Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Washington Novaes


CRISE ENERGÉTICA

"A energia e os bodes expiatórios", copyright O Estado de S. Paulo, 18/05/01

"Nada como uma crise para aumentar significativamente o fluxo de informações, trazer para a sociedade dados que lhe faltam no seu cotidiano – e só eles permitem um diagnóstico e uma avaliação competentes do problema.

Está sendo assim, mais uma vez, com a crise no setor elétrico e a iminência do racionamento. Basta relembrar algumas coisas que só agora o cidadão comum vem a saber.

Vinha-se afirmando, por exemplo, que o problema foi quase só de déficit de investimentos (e não falta de conservação de energia, de racionalização, de eliminação de perdas desnecessárias), determinando um aumento da oferta de energia inferior à expansão da demanda. Mas agora se informa que em 2000 a expansão da oferta foi maior que a da demanda.

Só agora se diz que, se a contenção do consumo houvesse sido determinada (como foi proposto ao governo federal) em março último, poderia ficar em 10% – e não em 20%, como se planeja hoje.

Só agora se admite que algumas coisas poderiam ter sido feitas (e ainda podem) para reduzir o consumo:

Redistribuir o horário de algumas atividades para períodos em que há sobra de energia; estabelecer tarifas diferenciadas por horários, para deslocar o consumo (chuveiros elétricos, por exemplo) para fora do horário de pico, implantando medidores específicos; apressar a implantação de linhas de transmissão de regiões onde há sobra de energia para regiões onde falta; reduzir os subsídios e o consumo dos chamados setores eletrointensivos, voltados fundamentalmente para a exportação destinada a países que não querem arcar com os custos energéticos e ambientais de sua produção (especialmente alumínio); revitalizar o esquecido programa de conservação de energia (Procel); criar padrões mínimos de eficiência para equipamentos e aparelhos consumidores de energia.

reestudar o sistema tarifário, já que o subsídio dos consumidores domésticos ao setor industrial pode estar estimulando desperdícios; tentar reduzir as perdas na transmissão de energia (15% pelo menos).

Pode-se ficar por aí, embora os exemplos ainda sejam muitos.

Curioso, entretanto, é que, embora essas informações demonstrem a escassez de planejamento e de competência e a abundância de descaso com o cidadão, quase só se busquem neste momento bodes expiatórios, apontando ?culpas? dos chamados ambientalistas pelo déficit de energia. Ao mesmo tempo se propõe fazer muitas das coisas que eles têm combatido. Como a usina nuclear Angra 3, as novas hidrelétricas na Amazônia e a redução – ou extinção – de exigências para o licenciamento ambiental de termoelétricas e hidrelétricas.

Esquecendo que Angra 3 só entraria em funcionamento, na melhor das hipóteses, em 2005, e não teria a menor influência na atual crise.

Deslembrando que a Amazônia já enfrenta sérios problemas ambientais, que se agravariam (quando, em lugar disso, se poderia reduzir o consumo nos eletrointensivos, que respondem por um terço da energia de Tucuruí). E que o eventual atraso no licenciamento de novas usinas se deve não a ambientalistas, e sim à falta de cumprimento de exigências mínimas ou à incompetência dos respectivos estudos de impacto ambiental.

Mais intrigante ainda é que se teima em não ver e respeitar os perigosos limites ambientais de que nos aproximamos ou já ultrapassamos. Não se pergunta, por exemplo, o que está acontecendo com os recursos hídricos, as causas todas do baixo volume estocado nos reservatórios.

A alegação de falta de chuvas como causa determinante da crise é contestada com veemência por vários dos interlocutores nesse confuso diálogo. Que estará acontecendo, então? Qual a situação dos aqüíferos que abastecem os mananciais? Estará havendo reposição de água menor que o consumo? Em função de que fatores? Excesso de consumo? Mudanças por causa da remoção da vegetação nativa? Maior nível de evaporação? Há alterações significativas na vazão média dos rios? Faltam respostas.

Temos de nos atualizar. Tomar consciência dos graves limites que já enfrentamos – ameaça de mudanças climáticas, crise generalizada nos recursos hídricos, desertificação e perda de solo, redução da biodiversidade, sobreuso de recursos naturais (mais de 40% além da capacidade de reposição da biosfera), superprodução de lixo (mais de 2 milhões de toneladas diárias só de resíduos domésticos) e falta de solução para o problema. Tudo isso num quadro em que a população do mundo se multiplicou por quatro em um século e ainda aumentará mais 2,5 bilhões de pessoas nos próximos 50 anos.

Vale a pena relembrar as palavras do ex-dirigente supremo da URSS Mikhail Gorbachev, quando nada por sua experiência à frente de questões muito concretas: ?Precisamos de uma nova maneira de pensar. (…) A natureza está-nos dando todos os sinais de que precisamos desenvolver uma visão comum do futuro para resolver a crise ambiental. (…) A natureza não espera.?

Segundo Gorbachev, temos, no máximo, 30 anos para fazer isso. Otimismo, talvez.

?A tendência hoje é para o lado errado. É preciso parar. (…) O colapso dos ecossistemas vai levar ao colapso da economia?, adverte outro experimentando dirigente, Lester Brown.

Não faltam advertências, portanto. Falta coragem. De levar – é preciso repetir e repetir – a chamada questão ambiental para o centro e o início de todas as políticas e programas. Até mesmo porque não existe exatamente uma questão ambiental separada do resto. Existe o concreto – a terra, a água, o ar, a biodiversidade – onde tudo acontece. E tem repercussões de que não conseguiremos fugir. (Washington Novaes é jornalista E-mail: novaes@ih.com.br)"

CASO MARKA

"Minha vida hoje é um inferno", copyright Jornal do Brasil, 20/05/01

"O economista Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, reagiu ontem com indignação às acusações da revista Veja de que teria um esquema de venda de informações privilegiadas no BC. Lopes diz que a matéria é recheada de insinuações e carente de provas. Numa entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Lopes garantiu que não conhece o banqueiro Salvatore Alberto Cacciolla e que não há a menor possibilidade de que algum depósito bancário ou fita gravada possa aparecer para incriminá-lo. ?Eu sou inocente e o tempo vai provar isso?.

Aos 56 anos, o presidente do Banco Central de carreira mais curta da história da instituição – foram apenas 21 dias no cargo – diz que se sente ?como se uma jamanta?o tivesse atropelado. Depois do escândalo em que se viu envolvido, os clientes da sua empresa de assessoria financeira, a Macrométrica, desapareceram. Muitos sócios também deixaram a empresa. Chico diz que gasta ?um dinheirão? com os advogados que o defendem e que sua família se cotiza para pagar a conta. Mas não se arrepende de ter passado pelo governo, do qual saiu linchado e preso. ?Mesmo assim, valeu a pena?, diz.

– A revista Veja publica reportagem dizendo que o senhor foi chantageado com fitas gravadas pelo banqueiro Salvatore Cacciolla na época da desvalorização do real frente ao dólar. Isso aconteceu?

– Essa reportagem é totalmente fantasiosa. Todas as acusações contra mim partem de uma série de insinuações que só fazem sentido para quem tem algum interesse em me prejudicar. É uma indignidade jogar lama na honra de uma pessoa dessa maneira. Desculpe o desabafo, mas precisava dizer isso. A matéria fala de uma fita e que eu teria dito nessa fita ao Sérgio Bragança, um amigo meu de infância, que estou cancelando uma reunião. Ora, bolas, eu não me lembro disso. Mas dizer que estou cancelando uma reunião a um colega prova alguma coisa? Se existe fita sobre essa história, eu sou o primeiro a querer saber onde é que está essa fita. Eu nunca soube de fita e sequer conheço o senhor Salvatore Alberto Cacciolla. Só sei dele pela imprensa. Logo, jamais ele me procurou para me chantagear com qualquer coisa.

– A reportagem diz que as gravações mostram que o senhor tinha um esquema de vazamento de informações e recebia por isso. Na matéria, aparece uma conta do Pactual de onde sairiam recursos para a sua conta.

– Desafio qualquer um a mostrar isso. A única conta que tenho no exterior é a do Bank de Boston. Ela está declarada no meu imposto de renda e está a disposição da Receita Federal. A matéria usa de uma ilação absurda para dar veracidade à história. A reportagem diz que uma subsidiária do Banco Pactual tem uma conta num banco dos Estados Unidos. Para provar que isso é verdade, estampa uma espécie de extrato com essa informação. Ora, mas é evidente que o Banco Pactual possa ter uma conta nos Estados Unidos. O que eles não explicam e não provam é como essa conta abasteceria supostamente uma conta minha. Eu tenho certeza de que nenhuma conta minha recebeu depósito.

– O senhor nega então que tenha tido alguma espécie de esquema de vazamento de informações no Banco Central?

– Nego peremptoriamente. O imposto de renda devassou a minha vida. Grampearam as minhas conversas por mais de um ano. Os dois processos que correm na Justiça contra mim estão em fase final e estão francamente favoráveis a mim. Fiz um depoimento ao Ministério Público recentemente e expliquei toda a história. Não havia um repórter lá para cobrir. Aliás, eu gostaria de saber porque é que o depoimento das testemunhas de acusação, umas sete ou oito, foram amplamente cobertas pela imprensa e, nos 51 depoimentos de defesa, não havia um jornalista? Eram fiscais do BC, ex-ministros, todos favoráveis à defesa. Não existe prova contra mim. O que existe é um linchamento público. Já fui linchado o bastante. Cheguei ao limite.

– Mas como o senhor explica o aparecimento dessas informações ?

– Isso é um complô perverso formado por um jornalista, procuradores e alguns policiais federais. Eles estão observando o processo na Justiça caminhar a meu favor e resolveram criar um fato para ver se tumultuam o processo. Essas informações são todas requentadas. Não há um fato novo sequer. Desde o primeiro dia, o Cacciolla já saiu dizendo que tinha essas fitas. Também quero vê-las. E mais: vou processar a todos. Mesmo que eu gaste o meu último centavo e gota de sangue com isso.

– Na matéria, o Cacciolla se refere ao senhor como um ?picareta, safado, ladrão?. O que o senhor acha disso?

– Se o Cacciolla diz isso, só posso ficar tranqüilo. Eu ficaria preocupado se ele dissesse que era amigo meu. O Cacciolla é realmente uma pessoa engraçada. Ele tem teses curiosas. Se o Cacciolla pagou por informações privilegiadas e ele quebrou, que vá procurar o Procon. A desvalorização foi a maior oportunidade de lucro da história desse país. Se o cara ficasse rico nessa, ficaria por dez gerações. Daí a nossa preocupação com o vazamento. Agora, ele chega e diz que pagava, mas que não o informaram, ele tem mais é que procurar o Procon.

– O senhor se arrepende de ter passado pelo governo?

-Eu fui parte de um grupo que foi fundamental para o país. Nós acabamos com a inflação e eu deixei o governo com o câmbio flutuante. Isso foi a coisa mais importante que se fez para mantermos a estabilidade. A Argentina é uma prova disso. Eu dei uma contribuição ao país. É bem verdade que fui linchado pela CPI, aliás por senadores que estão aí agora no noticiário. Na época, fui preso por doze policiais armados, eles invadiram a Macrométrica, enfim. Mesmo assim, valeu.

– Apesar das acusações…

Sim, valeu. Não está sendo fácil para mim e para a minha família. Minha vida pessoal hoje é um inferno. As empresas tiveram um declínio violento. Estou processado e gasto um dinheirão com advogado. Eu e minha família estamos nos cotizando para pagar a defesa. Me sinto como uma pessoa que estava parada no meio da rua e uma jamanta veio e me atropelou. Mas vamos lá, vou me defender. Eu sou inocente e o tempo vai provar isso."

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