Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

O desembarque de Montezuma

Montezuma vai aportar no Rio. O acordo firmado entre o BNDESPar e a Globopar para a venda de 60.138.289 ações da Net Serviços (7,26% do capital votante) à holding da família Marinho estende um tapete para a transferência do controle da maior operadora latino-americana de TV por assinatura para o empresário mexicano Carlos Slim Helu, dono da Telefonos de México (Telmex).

Por dentro da operação, toda respaldada nas regras do jogo e da transparência, formam-se as bases para a solução da crise financeira do Grupo Globo, em troca de uma ‘flexibilização’ das regras que restringem a participação do capital estrangeiro na mídia brasileira.

Segundo o ‘fato relevante’ divulgado pela Net na quarta-feira (29/9), a proposta de venda da participação minoritária do BNDESPar na empresa, válida até 30 de junho de 2005, está sujeita a algumas condições, entre as quais a venda da participação da Globopar para a Telmex e a realização de novo acordo de acionistas entre as duas empresas.

A Net possui ‘nível 2’ na Bolsa de Valores de São Paulo, o que a compromete a praticar a governança corporativa transparente e, entre outras obrigações, garantir o tag along – mecanismo que assegura a todos os acionistas a extensão das condições oferecidas aos controladores, no caso de transferência do controle da companhia.

Para alguns analistas que destrincharam a operação para o mercado nos últimos dias, isso daria à Telmex acesso a mais de 51% do capital votante da Net.

Mudança de posição

Há, porém, um pedra no caminho: isso não é possível atualmente, uma vez que pela legislação em vigor a participação do capital estrangeiro nas empresas de TV a cabo está limitada a 49%. Ou seja, a partir do acordo anunciado para a retirada de cena do BNDESPar, o asfaltamento do caminho para o avanço da empresa mexicana sobre a maior rede nacional de TV por assinatura esbarra na lei.

Portanto, ou o Grupo Globo já tem na gaveta um acordo que dá o controle de fato ao empresário mexicano sobre a Net, ou está em andamento uma operação casada com a tramitação do projeto de Lei nº 175/2001, que pretende acabar com a obrigatoriedade do controle nacional nas empresas de TV a cabo.

Para os analistas, os próximos meses deverão produzir episódios interessantes nessa minissérie sobre os bastidores dos negócios de comunicação, até o momento em que a transferência de mando precisar ser submetida à aprovação da Anatel.

Vale lembrar que a empresa da família Marinho vinha se opondo radicalmente à abertura do setor, contra a vontade das demais operadoras. Em mais de uma ocasião – como, por exemplo, durante o Congresso ABAT 2001, em São Paulo, quando a Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura discutiu a questão – dirigentes da empresa chegaram a alertar que a transferência do controle das redes de TV a cabo para o capital estrangeiro poderia colocar em risco a produção da programação de conteúdo nacional.

À moda de Fausto

Em junho passado, quando foi anunciando formalmente o acordo com os credores para renegociação da dívida da Net, avaliada em 1,395 bilhão de reais, o presidente da empresa, Francisco Valim, já antecipava a transferência do controle para os mexicanos. Só não explicou onde haviam sido arquivadas as preocupações com o destino da produção audiovisual nacional.

Na mesma ocasião, o diretor de Alianças Estratégicas da Telmex, Arturo Alias Ayub, se mostrava otimista com a possibilidade de parcerias de conteúdo entre a Globo e a Televisa, a rede de TV majoritária no México, também de propriedade de Carlos Slim Helu. Só não explicou se os mexicanos passariam a assistir o edificante Casseta & Planeta ou se os telespectadores globais é que passariam a receber em suas telinhas a importante contribuição das novelas mexicanas para a formação do ethos nacional.

Também não convém esquecer o recente escândalo que provocou nas empresas de mídia, e em alguns escritórios de produtoras bem posicionadas, o projeto de criação da Ancinav. O discurso nacionalista e a defesa da livre expressão da cultura nacional através dos meios eletrônicos era o mote.

Mas isso são questionamentos de observadores da mídia e de cidadãos preocupados com o papel do setor no desenvolvimento da sociedade brasileira. Para alguns empresários da área de comunicação – que desde 2002, quando o governo Fernando Henrique resolveu dar uma mãozinha do BNDES à família Marinho, vinham criticando a operação de socorro – o importante agora é que o acordo com a Telmex aponta para a solução da grave crise que vem pesando sobre o Grupo Globo e pode abrir um precedente favorável às outras operadoras.

As ações da Net são negociadas na Bovespa, Nasdaq e na Latibex, bolsa européia de papéis da América Latina. O comportamento dos investidores vai dizer se Fausto negociou bem sua alma.

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Jornalista