Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Viver a história, narrar a vida

IMPRENSA FEMININA

Larissa Preuss (*)

Sexo frágil? De jeito nenhum! Tem que ser “macho”, e muito, para ser jornalista.

Eu juro que quando entrei no escritório do Star Group Newspapers, uma empresa que publica sete diferentes jornais para pequenas cidades na área noroeste do Texas, a única coisa que eu almejava era a posição de estagiária.

Na manhã da minha primeira entrevista, eu troquei de roupa pelo menos umas quatro vezes. Primeiro vesti minha saia mais fashion combinando com a bota caramelo, mas pensei que estava muito extravagante, muito flashy. Troquei-a. Decidi tentar o business suit, mas este estava muito azul-turquesa. Para piorar, a camisa que combinava com o sapato estava sem botão, sem condições. Troquei novamente. Tentei mais algumas combinações de roupas e finalmente decidi usar uma sainha preta de risca de giz, comportadinha (na altura do joelho), camisa branca e sapato clássico.

Também prendi o cabelo com um rabo-de-cavalo baixo, literalmente grudado na cabeça, repartido ao meio, parecendo estudante de Direito da Harvard. Depois da maquiagem discreta, os óculos de armação moderna vieram completar o visual de “pessoa responsável”, com o qual eu pretendia impressionar o chefe de redação.

Apertos de mão e sorrisos à parte; era a hora de vender o meu produto. Vinte anos de idade, cursando o último ano de Jornalismo e, ainda por cima, estrangeira. O que eu tinha para oferecer não agradaria muitos redatores na maior parte das redações ao redor do país. Não que eu fosse desqualificada, mas em primeiro lugar eu era aprendiz, trazendo comigo somente a bagagem “teórica” ensinada na universidade. Segundo, eu nunca poderia cobrir os jogos esportivos e eventos que acontecem no período que compreende o pôr-do-sol de sexta até o anoitecer de sábado, por causa de minha religião, adventista do sétimo dia.

Mas a maior das minhas desvantagens era não ter crescido na comunidade na qual eu seria designada para trabalhar. E o inglês não é a minha primeira língua. Ah, também tem essa: eu sou mulher.

No entanto, aqui nos Estados Unidos, onde as mulheres batalharam e ainda lutam por direitos iguais, este fator é de pouca importância. Mas o rótulo de frágil também é levado em consideração, uma vez que, por ser teoricamente mais emocional, a mulher tende a reagir de modo diferente em situações nas quais a emoção fala mais forte do que a razão e, conseqüentemente, embota o discernimento objetivo dos fatos.

Confesso que não me lembro muito das perguntas, piadas ou comentários que o redator-chefe me fez durante a entrevista. Eu estava tão nervosa que a maior preocupação era falar inglês corretamente, tentando não gaguejar. Eu só sorria enquanto tentava assimilar o que meu inquisidor sussurrava. Entender a segunda língua estando sob pressão já é difícil, agora, entender uma outra língua quando a pessoa sussurra é um milagre. Pesquei na metade da conversa, mas continuei prestando atenção e sorrindo.

Não demorou muito para que a minha atenção fosse totalmente concentrada na proposta feita pelo redator-chefe seguida por seu sorriso misterioso. A proposta sugeria o valor de dez dólares por hora trabalhada e a posição de editora-chefe de um dos sete jornais que o grupo publica semanalmente, o Alvarado Star.

Opinião volátil

Eu não podia acreditar. A primeira coisa que eu pensei foi: “Será que este cara está entendendo que eu só tenho quatro anos de inglês? E ele quer que eu seja a editora do jornal? Mas antes que eu pudesse me dar conta do que acontecia, por dez dólares a hora, eu assinava meu primeiro contrato como jornalista.

Quinze minutos depois, o telefone toca no escritório do meu pai no Brasil. Do outro lado da linha, eu não podia conter a emoção na voz. Festa na casa dos Preuss. A primeira menina da casa já tinha seu primeiro real job.

Meses depois do primeiro telefonema que causou a euforia generalizada na família, liguei para casa novamente. Desta vez num desabafo desesperado a ponto de desistir de tudo. Depois da semana de treinamento, quando comecei a trabalhar realmente, descobri que no mundo real o que conta é o que você sabe fazer, não o que pensa que sabe fazer. Você tem que mostrar que pode produzir material de qualidade e não simplesmente contextualizar e memorizar fatos e datas, nomes e teorias ensinadas na universidade.

Sentia-me frustrada, sobrecarregada, incapaz, dependente, totalmente infeliz. Não comia direito, não dormia direito. Depois daquela primeira quarta-feira de deadline no Alvarado Star, meu carro e minha cama nunca mais ficaram arrumados.

O tempo passou e aprendi a viver como uma jornalista; com os minutos contados. Vivo constantemente sob pressão e não tenho mais tempo de ser uma borboleta social tirando um tempo para visitar amigos e colegas de escola. Chego em casa, tiro o sapato de salto e, exausta, jogo-me no sofá. Não tenho vontade de cozinhar, não tenho vontade de passear, não tenho sequer vontade de ir ao shopping. Acho que já estou sentindo os sintomas da incurável doença da idade adulta.

Mas durante este meu laboratório de vida real tive a oportunidade de aprender mais sobre o que é ser uma jornalista. Por mais que a lei da objetividade seja a regra-mãe de sobrevivência no mundo das notícias, aprendi como parte da empresa que conta histórias, o meu trabalho consiste em servir pessoas.

Pessoas não são fatos; pessoas são feelings, sentimentos e emoções. Atrás de cada história existe uma pessoa real. Alguém que sente, sofre e pensa.

É difícil demarcar a linha de separação entre o story maker ? pessoa ordinária que fez algo extraordinário ? e o story teller ( narrador de fatos), pessoa que decide o que é importante, o que é notícia. É dever do story teller tentar alienar-se emocionalmente do story maker em nome da neutralidade e objetividade. É responsabilidade do story teller considerar o story maker como uma pessoa e não simplesmente como palavras que, juntas, preencherão linhas e colunas.

Ética e lealdade são para mim as chaves do sucesso na vida de um jornalista. Depois de seis meses trabalhando como editora-chefe do jornal de Alvarado, pequena cidade de aproximadamente 4 mil habitantes na qual eu faço reportagens, já sou conhecida como a garota do jornal. Seja na prefeitura, no centro comunitário, nas igrejas e nas escolas, policiais ou voluntários do corpo de bombeiros, a maioria das pessoas sabe quem é a garota do jornal.

Eu seria muito pretensiosa ao dizer que todos me apreciam, porque devido à volatilidade de opinião que o meu trabalho gera, infelizmente nem todos podem ficar contentes com o que tenho a dizer. Mas ao menos eles sorriem ao me ver passar.

Ainda não sei se sou uma jornalista de verdade, uma escritora da objetividade. De uma coisa eu tenho certeza: pelo menos eu tive coragem. E continuarei tentando, porque não quero simplesmente viver a vida narrando histórias. Eu quero viver a história narrando a vida.

(*) Editora-chefe do Alvarado Star, de Alvarado, Texas