Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

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>>As voltas da História

Guerra nas estradas

Mais uma vez, como acontece todos os anos, os jornais do dia 26 de dezembro trazem as estatísticas das mortes nas estradas brasileiras.

E a cada ano os números se tornam mais impressionantes.

Hoje, os jornais publicam uma avaliação parcial da Polícia Rodoviária Federal: foram 134 mortos em acidentes desde a meia-noite de sexta-feira até as 6 horas da manhã de ontem.

É bem provável que tenhamos tido, pela primeira vez, um Natal com mais mortes do que as que ocorrem no carnaval.

O balanço final será divulgado hoje, mas os dados parciais antecipados pelos jornais mostram que o número de vítimas fatais chega a ser quase 78% superior ao das ocorrências do Natal de 2006.

É a pior estatística dos últimos quatro anos, e pode ser ainda mais grave, já que ainda não haviam sido contabilizadas as ocorrências do último dia do feriado.

Segundo autoridades citadas pelo Estado de S.Paulo e a Folha, a principal causa de acidentes continua sendo a imprudência dos motoristas.

Mas o sucesso do modelo econômico adotado no Brasil tem grande relação com a tragédia.

O Estadão observa que 2007 foi o ano em que dois fatores ligados à economia aumentaram os riscos nas estradas.

O primeiro deles é a venda recorde de automóveis – foram 3 milhões de novos veículos colocados nas ruas e estradas neste ano, considerado o melhor resultado da indústria automobilística em toda a sua história.

O outro fator de risco é o aumento do consumo em geral, que provoca uma elevação na estatística de transporte de produtos industrializados e grãos pelas rodovias.

A receita da tragédia é a convivência de muito mais automóveis com muito mais caminhões, cada um deles dirigido por um motoristra apressado, nem sempre preparado e quase sempre convencido de que dificilmente será apanhado pela polícia.

Os jornais têm dado destaque todos os anos às estatísticas dos desastres, assim como têm sabido comemorar os feitos da economia.

O que parece estar faltando é relacionar uma coisa com a outra.

As voltas da História

É manchete hoje no Globo e destaque em todos os outros jornais a decisão da Justiça italiana de mandar prender 140 ex-integrantes das ditaduras que assolaram a América do Sul nas décadas de 1970 e 1980.

Entre argentinos, uruguaios, chilenos, paraguaios, peruanos e bolivianos encontram-se treze brasileiros.

Ele são acusados de perseguir, torturar e matar dissidentes dos regimes ditatoriais que dominavam o Cone sul.

Não foram informados os nomes dos brasileiros procurados, mas sabe-se que todos estiveram envolvidos na chamada Operação Condor, que organizou a repressão política da época e integrou as forças repressoras dos países da região.

O processo se refere a cerca de 25 cidadãos italianos que foram presos e assassinados no período em que a Operação Condor ampliava a violência política na América do Sul, permitindo que os opositores das ditaduras da época fossem presos fora das fronteiras de seus países.

Os jornais de hoje reproduzem informações do tribunal de Roma e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

A precariedade da cobertura jornalística durante o plantão natalino certamente dificultou o aprofundamento do noticiário, mas provavelmente a imprensa vai se dedicar nos próximos dias a esclarecer melhor o episódio.

O Itamaraty já se antecipou em lembrar que a Constituição proíbe a extradição de cidadãos brasileiros para serem processados ou cumprirem pena fora do Brasil.

Portanto, a possibilidade de algum dos assassinos da ditadura vir a ser preso e enviado para a Itália é muito remota.

Mas não deixará de ser interessante observar como a imprensa brasileira vai lidar com esse lado obscuro da nossa História.

O período da ditadura sempre foi retratado pela mídia nacional de forma despersonalizada, como se fosse possível ter havido assassinados sem assassinos.

Ao contrário do que acontece na Argentina, os personagens da repressão sempre permaceram na sombra.

A decisão do tribunal de Roma dá aos jornais uma oportunidade para lançar um pouco de luz nos porões da ditadura.