Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os riscos da concentração

Os brasileiros deveriam estar olhando com cuidado o processo de reorganização da Europa, principalmente no que se refere à absorção dos milhões de cidadãos oriundos dos países do Leste. Nesse cenário se desenvolve um interessante processo de reestruturação institucional, com especial destaque para o que interessa mais de perto aos leitores deste Observatório. Há ali muitos aspectos interessantes, como a necessidade de incluir no modelo de sociedade democrática colônias de pastores e aldeias regidas pelo credo muçulmano, mas chama atenção o fato de que também nos países recentemente apresentados aos modos de vida ocidentais já se constata a apropriação da mídia por grandes grupos empresariais de tendências monopolistas.


A questão tem sido tema de estudos, cujos resultados serão debatidos em Kiev, na Ucrânia, entre 10 e 11 de março de 2005, durante a 7ª Conferência Ministerial sobre Comunicação Social do Conselho da Europa. Uma conferência preparatória realizada na cidade de Bled, na Eslovênia, em junho, sob o patrocínio conjunto da Divisão de Mídia do Conselho da Europa e da Rede do Sudeste Europeu pela Profissionalização da Mídia, alertava para a necessidade de se definir os limites para a concentração da mídia e o papel que ela deverá cumprir no futuro da Europa unificada e ampliada.


Um dos destaques da conferência, a secretária-geral do Conselho da Europa Maud de Boer-Buquicchio, ponderou que, nos casos dos países sem tradição de imprensa livre, os investimentos de grandes grupos econômicos podem ajudar no processo de profissionalização da imprensa, com ganhos de qualidade técnica e progressivo abandono dos vícios da antiga mídia estatal. Mas, observou, se por um lado os recursos e a experiência das operações de concentração podem ter um impacto positivo no estímulo à produção de conteúdos de qualidade e na melhoria das condições de trabalho dos jornalistas, por outro lado a concentração da mídia pode produzir agressões à liberdade de expressão e ao pluralismo.


A vitória do lucro


Mal comparando, também o processo de absorção de grandes camadas da população brasileira numa sociedade hipermediada deveria estar gerando cuidados semelhantes no que se refere ao poder que se concentra em poucas e nem sempre qualificadas cabeças da mídia.


Temos já uma ampla fatia da população que não viveu os dias cinzentos da ditadura, e, mesmo em relação à maioria dos mais velhos, pouco se tem feito para consolidar a percepção de valor de uma mídia forte, livre, diversificada e democrática. Uma mídia concentrada e desvinculada de responsabilidades com o aprimoramento da democracia e o bem-estar geral é um risco permanente para a sociedade.


O economista Gilberto Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e coordenador do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, publicou neste sábado, dia 24, um artigo no Estado de S.Paulo no qual alinhava, com expressiva precisão e fartura de exemplos, os riscos que corremos, em todo o mundo, com a perda do espaço que era destinado, principalmente na televisão, às ‘principais conversas formadoras da sociedade’.


Seu texto, cristalino e irrefutável, observa que, à exceção do idioma, os programas de TV são praticamente iguais e igualmente ruins em todos os cantos do planeta, num retrato da espécie de mídia que floresce onde ‘a grande corporação privada e o lucro venceram o espaço público’.


Recurso fundamental


O Brasil tem a oportunidade de colocar algum controle nesse processo, com a proximidade da regulamentação da TV digital, mas os cidadãos não podem esperar que um tema tão relevante fique repousando num arquivo do Congresso Nacional à espera das condições políticas favoráveis a negociações.


Habituados ao sistema familiar de propriedade dos meios de comunicação, temos simplesmente assistido como meros espectadores ao desenrolar de crises e ensaios de mudanças cosméticas no sistema de propriedade das empresas do setor, como se se tratasse de questão particular inerente ao universo dos negócios privados.


Como fica bastante claro no estudo patrocinado pelo Conselho da Europa, já disponível em livro e na internet (www.seenpm.orge www.mirovni-institut.si), a concentração da mídia afeta a liberdade de expressão e o pluralismo. Com tantos problemas e carências de décadas a reparar, não convém ao Brasil abrir mão de um recurso fundamental à construção da consciência de cidadania e fortalecimento da democracia.

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Jornalista