faça como a Globo". Ou seja, se não podemos fazer a coisa certa, "é melhor não fazer nada".

Mais um exemplo óbvio de um certo "determinismo ou negativismo histórico" que prefere acreditar no velho discurso do "Deixe que certos jornalistas ou o Estado façam tudo por você"! Nada mais obvio e menos surpreendente.

(*) Jornalista, doutor em Ciência da informação pela UFRJ, professor de jornalismo da UERJ, autor de Telejornalismo, internet e guerrilha tecnológica (Editora Ciência Moderna, 2001)

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Considerações
sobre o óbvio surpreendente
? Sylvia Moretzsohn

 

Agradeço a referência à "Profa. M.". Confere uma aura de mistério que eu não havia imaginado explorar. Passarei a assinar meus textos assim. (Sylvia Moretzsohn)