Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Wilson Tosta

ASPAS

"Fita incrimina Garotinho, que alega ?montagem?", copyright O Estado de S. Paulo, 14/07/01

"O governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), confirmou o conteúdo das transcrições de diálogos que manteve em 1995 com o hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Jonas Lopes de Carvalho Júnior, divulgados ontem pelo Jornal do Brasil, mas contestou sua edição e interpretação. Ele sustentou que parte das fitas foi montada. De acordo com Garotinho, as conversas – nas quais Jonas, numa suposta alusão à propina a ser paga a um auditor da Receita Federal, fala em ?500 pratas? e Garotinho parece concordar – não tinham esse sentido e não mostram nada de ?anormal?.

?Isso é outro assunto?, afirmou, acrescentando que ao falar em ?500 pratas? se referia às negociações para definir o valor de um dos prêmios de seu programa Show do Garotinho. O governador acusou o empreiteiro Guilherme Freire de ser o responsável pela montagem. ?Ele (Guilherme Freire) juntou duas fitas de assuntos diferentes para tentar vender uma história.?

Freire é empreiteiro em Campos e teria fornecido as fitas à imprensa. O governador disse que ele já admitiu ser o autor das gravações e anunciou que vai processá-lo. ?Nós vamos pedir ação pública contra ele porque grampo é uma atitude proibida.? Garotinho acusou Freire de ter superfaturado várias obras em Campos. Disse que o denunciou ao TCE e a gravação das fitas teria sido feita para chantageá-lo. ?Ele gravava para extorquir dinheiro das pessoas?, afirmou.

Prova – ?Se eu soubesse que as fitas eram essas, não tinha tentado impedir a divulgação?, disse o governador, referindo-se à liminar que obteve na Justiça proibindo jornais de publicar o conteúdo das gravações. Ele explicou que recorreu à Justiça porque Freire teria gravado também conversas pessoais de colaboradores.

Garotinho nega envolvimento em qualquer tentativa de suborno. Segundo ele, uma prova de sua honestidade é ?chegar a 20 anos de política tendo como patrimônio uma casa em Campos, herdada da família?. E acrescentou: ?É o suficiente para provar que não sou corrupto e não preciso usar de expedientes, como a matéria tentou induzir.?

Sigilo – Para ele, em nenhum momento a transcrição comprova suborno ou irregularidade. ?Não tenho medo de nenhuma investigação. Quero que seja feita com isenção, porque vai me dar um atestado de idoneidade.? Em São Paulo, após visita à Rede Record, ele se dispôs a abrir seu sigilo bancário, telefônico e fiscal.

A Receita e o Ministério Público Federal investigam a empresa Garotinho Editora Gráfica Ltda., que tinha como sócios Jonas e Rosângela Matheus, mulher de Garotinho. Em 1995, a empresa promovia sorteios na TV, comandados por Garotinho. Há suspeita de que algumas premiações tenham sido fictícias, alguns sorteios não tenham tido autorização legal, o aumento de capital da empresa tenha sido forjado e um auditor tenha sido subornado para permitir concursos.

Garotinho atribuiu o escândalo a pessoas ligadas ao governo federal interessadas em desestabilizar sua candidatura à Presidência. Ele disse não acreditar que o presidente Fernando Henrique Cardoso ?se desse a essa baixeza?, mas não quis identificar quem seria. ?A única intenção é prejudicar minha candidatura. Li a transcrição, não há nada de anormal.? As fitas, segundo ele, já foram usadas nas campanhas de 1996 e 1998.

Na sua opinião, as denúncias não prejudicam sua campanha à Presidência. Ele contou que pesquisa encomendada pelo governo, feita recentemente no Rio, com 1.500 pessoas, mostrou que 85% acreditam que as denúncias tem o propósito de afetar sua campanha. O governador não revelou, porém, o instituto responsável pelo levantamento.

Despacho – Em resposta à ação movida por Garotinho, a juíza Daniela Ferro Affonso Rodrigues Alves, da 1.? Vara Cível, concedeu liminar quarta-feira proibindo, sob pena de multa de R$ 200 mil, as empresas das Organizações Globo de publicar as transcrições. Com isso, O Globo, que obtivera primeiro as fitas e anunciara que as publicaria na quinta-feira, não pôde fazê-lo.

No despacho, a juíza incluiu na proibição o JB ?e demais periódicos de grande circulação e as redes CNT, Record e SBT?. O Jornal do Brasil decidiu descumprir a liminar. Em editorial, alega que divulgou as fitas para cumprir seu dever de informar a população. O governo anunciou que entrará na Justiça, pedindo que o jornal seja multado.

Para o editor-chefe de o Globo, Rodolfo Fernandes, como o JB não é réu direto na ação, sentiu-se à vontade para publicar a transcrição das gravações. ?Foi uma forma de censura, porque um órgão foi impedido de publicar uma informação, e outro não.?"

"ANJ divulga nota contestando censura a fitas", copyright Folha de S. Paulo, 15/07/01

"A ANJ (Associação Nacional de Jornais) divulgou ontem nota na qual afirma que ?constitui um cerceamento à liberdade de imprensa? a decisão judicial que impede a divulgação de fitas que sugerem que o governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), participou de uma negociação para subornar um fiscal da Receita Federal em 1995.

No documento, a ANJ diz que a decisão contraria a Constituição Federal, ?que prevê a inexistência em nosso país de qualquer forma de censura prévia?.

Garotinho obteve liminar proibindo a divulgação das fitas na última quarta-feira, concedida pela juíza Daniela Ferro, da 1? Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio. Na quinta, o desembargador Binato de Castro manteve a decisão.

A Folha recebeu na sexta-feira ofício da Justiça, assinado pelo juiz da 21? Vara Cível, Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes, determinando que o jornal se abstivesse de veicular quaisquer transcrições relativas ao caso."

 

"A epidemia de grampos excita a censura", copyright O Globo, 15/07/01

"No ano das comemorações dos 30 anos da sentença da Corte Suprema dos Estados Unidos que liberou a publicação dos ?Papéis do Pentágono?, vive-se em Pindorama a discussão da censura prévia provocada pelas ?Fitas do Garotinho?.

Em 1971, o presidente Richard Nixon bateu à porta da Corte para impedir que o ?New York Times? e o ?Washington Post? continuassem publicando papéis tirados de um estudo de 47 volumes no qual estava guardada a história do envolvimento americano no Vietnã. Garotinho foi à Justiça para impedir a publicação, no GLOBO, do conteúdo de três fitas nas quais meteu-se num caso de tentativa de suborno de um funcionário da Receita Federal. O eco dessas fitas vaga pela política do Rio desde o ano passado.

Nos dois casos a tecla é a mesma. Havendo uma informação obtida a partir de um procedimento ilegal (roubo de documentos num caso e interceptação de conversas de terceiros, no outro), o poder público pode pedir à Justiça que impeça a publicação de uma notícia. Tudo em nome de interesses superiores. Nos EUA, falava-se em segurança nacional. Era lorota. Em Pindorama, argumenta-se com a preservação da imagem de Garotinho.

Nixon perdeu por 6 a 3 na Corte Suprema. Foi um magnífico julgamento. Derrotou-se a tentativa de imposição de censura pelo Executivo, mas só três juízes votaram contra o governo, argumentando a favor da defesa absoluta da liberdade de imprensa. Os outros três qualificaram suas decisões. Mais: quatro dos seis deixaram claro que os jornais podiam publicar os documentos, mas isso não os livrava de responder pela sua associação com um delito.

Essas filigranas são relevantes porque, ao contrário do que se poderia supor, a Corte deixou em aberto a questão da legalidade da obtenção da notícia. Em aberto ela está há 30 anos. Cada caso é um caso e os nove juízes decidem quando acham que é o caso de se reinterpretar a Constituição. Afinal, como diz um deles, no século XVIII os redatores da Carta não legislaram sobre telefones.

Em maio passado a Corte julgou o caso de um grampo em cujo elenco estava um jornalista. Durante uma disputa salarial, a presidente de um sindicato de professores públicos e seu negociador conversaram ao telefone. A certa altura o sindicalista falou em ?estourar a porta da casa? dos membros do conselho das escolas. Foram grampeados, um sujeito recebeu a fita, mandou-a a outro (sem identificar-se) e ela acabou na mão de um radialista. Daí, foi ao ar. Pela lei estadual, o jornalista podia ser processado, preso e multado.

Por 6 a 3 a Corte decidiu a favor do jornalista. Segundo o voto do juiz John Paul Stevens, em nome da maioria. O radialista não participara do grampo, nem sabia quem o fizera. Portanto, nada tinha a ver com a ilegalidade. Ademais, as coisas que foram ditas no telefonema seriam relevantes se tivessem sido ditas durante uma assembléia. O assunto envolvia um tema de interesse e controvérsia públicos.

Stevens fez questão de esclarecer que a decisão da Corte não significava o fim do debate. Assim como há 30 anos, ele continuará em aberto.

Dois juízes formaram a maioria com um voto complementar e deram peso especial à referência às bombas em casas alheias e consideraram-na uma terceira justificativa para a divulgação do grampo. Isso porque o comentário envolvera uma ameaça à segurança de terceiros. Foi o endurecimento embutido nesses dois votos que formou a maioria.

Comparando-se o que decidiu a Corte Suprema com a epidemia de grampos que se abateu sobre a imprensa brasileira, verifica-se que a barra anda mais pesada por lá do que por cá.

A distância entre o jornalista e o grampeador é um dos elementos essenciais da questão. Os grampos nacionais formam uma variada mesa de frios. Houve casos em que trataram de controvérsias públicas (parte das fitas do BNDES). Já no episódio dos grampos colocados no aparelho do empresário Nelson Tanure, as mirabolâncias teleprivateiras que retratam estão mais para divórcio de milionários do que para controvérsia pública. No de Garotinho, instruem a investigação de atos ilícitos e, por isso, servem de base a uma investigação da Receita Federal.

Importa registrar que, em alguns casos, os grampos, como as carnes, vêm com gorduras. É natural que a imprensa publique só a parte que julga relevante. Mesmo assim, ela acaba na situação canhestra de preservar a privacidade de uma pessoa ao mesmo tempo em que expõe a de outra. Se o jornalista Guilherme Barros, da ?Folha de S.Paulo?, não tivesse tomado a iniciativa de transcrever os trechos do grampo de Tanure nos quais apareceu ou foi mencionado, ficaria exposto a maledicências e fantasias.

É direito da imprensa publicar o que a lei permite e não há lei que a proíba de transcrever grampos que não produziu. Isso não implica que esteja livre da responsabilidade por eventuais danos que venha a provocar.

De um lado está a liberdade de expressão. De outro, como disse o presidente da Corte Suprema, William Rehnquist (derrotado), está o direito das pessoas de não se expressarem publicamente. A seu juízo, o voto de seus pares violou a liberdade de expressão de milhões de usuários de telefones e de correios eletrônicos.

O que o governador Garotinho quer é exatamente o que a Corte Suprema negou ao presidente Nixon: censura prévia. No caso de Nixon, sua administração pouco tinha a ver com o conteúdo dos ?Papéis do Pentágono?. No de Garotinho, o que está em questão é o tipo de relação que manteve com os participantes de seus concursos e com a Receita Federal.

Enquanto nos Estados Unidos os nove juízes da Corte Suprema tratam dos grampos com cautela e mostram à imprensa que ela corre o risco de arrostar suas invasões da vida alheira, em Pindorama um candidato a presidente da República entra nessa velha discussão pela porta por onde Nixon saiu. Seria injusto dizer que ele quer calar a imprensa. O que ele quer é impedir que o ouçam."

    
    
                     

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