Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mais vinte anos de vida saudável

(Imagem de bedrck por Pixabay)

Não é preciso um grande esforço de análise para concluir que nos últimos 60 anos a saúde pública, no Brasil e no mundo, vivencia um processo de profunda deterioração. Existe um conjunto de doenças “novas” com crescimento acelerado (câncer, cardiovasculares, degenerativas, autoimunes etc). A obesidade, como principal indicador visível das dificuldades referidas, assume proporções alarmantes.

Vejamos dois dados emblemáticos. Estima-se que em 2040 cerca de 650 milhões de pessoas terão diabetes no mundo. A grande maioria será portadora do tipo 2, justamente aquela adquirida em função do estilo de vida, notadamente a alimentação inadequada. Em 2000, esse número era calculado em cerca de 150 milhões de pessoas (fonte: saude.gov.br). De acordo com um estudo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, em 2030, aproximadamente 70% dos brasileiros estarão com excesso de peso (considerados os obesos e com sobrepeso).

É inegável que o estilo de vida moderno, influenciado e aproveitado pelas indústrias farmacêutica, alimentícia, dos planos de saúde, das redes hospitalares e correlatas, responde pela parte preponderante das mazelas crescentes em termos de saúde e bem-estar.

Faça dois exercícios simples e gaste um bocadinho de tempo refletindo sobre as conclusões. Primeiro, num despretensioso passeio pela sua cidade, conte a quantidade de farmácias (drogarias é a designação mais apropriada) avistadas em comparação com as padarias e as livrarias. Depois, numa visita ao supermercado, conte a quantidade de corredores (ou a área ocupada) reservada aos alimentos processados e aos alimentos não processados (ou naturais).

Recentemente, o professor Nuno Cobra Júnior fez uma provocação interessante: “Qual seria o impacto da covid se a população mundial tivesse um baixo índice de pessoas sedentárias, obesas, estressadas, insones, deprimidas, à beira de um ataque de nervos, e que não apresentassem diversas outras comorbidades?”.

Em 2022, lancei o livro “Saúde e bem-estar. Minhas anotações”. Não é usual alguém com formação jurídica produzir um texto nessa área. Obviamente, não tratei de procedimentos médicos, medicamentos ou coisas do gênero. As quase 280 páginas da obra, voltadas para destacar questões de alimentação, atividade física, hábitos diversos e equilíbrios espiritual, emocional e social, podem ser resumidas de forma intuitiva. Seria possível afirmar que hábitos saudáveis produzem qualidade de vida (saúde e bem-estar) consistente e duradoura.

Inúmeros estudos envolvendo uma quantidade considerável de pessoas e publicados nos principais repertórios científicos confirmam o caminho dos hábitos saudáveis, em várias vertentes, como o “segredo” de uma boa qualidade de vida, notadamente na sua última etapa (“terceira idade”).

Uma pesquisa divulgada recentemente chamou muita atenção, dentro e fora dos meios científicos, por quatro fatores singulares. Primeiro, envolveu mais de 700 mil pessoas, um número enorme e raras vezes alcançado nesses experimentos. Segundo, porque indicou a viabilidade de acréscimo, de uma forma geral, de mais 20 anos de vida saudável. Terceiro, porque concluiu que o risco de morte por qualquer causa pode ser reduzido em 13% em relação a quem não adota os comportamentos recomendados. Quarto, porque apontou uma lista sucinta de 8 hábitos a serem cultivados para o alcance daquele resultado.

O estudo foi apresentado pela pesquisadora Xuan-Mai Nguyen, do Carle Illinois College of Medicine (EUA), no último Congresso da Sociedade Americana para Nutrição. O levantamento compilou dados de 719.147 americanos com idades entre 40 a 99 anos no período de 2011 a 2019 (fonte: estadao.com.br).

Segundo os resultados do trabalho de Xuan-Mai, os oito hábitos diretamente relacionados com o ganho na longevidade saudável são: a) não fumar; b) praticar exercícios físicos; c) contar com boas relações pessoais; d) não ter episódios frequentes de abuso de álcool; e) ter boas noites de sono; f) manter uma dieta saudável; g) controlar o estresse e h) não ter vício em medicamentos opioides.

Não fumar. A relação entre o tabagismo e câncer de pulmão é amplamente conhecida. Entretanto, segundo o Ministério da Saúde, o cigarro está associado a mais de 50 doenças, como infarto, bronquite crônica, enfisema pulmonar e derrame cerebral.

Praticar exercícios físicos. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta para um mínimo de 150 minutos de atividade física por semana. Dois aspectos são especialmente relevantes: a) a aceleração dos batimentos cardíacos (caminhada “puxada”, natação e bicicleta) e b) o fortalecimento dos músculos.

Contar com boas relações pessoais. São assim consideradas as relações de amizade onde ocorre apoio recíproco e troca de experiências (convívio social efetivo).

Não abusar de álcool com frequência. Os efeitos nocivos da ingestão de bebidas alcoólicas são bem conhecidos. A rigor, a formulação “não abusar” não é a mais apropriada. Segundo as ponderações científicas mais rigorosas, não existe nenhuma quantidade segura ou saudável de consumo de álcool.

Ter boas noites de sono. Observam-se crescentes dificuldades para efetivar noites de sono satisfatórias. Os quadros de insônia são cada vez mais frequentes. Admite-se variações da quantidade de sono necessária para cada pessoa. Em geral, os adultos precisam dormir de seis a nove horas, acordando sem sinais de cansaço ou indisposição.

Manter uma dieta saudável. A regra geral indica que os alimentos naturais (verduras, legumes, frutas, ovos, castanhas e nozes) e minimamente processados devem ser preponderantes. Já os alimentos processados e ultra processados devem ser evitados ou, de preferência, eliminados. É preciso especial atenção e cuidado com: a) açúcar refinado; b) sal de mesa; c) farinha de trigo e d) leite de vaca.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou recentemente, na linha mencionada, as diretrizes referentes ao consumo de alimentos. A referida entidade reforçou as restrições ao açúcar refinado, presente em produtos processados e ultraprocessados. A orientação é que o consumo (reduzido) de carboidratos seja feito principalmente por meio de alimentos com fibras naturais (milho, feijão, grão-de-bico, lentilha, ervilha, vegetais, frutas e leguminosas). Pretende-se, com a recomendação, evitar a produção excessiva de insulina e suas consequências negativas de longo prazo. Vale o registro, também destacado pela OMS, de que as fibras são extremamente relevantes na promoção do adequado funcionamento do intestino (o “segundo cérebro”), além de outros benefícios.

Controlar o estresse. Submeter o organismo a um estado frequente ou permanente de tensão emocional provoca um deletério desequilíbrio metabólico. Nesse sentido, são indispensáveis as atividades de lazer, prática de esportes, desenvolvimento da espiritualidade e ações congêneres.

Não se tornar dependente de opioides. São os medicamentos voltados para aliviar dores crônicas. Segundo dados da Anvisa, o número de prescrições médicas de opiáceos vendidos nas farmácias brasileiras em 2009 foi de 1.601.043 e, em 2015, alcançou 9.045.945. O alerta deve ser ampliado para os remédios de uma forma geral, notadamente quanto aos usos desnecessários, excessivos e as complicadas interações medicamentosas.

Entre os hábitos não mencionados expressamente no estudo em questão, devem ser destaca dos, pela importância no processo de construção de saúde e bem-estar: a) exposição adequada à luz solar (para produção de vitamina D); b) consumo de água em quantidade apropriada; c) cuidados com a utilização de plásticos e d) adoção de técnicas de respiração e meditação.

Não custa lembrar, para concluir estas singelas linhas, uma verdade incontornável. Quem não tem tempo (e disposição) para cuidar da saúde, precisará, mais cedo ou mais tarde, investir tempo (energia e recursos financeiros) para cuidar das doenças.

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Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional